Conselhos de Habitação: teoria e prática

Integrante de coletivo em São Paulo debate, em entrevista, avanços e descaminhos de órgão que poderia reforçar a democracia participativa

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Integrante de coletivo em São Paulo debate, em entrevista, avanços e descaminhos de órgão que poderia reforçar a democracia participativa

Entrevista a Renata Bessi

As eleições para a nova gestão do Conselho Municipal de Habitação de São Paulo, previstas inicialmente para início de dezembro, foram canceladas por decisão judicial. De acordo com a Justiça, houve ilegalidade nos critérios estabelecidos pela Comissão Eleitoral, formada por representantes da gestão 2010-2011.   

Luiz Kohara, conselheiro municipal de habitação e participantes do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, explica os motivos. A atual comissão, composta majoritariamente por pessoas ligadas ao governo do prefeito Gilberto Kassab, tentou promover votação por chapas, formadas por 16 membros cada — o mesmo número de representantes das organizações populares que devem compor o Conselho. “Ou seja, a chapa com mais votos comporia a totalidade do Conselho. A norma desrespeita totalmente a regra da proporcionalidade que vigora nas eleições brasileiras em geral”, explica Kohara, que participa do Conselho há quatro anos. Agora, a decisão judicial determinou que a votação deve ser feita individualmente. 

A liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Municipal também fez uma representação ao Ministério Público (MP) denunciando os critérios para a eleição. O MP acolheu a representação e entrou com uma Ação Civil Pública pedindo a anulação do edital que estabelecia as condições para votar nos representantes dos movimentos populares. Entre outros pontos polêmicos está a regra que institui o pré-cadastramento para a votação.

Somente poderiam votar as pessoas que se cadastraram no site da Prefeitura no período entre 21 de setembro e 23 de outubro de 2011. A Prefeitura recorreu e a decisão final ainda não foi proferida. A comissão eleitoral voltará a se reunir em janeiro para discutir como desencadeará o processo das próximas eleições.

Confira a seguir entrevista com Kohara. Conselheiro nas gestões 2008-2009 e 2010-2011, ele faz uma avaliação sobre o funcionamento do Conselho, um mecanismo de democracia participativa com avanços e vícios.

Qual o contexto político e social da luta pelo Conselho e sua implantação?

Nas décadas de 1970 e 1980, ocorreram no Brasil muitas mobilizações da parcela mais crítica da sociedade contra a ditadura militar instalada em 1964 e pela democratização do Estado, sempre estruturado para atender os interesses das classes dominantes. A mobilização era também pela melhoria das condições de vida da maioria dos brasileiros que se acumulava nas cidades sem infraestrutura urbana e serviços sociais.

A expressiva pressão popular, em paralelo aos trabalhos do Congresso Constituinte eleito em 1986 contribuiu para que a lei maior do Brasil incluísse, entre seus princípios fundamentais a construção de uma sociedade justa e solidária, a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e a democracia participativa.

Também criaram-se os Conselhos Municipais de Habitação. Reconheceu-se a precariedade dos instrumentos de democracia representativa até então e sua importância para transparência do funcionamento do Estado. Avaliou-se que a participação dos segmentos populares na elaboração, implementação e controle social das políticas sociais públicas as tornariam mais eficazes.

Aprovada a Constituição, as lutas pela reforma urbana e pelo direito de morar dignamente continuaram. Os focos eram a regulamentação dos artigos da Carta que tratam das políticas urbanas, a implementação dos Conselhos nos três níveis de Governo e formação de fundo com aportes de recursos para as políticas públicas.

Em São Paulo, os movimentos de moradia assumiram em suas pautas de luta a criação do Fundo Municipal de Habitação e do Conselho Municipal de Habitação, que foram instituídos respectivamente em 1994 e 2002.

O Conselho Municipal de Habitação de São Paulo, resultado da luta social por moradia, tem caráter deliberativo, fiscalizador e consultivo. Os objetivos básicos são estabelecer, acompanhar, controlar e avaliar a política municipal de habitação.

Como foi o processo de instalação do Conselho?

Em 2001, no início da gestão da prefeita Marta Suplicy, foram realizadas dezesseis pré-conferências regionais que culminaram na 1ª Conferência Municipal de Habitação. Participaram representantes das instituições públicas que atuam na questão da habitação, movimentos de moradia e outros setores da sociedade. Formou-se um conselho de representantes que contribuiu com política municipal de habitação e com a formulação da proposta do Conselho Municipal de Habitação (CMH).

Qual a representatividade do CMH?

O CMH, instituído pela Lei Municipal nº 13.425/02, é composto por 48 membros titulares: 16 representantes de instituições públicas, 16 de entidades comunitárias e populares ligados a área habitacional e 16 de instituições da sociedade civil que atuam na área de habitação (empresários, conselhos de profissionais, universidades, assessorias técnicas e ONGs). É uma composição bem representativa.

Há uma comissão executiva, formada por nove membros, três da Secretaria de Habitação (Sehab) e Companhia Municipal de Habitação (Cohab); três organizações populares e três ligadas a sindicato dos empresários, entidade profissional e universidade.

O CMH tem mandato de dois anos. O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos ocupa, desde 2002, a vaga de ONGs.

Quanto do do orçamento alocado para habitação fica sob responsabilidade do Conselho?

Na previsão orçamentária para 2011, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) tem cerca de 3% do orçamento municipal. O Conselho decide a destinação dos recursos do Fundo Municipal de Habitação, que representa cerca de 5,5% do orçamento geral da Sehab.

Em 2011, São Paulo investirá cerca de R$ 35,6 bilhões. Destes, R$ 1,07 bilhões vão para a secretaria de Habitação, R$ 55 milhões para Fundo Municipal de Habitação e R$ 88 milhões, para a Cohab. Grande parte dos recursos previstos pela Secretaria de Habitação é proveniente da parceria com o governo federal, em programas como o PAC, Urbanização de Favelas e Minha Casa Minha Vida.

Na prática estes valores são realmente decididos neste fórum?

Nos períodos em que fui conselheiro – 2008/2009 e 2010/2011 – nunca houve retorno para as solicitações de informação, feitas por vários membros do órgão,sobre entradas e saídas dos recursos do Fundo Municipal de Habitação. Além disso, nunca foram apresentados os planos gerais pra o setor. Os conselheiros aprovavam as despesas mas não faziam o acompanhamento regular das execuções das obras, dos contratos com empresas para prestação de serviços, dos saldos, das pendências e outras questões importantes para que a gestão pública tenha controle social.

O orçamento é mera referência: não garante efetivação dos investimentos. Há má gestão e desvio de prioridades. Dos R$ 1,5 bilhão dos orçamentos de 2009, 2010 e 2011, para combate as enchentes e prevenção as tragédias em áreas de risco, apenas a metade foi utilizada. Portanto, não basta aprovar e autorizar despesas, é fundamental o controle social e orçamentário dos recursos públicos.

Que balanço que você faz sobre as atividades do Conselho, especialmente naa última gestão?

Alternamos momentos positivos e negativos. Em uns o CMH foi espaço de construção de política e debate efetivo sobre uso dos recursos públicos. Em outros, devido à insuficiência de informações, falta de diálogo e encaminhamentos contrários às necessidades da população alvo, tivemos que recorrer a representações no Ministério Público. Tivemos momentos conflitantes, como o caso do edifício São Vito. Em uma reunião a maioria aceitou a decisão de convertê-lo em habitação popular; em outra, houve concordância quase unânime dos conselheiros para transferi-lo à Secretaria de Infraestrutura Urbana, para demolição.

Houve avanços importantes. Para o Centro Gaspar Garcia, eles se expressam na Resolução do Programa de Locação Social, Resolução da Bolsa Aluguel, Resolução do Programa de Cortiços, e Resolução para viabilização de reformas de prédios no centro da cidade.

A última gestão do Conselho, 2010/2011, foi difícil. Apenas alguns conselheiros tinham interesse em debater de forma séria as proposições, contar com informações da política habitacional e orçamentária e questionar o poder público. Além disso, a maior parte dos membros estava identificada com os interesses do governo municipal, o que acarretou pouca exigência em relação à Prefeitura – que sempre aprovou o que quis. Perderam a São Paulo e a democracia.

O mais triste era ver lideranças eleitas pelo segmento popular com postura submissa ao governo municipal e sem interesse de desenvolver iniciativas para que a política municipal de habitação avançasse.

O Conselho tem servido para fortalecer os movimentos populares e entidades que lutam pelo Direito à Cidade?

Como lugar de disputa de opiniões e interesses, o Conselho pode tanto fortalecer quanto enfraquecer as batalhas pelo Direito à Cidade. Depende muito da postura de seus membros. Há movimentos e entidades que assumem sua vaga com compromisso de luta, mantêm vinculo com a base que representam, pensam na cidade como um todo e atuam com profissionalismo. Mas há representações, que se identificam com o clientelismo. Comparecem apenas para ocupar espaço ou, pior, para aprovar a pauta do governo.

Para o Centro Gaspar Garcia tem sido um espaço importante, tanto para aprendizado, para pautar os problemas habitacionais, quanto para contribuir com o fortalecimento dos movimentos que atuam no centro da cidade.

O CMH não pode substituir outros espaços de luta dos movimentos de moradia como manifestações, ocupações, denúncias, representações no Ministério Público e Defensoria Pública, além de outros espaços de diálogos.

Qual a relação da prefeitura com o Conselho?

O governo Kassab quer um Conselho que vote favorável aos seus interesses, não questione suas proposições e, pior, assegure o discurso de que seus encaminhamentos são respaldados pela sociedade.

Como um terço dos membros do Conselho é formado por organizações populares, podemos entender certas decisões da comissão eleitoral – formada em maioria por gente identificada com o governo municipal. Ela trama exigir o pré-cadastramento para votar nas eleições e inventou regra segundo a qual a totalidade das vagas do Conselho deve ser preenchida apenas pela chapa que tiver maior votação: ou seja, sem fazer composição proporcional, conforme os números de votos.

A sociedade de modo geral se apropriou deste instrumento de participação ou ainda é subutilizado?

O Brasil tem pouca tradição de participação efetiva e um histórico secular de clientelismo, que transforma direitos em favores.

A grande mídia desqualifica o sentido da participação da sociedade nos conselhos e banaliza a importância da incidência social nas políticas públicas. Prevalecem a visão patrimonialista da gestão pública e a falta de interesse real de desprivatizar o Estado.

A sociedade em geral, exceto alguns segmentos, ainda não se apropriou dos Conselhos como espaço da democracia direta e de incidência em políticas públicas.

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2 comentários para "Conselhos de Habitação: teoria e prática"

  1. Alcone disse:

    Gostei muito

  2. JULIO SPÍNOLA disse:

    ME LEMBRAM OS CONSELHOS DE FINANCIAMENTOS DE MICROEMPRESAS DE DÉCADAS PASSADAS.
    GASTAVAM 90% DO DINHEIRO DESTINADO AO FOMENTO DE MICROEMPRESAS “ESTUDANDO” COMO APLICARIAM O CAPITAL.
    Estes conselhos servem mais para empregar apaniguados de partidos políticos sem nenhuma experiência em construir qualquer coisa a não ser projetos de captação de recursos para ONG’s fajutas financiarem cursinhos que empregam professores desempregados sem currículo, indicados por eles mesmos. Aqui perto de mim vi uma destas.
    Governo não sabe como foram gastos R$ 26,5 bilhões( 54% do total) transferidos para ONGs:(MAIS DO QUE O GASTO COM O PRONAF)
    http://www.nominuto.com/blog/brasilia-urgente/governo-nao-sabe-como-foram-gastos-r-26-5-bilhoes-transferidos-para-ongs/27680/
    Há tecnologias simples para se construir casa popular a pouco mais de R$15.000, como vi eaqui perto..
    Há outras que vi no YOUTUBE que podem produzir UMA CASA POR DIA.
    ISTO, NO ENTANTO, NÃO É INTERESSANTE POIS, RESOLVERIA O PROBLEMA DA FALTA DE HABITAÇÃO e, como a ferida do fazendeiro na fábula, não era interessante curar. O que dá dinheiro é criar problemas e não, resolvê-los.
    O NEGÓCIO É CRIAR DIFICULDADES COM LINGUAGENS ESPIRAIS REPETIDAS POR PAPAGAIOS QUE NÃO AS ENTENDEM PARA VENDER FACILIDADES.
    O MST, por exemplo, recebeu 3,2 estados de São Paulo ou 80 milhões de hectares durante o governo Lula.
    Os produtores da safra recorde de de 156 milhões de ton. de grãos em 2010, produziram nossa áncora verde ou nosso progresso, o fizeram em uma área cerca de 50% da área que possui o MST. Utilizaram 43 MI de Hectares para isto ou somente 5% de nosso território, e são chamados de criminosos.MUITOS DELES PLANTARAM EM TERRAS ARRENDADAS À PRÓPRIA REFORMA AGRÁRIA. SÃO OS VERDADEIROS SEM-TERRA. O MST desmatou silenciosamente, grande parte das terras que recebeu e, em sua grande maioria, só produz assentados e pastos vazios. É só olhar ao seu lado. SE QUISESSEM, PODERIAM DOBRAR NOSSA SAFRA DE GRÃOS COM METADE DE SUAS TERRAS.
    Alegam que o objetivo deles é mudar a matriz do agronegócio da cultura destrutiva de meio ambiente para cultura sustentável.
    No entanto, já há tecnologia orgânica que rivaliza em produtividade com o agronegócio tradicional. Vejam:
    Os produtores já conseguiram reduzir em 15% o custo de produção, atingindo uma produtividade de 35 a 40 sacas por hectare, enquanto a média de produtividade da soja convencional é de 40 sacas.
    A expectativa dos produtores é grande com relação à produtividade, que acreditam irá aumentar ao mesmo tempo em que o custo de produção deve ir reduzindo ainda mais, com práticas agrícolas que irão fazer um melhor controle das plantas daninhas.http://organicosdobrasil.blogspot.com/2008/11/soja-orgnica-ter-preo-maior.html
    Pena que só plantaram 30 hectares dos 50.000 hectares que receberam somente nesta fazenda. É só para fazer propaganda . Não é para levado a sério como quase tudo no Brasil. Se aumentarem sua produção e se tornarem auto suficientes, onde as lideranças do movimento conseguirão comissões de empréstimos subsidiados para sustentar suas viagens?
    Quando estive em Ponta Porã, em dezembro passado, não havia nenhuma vaga nos hotéis da cidade ocupados por hóspedes de seminários do movimento.
    Com sua linguagem hiperbólica e subjetivizada é isto que as lideranças do movimento dos sem teto querem: MAIS DINHEIRO PARA GASTAR COM ELES MESMOS.

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