Dos verdes europeu aos brasileiros

Um manifesto, assinado também por José Bové, sugere: “parabéns por Marina; agora, não permitam a vitória da direita”

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« É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula termine com a eleição do candidato da direita »

A candidatura de Marina Silva trouxe para o eleitorado de Dilma, apoiada por Lula, a grande surpresa do primeiro turno.

É preciso saudar a novidade que representa a candidatura de Marina Silva. Ela já lutava, desde que foi ministra por sete anos do governo Lula, para para que as questões ecológicas entrassem verdadeiramente na pauta de preocupações do governo brasileiro de esquerda. Com sua presença na disputa, a diversidade de lutas sociais, de todas as minorias (sexuais, religiosas) encontrou uma voz.

O placar de 19% do total de votos para uma candidata independente, sem apoio de partidos poderosos, representa a segunda grande surpresa. Ele prova que o Brasil se transforma muito mais profundamente do que apenas no plano do crescimento econômico. Para a democracia e a cultura, este já é um passo considerável.

Na América Latina, da Colômbia ao Chile, e agora também no Brasil, as questões ecológicas entram definitivamente na pauta das eleições presidenciais — o que já não ocorre  na Europa. O Brasil é a sétima potência mundial. Nenhum europeu em sã consciência pode se desinteressar pelo que está em jogo para os destinos ecológicos e sociais do planeta.

Esta é a razão pela qual desejamos, através deste manifesto, expressar nossa inquietação. A batalha do segundo turno anuncia-se bastante cerrada. Algo impensável até ontem, uma vitória da direita, não está mais excluído. Na configuração de hoje, o Partido Verde está longe de ter a dimensão popular de Marina Silva. Algumas personalidades como, Gilberto Gil, ele mesmo afiliado a este partido, conclamam a que se vote em Dilma sem ambiguidade. E nós compartilhamos desta posição.

Prestemos bastante atenção ao seguinte: José Serra não é um social-democrata de centro. Por trás dele, a direita brasileira vem mobilizando tudo o que há de pior em nossas sociedades: preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos os mais escusos e míopes. A direita sai do porão.

  • Contra as mulheres, as facções mais reacionárias das igrejas cristãs – incluindo aquela da mulher do candidato da direita, que declarou publicamente que Dilma quer assassinar criancinhas – acusam a candidata de ser favorável ao aborto, mesmo que esta questão não faça parte de seu programa de governo, tampouco do programa do Partido dos Trabalhadores.

  • Contra os homossexuais: o vice de Serra sustenta um discurso abertamente sexista e homofóbico.

  • Contra os pobres: acusados de votar na esquerda por ignorância.

A esta panóplia, bem conhecida em toda parte, vem se juntar uma criminilização particularmente ignóbil por parte da direita das lutas de resistência contra a ditadura. Dilma tem sido alvo de campanhas anônimas na internet que acusam de terrorismo e de bandidagem por ter participado na luta contra o regime militar – ela que foi, por este motivo, presa e barbaramente torturada.

A mobilização da direita está completamente ligada aos interesses do agronegócio, um tema sobre o qual o governo Lula tem sido ambíguo em alguns momentos. No entanto, uma vitória da direita representaria o triunfo do complexo agro-industrial e dos céticos em matéria de aquecimento global. Seria uma guinada à direita em direção à revisão do Estatuto da Floresta, que começou a limitar a devastação na Amazônia e no Mato Grosso, e na garantia dos direitos indígenas sobre suas reservas, que no ano passado resultou numa importante vitória (Raposa Serra do Sol) referendada pela Corte Suprema do país. Vinte e duas reservas indígenas podem seguir este caminho de enfrentamento com o agronegócio da soja e do arroz transgênico.

Não permitamos que o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente se transforme em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza!

No plano internacional, os aspectos mais inovadores da política Sul-Sul de Lula seriam condenados ao ostracismo com um realinhamento com os Estados Unidos. Além de representar uma alternativa à fixação estéril em uma política de confronto entre Estados Unidos e China, esta política Sul-Sul opõe-se às estratégias dos países do Norte, de multiplicar as medidas de defesa dos direitos da propriedade intelectual em detrimento do acesso aos saberes, à internet (especialmente no âmbito da ACTA1).

Marina Silva recusou-se a manifestar apoio ao voto em Dilma. Pode-se compreender que seja um pouco difícil para ela alinhar-se imediatamente com Dilma, com quem entrou em conflito enquanto estava no governo. Neste momento, ela luta para evitar o alinhamento do Partido Verde com a direita, apesar da campanha virulenta contra ela por parte do PT.

Em vários países do mundo os ambientalistas estão travando um sério debate com os socialistas sobre a questão nuclear, sobre a OMC e o produtivismo agrícola e industrial, bem como o problema do aquecimento climático. No Brasil, agrega-se a todas essas questões uma dimensão – amplificada por sua urgência crucial – da luta contra as desigualdades. Pode-se compreender, portanto, a reserva de alguns ambientalistas em se alinharem com a candidata da esquerda.

Mas nossa experiência como força política e de oposição e governo na Europa nos permite afirmar a nossos companheiros brasileiros que, nas atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica: já vimos no que se tornou a « Grenelle » – Ministério do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Energia e Transportes – na França com a direita.

Quanto às mulheres, às minorias étnicas, religiosas, sexuais, elas sabem os combates que precisam travar. A xenofobia, o racismo, a mobilização reacionária da religião são os perigosos instrumentos que a direita populista utiliza alegremente na Europa.

É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita.

Dany Cohn Bendit (Alemanha) Co-presidente do grupo parlamentar dos deputados Verdes no Parlamento Europeu

Monica Frassoni (Itália) Co-presidente do Partido Europeu

Philippe Lamberts (Bélgica) co-président du Parti des Verts Européens

Dominique Voynet (França) Senadora, Prefeita da Cidade de Montreuil , ex-

Ministra do Meio Ambiente (gov. Jospin)

Yves Cochet – ( França) Deputado Nacional, ex-Ministro do Meio Ambiente (governo Jospin)

Noël Mamère (França) – Deputado Nacional e Prefeito de Bègles (Bordeaux)

José Bové (França) – Deputado europeu

Alain Lipietz (França) – dirigente dos Verdes, ex-deputado europeu

Jérôme Gleizes (França) – Dirigente da comissão internacional dos Verdes

Yann Moulier Boutang (França) Co-diretor da Revista Multitudes (Paris)

Paris 18 de outubro de 2010

(1) Sigla para Anti-Counterfeiting Trade Agreement – acordo multilateral que visa estabelecer parâmetros internacioais para os direitos de propriedade intelectual.

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Um comentario para "Dos verdes europeu aos brasileiros"

  1. Heloisa Bellini disse:

    É… mas é sempre bom lembrar ao Antonio Martins que a postura da Marina Silva, “quase” conseguiu por em risco a eleição de Dilma que deveria ter vencido já no primeiro turno. Portanto, não acredito em lucidez que põe em risco o futuro político do país e a continuidade no poder das conquistas das esquerdas no Brasil

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