Desventuras de um passageiro na terra de Niemeyer

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Crônica sobre o transporte coletivo numa cidade que parece incapaz de abandonar sua rendição incondicional ao automóvel

Por Daniel Cariello*, em Chéri à Paris

Cheguei ao ponto e meu ônibus tinha acabado de passar, confirmando a primeira regra dos usuários de transporte público: o momento da sua chegada à parada é exatamente o mesmo da partida do ônibus que você quer pegar. A segunda regra diz que o seu tempo de espera a partir de então será proporcional à sua pressa.

Depois de eras passou outro, dei sinal, não era o meu, dei outro sinal pra dizer que não era o meu, o motorista já havia começado a frear e acelerou novamente, fiz um “ok” pra agradecer a boa vontade, o motorista achou que eu havia mudado de ideia e reduziu outra vez a velocidade, sacudi as duas mãos pra deixar claro que não o havia chamado, o motorista parou ao meu lado e perguntou se eu já havia me resolvido.

– E aí, já se resolveu?

Eu já havia me resolvido e de qualquer maneira não ia subir naquele ônibus nem que fosse o meu e o último do dia, tamanha a cara feia dele, do seu parceiro cobrador e do passageiro bombado sentado na primeira fila.

Passou mais um ônibus, que também não era meu e por isso não dei sinal, mas era de muitas outras pessoas que esperavam no mesmo ponto, deram sinal ao mesmo tempo e depois se acotovelaram para subir, parecendo um formigueiro humano. Quando percebi, o meu vinha logo atrás mas só acenei depois que ele já havia passado à toda. O motorista não me viu, ao contrário da velhinha do último banco, que me mandou um tchau, não sei se por compaixão ou para corresponder à minha involuntária boa educação.

Pra matar o tempo, resolvi contar os carros verdes da rua, mas parei no 35º porque a brincadeira não tinha a menor graça. Tirei o celular do bolso, olhei para o relógio, vi que estava atrasado, recoloquei o celular no bolso, tirei-o novamente, olhei mais uma vez para o relógio, certifiquei-me que estava atrasado, guardei-o e quando o peguei outra vez percebi que o meu ônibus havia parado e todo mundo subido, menos eu, que fiquei olhando para o telefone. Tirei-o mais uma vez do bolso e tive a absoluta certeza de que agora estava atrasado de verdade.

Longos tempos depois, avistei um ônibus de longe e comecei a acenar trezentos metros antes de ele chegar ao ponto para ter certeza de que dessa vez o pegaria, só que o motorista decidiu não frear, ignorando totalmente meu apelo e meus saltos com as duas mãos abertas que davam a impressão de que eu fazia polichinelos, modalidade de exercício que deixou de existir “depois da eleição de Tancredo Neves”, segundo um amigo. Mas o destino parecia estar ao meu lado e o coletivo parou no sinal, então bati à porta, com um sorriso de vitória, e o sujeito não teve escolha a não ser abrir pra mim. Acomodei-me em um banco desconfortável e aproveitei para jogar Tetris no celular. Depois de uns 15 minutos levantei a cabeça e só aí fui perceber que havia pego a rota errada.

(*) Daniel Cariello é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a crônica semanal Chéri à Paris,

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3 comentários para "Desventuras de um passageiro na terra de Niemeyer"

  1. mudanças disse:

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  2. Ricardo Martins disse:

    Que pateta!

  3. Marcelo disse:

    Compre uma bicicleta. Sério.

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