Educação, Comunicação e Não-Violência

Como nos reeducar para um viver e conviver que nos liberte dos condicionamentos e possibilite estar vivos a cada instante

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Por Carolina Lemos Coimbra*

Há alguns anos adquiri um ímã com a seguinte mensagem: “Escrever é um modo de falar sem ser interrompido”, atribuída a Jules Renard. Faz todo o sentido para mim. Quando por diversas razões não consigo me expressar falando, vou logo pegando lápis ou caneta e colocando tudo para fora de mim no papel.

Aí, vez em quando, partilho os escritos, não sem certo relutar. Escrever é colocar o que tenho de mais verdadeiro para fora. Tem um desnudar que é ao mesmo tempo incômodo e necessário.

E a vontade de partilhar vem crescendo. E esta coluna é esse experimento do partilhar.

Minha intenção com este espaço é investigar a Educação, a Comunicação e a Não-Violência, partindo do questionamento: Como podemos nos reeducar para um viver e um conviver que nos liberte dos condicionamentos e nos possibilite estar vivos a cada instante? Olhando para três áreas do nosso viver: a intrapessoal (relação com nós mesmos), a interpessoal (com outras pessoas) e a sistêmica (sistemas e estruturas que criamos para servir a vida e que, às vezes – mais do que eu gostaria – não servem mais e passamos a servi-los).

São investigações e estudos sobre esta questão nessas três áreas que a cada quinze dias pretendo falar sem ser interrompida aqui neste espaço. Digo que é minha intenção, porque não sei se irei de fato fazer isso. Vamos deixar rolar e ver o que vocês, leitores, trazem também para também compor esta música.

E se escrever é falar sem ser interrompida, e quando as pessoas falam e já não aguentamos mais ouvir? Talvez por isso me agrade o escrever. Existe uma liberdade já dada de parar de ler assim que o leitor quiser. Já com a fala…

Semana passada, por exemplo, estava em uma sala de aula. A pessoa que estava no papel de educadora começou a contar a história da metodologia que desenvolveu e que irá nos levar a vivenciar durante suas aulas. A história ia lá longe no passado…e a pessoa no papel de educadora falava e contava suas experiências com diversos detalhes. O meu colega ao lado no papel de educando começou a desenhar no caderno e a suspirar. Conforme o tempo ia andando ele se mexia cada vez mais até que seus pés começaram a bater repetidas vezes no chão.

Imagino que ele não estava mais interessado no que a pessoa no papel de educadora estava falando. Porém, em nenhum momento dos 30 minutos seguintes, meu colega partilhou isso com a turma. Pergunto então: o que está dado em nossa sociedade que faz com que aceitemos ficar 40 minutos ouvindo alguém que não queremos mais ouvir?

Já ouço algumas pessoas falando: “Educação, oras…Não é educado interromper”. Bom, neste caso, interromper me parece que serviria a vida deste sendo humano que estava sentado ao meu lado. E provavelmente a da pessoa no papel de educadora. Gostaria de saber de você que me lê agora: se alguém te escuta e não está mais te acompanhando (seja por que não faz mais sentido para ela, seja porque algo em sua fala chamou a atenção dela e ela está viajando em algo dentro dela que ressoou sobre isso, seja por qualquer outra razão), você gostaria que ela partilhasse isso? Não consigo imaginar alguém que preferiria ficar falando “para paredes” e acreditando que está contribuindo com sua fala quando não mais o está.

Então, porque continuamos a servir esta tal educação que nos diz que não devemos interromper? Interromper me parece ser uma atitude de servir à vida, para que ela continue fluindo onde parou de fluir…

Talvez possamos também nos perguntar: como interromper cuidando de quem está falando? E isso provavelmente nos levará para um outro texto…

Ouvi outra frase esses dias: “Fique em silêncio ou faça com que suas palavras valham mais que o silêncio”. Finalizo na esperança que esta minha partilha tenha mais valia que o silêncio e uma página em branco, que contém em si todas as possibilidades.

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Carolina Lemos Coimbra  está investigando as relações entre Educação, Comunicação e Não-Violência, especialmente em si mesma. Encontra-se pelo e-mail [email protected], no blog atovivo.wordpress.com , nas ruas e nesses textos.

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11 comentários para "Educação, Comunicação e Não-Violência"

  1. Maíra Soares disse:

    Carol!
    ótimo texto, deu saudades de conversar com voce, que sempre leva esse tom questionador e construtivo de quem segue em busca de respostas, soluçoes para melhorar nossa vida. nao importa o quanto esclarecemos as questoes, bacana é que seguimos as buscas.
    o texto me fez repensar algumas ideias que tem rondado minha cabeça. a postura de nao se colocar me parece que tem a ver com esse “ser educado”. para mim me parece uma espécie de “política de gentileza”, onde eu nao digo para o outro o que me incomoda porque nao quero que ele se sinta rejeitado, desaprovado, mal avaliado, algo assim. é um jeito de se esquivar do desconforto de trazer a tona (teclado sem acentos, ops) situaçoes que consideramos tabu. e acredito que o tabu aumenta, ou se estabelece, pela falta de prática. porque nao é comum levantarmos a mao e questionarmos o caminho do outro – nas entrelinhas declararíamos que nao concordamos com seu caminho – faze-lo parece indelicado, errado, feio ou algo parecido. porque nao fazemos isso com frequencia, nao aprendemos ainda a faze-lo “cuidando de quem está falando”, como voce mesma coloca. e também tenho dúvida se sabemos ser interrompidos, pela falta de prática podemos distorcer e ficar incomodados. e no fim quem fala nao tem um feedback sincero, quem escuta nao esta satisfeito. é como eu leio a situaçao. sendo coletiva ou numa conversa/relaçao a dois.
    eu tenho reparado nessa dinamica e pessoalmente sinto que me falta praticar mais esse interromper para permitir que o outro tenha uma impressao mais precisa de como sua fala me afeta. da mesma forma que me falta a pratica do escutar a crítica do outro sem me sentir agredida, desaprovada etc.
    quanto ao espaço que voce inaugura com esse post, concordo com a Ju, o que fica óbvio é o quanto é bom poder disfrutar dos seus textos. portanto, torço para que a intençao perdure!
    um beijo
    Maíra

  2. Ana Mitchell disse:

    Olá, Carolina!
    Agradeço por compartilhares as palavras que brotam daí, é um ato de coragem generoso (a começar consigo!). Estudo temas semelhantes, a partir da geografia.
    Abraço, bons solos!

  3. Fernanda disse:

    Texto maravilhoso.
    Bom, é realmente incômoda a fala muitas vezes, a incitação para que você “adquira” conhecimento sentada numa cadeira numa sala de aula não é a melhor maneira para que consigamos dar o melhor de nós mesmos. Apreciar o silêncio e escutar a si mesmo é algo magnífico, nos faz refletir e então podemos usufruir do melhor que há em nós e com isso fazer o melhor para a nossa sociedade, utilizando assim aquele tempo que seria desperdiçado talvez ouvindo assuntos desinteressantes sendo ditos necessários impostos pela sociedade. Com o silêncio, vendo o que há dentro de nós, podemos expor na escrita como nesse comentário mesmo, o que realmente pensamos, deixamos a transparência prevalecer, algo que não é tão possível na nossa realidade social.

  4. Juliana Rocha Barroso disse:

    Carol, o que é óbvio para você? Pra mim, é que você escreva e sempre. Que compartilhe e construa pensares sobre as coisas que te tocam, te fazem refletir, dar o próximo dos muitos passos que virão. Você está fazendo realidade nosso óbvio. Seu texto inaugural trouxe para mim conexões com um livro que li “Quem falou isso?”, de Ray Dizazzo. Ele consegue de forma simples e envolvente fazer com que muitas pessoas tenham empatia pela personagem e aprendam técnicas simples para uma comunicação consciente. Olha só a breve descrição: uma parábola que ilustra como qualquer pessoa pode melhorar seus relacionamentos, resolver problemas cotidianos e alcançar sucesso pessoal e profissional através de comunicação verbal efetiva. DiZazzo conta a história de Gloria Donavan, uma executiva com problemas no trabalho e no relacionamento com o marido e o filho adolescente. Um dia, ao dormir, sonha com uma viagem a um mundo mágico, onde conhece o misterioso Joel, um homem que lhe ensina os fatores fundamentais de uma comunicação eficaz que, colocados em prática, mudam radicalmente sua vida. Para melhor.
    Saudades,
    bJus

  5. Sofia freire dowbor disse:

    gostei bastante carolina. pequenas atitudes podem aliviar, libertar e construir. às vezes passam desapercebidas as oportunidades que temos de respeitarmos a nós mesmos, sem desrespeitar ninguém..

  6. Carolina Lemos Coimbra disse:

    Oi Marina! Os experimentos que tenho feito têm muita inspiração na Comunicação Não-Violenta, de Marshall Rosenberg.
    Me escreva : [email protected]
    Vamos conversar e combinar algo! 🙂

  7. Carolina Lemos Coimbra disse:

    Grata Man! Muito feliz em saber disso!!! Ouse!! Se é isso que teu coração lhe convida a fazer. Não me parece que a Não-Violência nos convida a ficarmos quietinhos e a sermos bonzinhos…pra mim, ela acaba mexendo e incomodando bastante…vamos, então, ousar! Nos permitir ser!! E nos engajar no que quer que nossas ações estimulem!! Ao invés do :” diga a verdade e saia correndo”, o: “diga a verdade e se engaje!”
    carinho!!!

  8. Carolina Lemos Coimbra disse:

    Olá Bruno!
    Me parece que vc está querendo cuidar não apenas de quem está incomodado, mas de todas as pessoas envolvidas em uma coletividade. E como cuidamos disso?
    Lendo seu comentário diversas perguntas me vieram: como saber qual o momento mais oportuno e conveniente? Será que o que é oportuno e cionveniente para mim é também oportuno e conveniente para outro? Como descubro se o que está sendo “demais” para mim é também “demais” para o outro? Talvez seja um alívio, um conforto e possa estar contribuindo…como saber?
    O talvez do seu texto me chama a atenção. Por que me parece, dos meus experimentos da vida, que não sei…que tenho dúvidas de como está sendo para os outros pq não acesso o universo interno dos outros com a facilidade que gostaria…
    O que tenho feito é checar. Se eu tenho dúvida se a minha ação contribui, eu checo. Tipo: “gente…com licença, a minha atenção não está mais aqui com vcs. Gostaria que levantasse a mão quem continua interessado no que está sendo dito.” talvez aí poderia saber…uma possibilidade de checar se sou apenas eu ou mais pessoas.
    No caso de ser apenas eu, já aconteceu de eu ir me cuidar de outra forma…sair para respirar um ar ou fazer algo que nutrisse mais a minha vida naquele momento. E as pessoas que estavam interessadas continuaram a se nutrir com o que estava sendo exposto. Caso mais pessoas não estivessem conectadas com o que ou a forma como estava sendo exposta, já aconteceu comigo de conversarmos sobre outras possibilidades de exposição ou de uma divisão do grupo para atender a todos (uns continuram a ouvir a exposição, outros foram fazer outra atividade com mais movimento, por exemplo – se era isso que não estava sendo atendido com a exposição). Como diz uma amiga, talvez existam 57 milhões de possibilidades de cuidarmos de todos.
    Gostaria de continuar a conversa sabendo como é isso pra vc?

  9. Marina Barros disse:

    Oi Carolina,
    Este tema também me absorve, para além das relações intra e interpessoais, quero investigar a comunicação (Essa sim ainda muito violenta) entre grupos organizados com visões opostas, organizações sociais e seus doadores, enfim, tudo que envolve a comunicação de uma causa.
    Achei seu texto super interessante, me lembrou muito de um curso de CNV que fiz aqui no Rio, mas fiz somente a introdução. Pra além disso tenho lido Habermas e Espinoza pra, apartir da filosofia, buscar alinhar uma pesquisa.
    Acho que temos muito a trocar, gostaria de te conhecer.
    Vamos nos falando.

  10. Amanda Proetti disse:

    Carol, vc me impacta, me emociona, vc mexe comigo de uma maneira tão particular! E eu, como uma das leitoras e leitores q escolherão vir aqui sob a condição de não a interromper, ouso pedir licença para registrar o qto essa sua capacidade de doação me ajuda a me transformar!

  11. Bruno Ferreira disse:

    Interromper nem sempre é pertinente, pois no caso citado, pode desagradar uma coletividade toda interessada no que está sendo dito pela educadora, diferentemente de uma conversa entre duas pessoas, em que a interrupção se faz necessária para se caracterize uma conversa, e não um monólogo. Talvez a pessoa em questão fosse a única desinteressada e por isso, por que interromper algo que está fluindo bem para a grande maioria? Neste caso, não seria um ato de egoísmo e inconveniência? Acredito no diálogo, mas não na interrupção do discurso quando destinado a uma coletividade. Quem realmente tem o interesse em contribuir pode aguardar o momento mais oportuno para dialogar e expressar suas insatisfações e sugestões.

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