Cuba revê sua relação com a internet

Chegada de cabos óticos permitirá oferecer, em teoria, banda larga para todos. Mas qual será política para uso da rede?

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Por Leonardo Padura Fuentes, da Agência IPS | Tradução: Antonio Martins

O cabo de fibra ótica que permitirá a conexão plena de Cuba ao sistema mundial de telecomunicações começou seu caminho pelo leito do Mar do Caribe [na foto, o navio que faz a instalação]. Desde as costas da Venezuela até uma praia a sudeste da ilha, ele se estenderá por 1600 quilômetros, num projeto avaliado em 63 milhões de dólares.

Os benefícios práticos da iniciativa estão garantidos: uma vez conectada através do cabo, Cuba deixará de depender da comunicação via satélite, mais cara e lenta, e terá uma velocidade de transmissão de 320 gigabytes em cada um dos dois pares de fibra ótica. Isso aumentará em 3 mil vezes sua capacidade de transmissão de dados, voz e imagens. Além disso, o país poderá receber sinais de telefone e TV.

O projeto, sustentado pelos governos de Cuba, Venezuela e Jamaica, é parte do chamado Sistema Internacional de Telecomunicações ALBA I. É um dos diversos programas de colaboração entre os países ligados ao bloco da Alternativa Bolivariana para as Américas. A conclusão da obre está prevista para os primeiros meses do segundo semestre. Então, vai se produzir a fagulha que colacará as comunicações do país no nível que existe hoje em quase todo o planeta. Ou “em linha com o mundo, segundo o slogan da Empresa Cubana de Telecumunicações.

A partir destes fatos e dados concretos, começam a surgir as mais diversas dúvidas sobre a administração desta capacidade de conexão pelas autoridades da ilha. Elas devem-se à relação problemática que prevaleceu até agora entre a sociedade cubana, a computação e a conexão com o ciberespaço.

O primeiro paradoxo tem origem na quantidade de computadores de uso privado existentes em Cuba, possivelmente uma das mais baixas do mundo, em especial quando se leva em conta o alto nível educacional e informático com que conta o país. Até há cerca de três anos, a aquisição de computadores e outros componentes estava proibida aos cidadãos cubanos, embora se permitisse sua importação, também limitada por muito tempo (assim como no caso dos telefones celulares. Esta barreira foi vencida sucessivamente por alternativas como adquirir os equipamentos através de um estrangeiro residente na ilha, ou de uma instituição cubana com licença para ter acesso a eles, ou de alguma empresa de capital misto. O segundo inconveniente e o fato de um computador estar cotado a cerca de 500 pesos conversíveis (CUCs), ou algo como 600 dólares. É um preço inalcançável para a maioria dos cidadãos, que dependem de um salário estatal, em média 25 CUCs mensais

Mais complexa ainda tem sido a relação entre os cubanos e as comunicações digitais. Até o momento em que se produzir a conexão do cabo de fibra ótica, o país continuará dependendo apenas da ligação via satélite, porque a chegada da fibra ótica também havia sido embargada por Washington (a apenas 30 quilômetros das costas cubanas, passa o cabo que une Miami a Cancun). Esta realidade prática e tecnológica impediu, até hoje, a possibilidade de um maior acesso dos cubanos aos benefícios da internet e da comunicação por corrio eletrônico – as quais o governo deu “uso social”, em instituições e centros de trabalho

É por esta razão que os cubanos só podem ter acesso à internet atraveś de uma conta, e um servidor mantido por uma instituição do Estado, governo, ou uma instituição reconhecida. Algumas contas de correio eletrônico O grau de acesso à rede varia do correio eletrônico sem conexão com o exterior ao que já a possui; de uma simples intranet à grande rede internacional – neste caso, restrito a pessoas (entre as quais me encontro) a que se fez a concessão, por razões de trabalho.

A nova conjuntura que se abrirá quando se complete a conexão por fibra ótica mudará radicalmente (pelo menos multiplicará 3 mil vezes) as condições atuais de acesso. Potencialmente, pode permitir que todos os interessados tenham acesso à rede (ao menos, os que têm condições materiais para fazê-lo). Em outras palavras, muito em breve a relação dos cubanos com a comunicação digital dependerá apenas da vontade política do governo; de sua visão sobre um acesso mais aberto de Cuba à informação e às comunicações.

Para uma sociedade moderna e contemporânea, o pleno ingresso nos canais informativos da rede é, mais que uma facilidade, uma necessidade da qual depende seu desenvolvimento. O mundo superou a era industrial e entrou numa nova etapa histórica – a era digital –, em que muitos códigos econômicos, sociais e até políticos estão sendo revisados ou descartados. O uso das comunicações cibernéticas desempenha um papel decisivo neste processo de alcance global.

A política de reordenamento econômico (menos centralização, maior aberta aos investimentos externos, participação considerável de capitais privados) terá reflexos inevitáveis na sociedade. A entrada plena dos cidadãos cubanos na rede das comunicações digitais pode colocar num novo plano o presente e o futuro, da economia e da sociedade. Junto com os cabos de fibra ótica, virão novas realidades e perguntas a responder.

Leonardo Padura Fuentes é escritor e jornalista cubano. Seus romances foram traduzidos em mais de quinze idiomas. Sua obra mais recente, El hombre que amaba a los perros [“O homem que amava os cães”] tem como personagens centrais Leon Trotski e seu assassino, Ramón Mercader.

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