Cinema contra a homofobia?

O Ministério da Saúde francês decidiu financiar curtas-metragens para lutar contra a homofobia e o suicídio entre os jovens. Mas como criar imagens capazes de um tal feito?

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O Ministério da Saúde francês decidiu financiar curtas-metragens para lutar contra a homofobia e o suicídio entre os jovens. Mas como criar imagens capazes de um tal feito?

Por Bruno Carmelo, editor do blog Discurso-Imagem.

“Jovem e homossexual sob o olhar dos outros”. O título deste projeto não poderia ser mais claro. Este conjunto de cinco curtas-metragens nasceu da iniciativa do Ministério da Saúde francês em 2008, que propôs aos jovens enviar roteiros com o tema acima. Os mais de 3000 projetos foram lidos, e cinco foram selecionados por psicólogos, membros de associações gays e personalidades do cinema, além do cineasta francês André Téchiné, abertamente homossexual, coordenador do projeto. O resultado foi exibido na televisão a cabo e em alguns cinemas de arte, restringindo os filmes a um público com poder aquisitivo e formação cultural mais elevados.

Não caberia aqui denunciar o didatismo de um projeto que não pretende ser mais do que isso: um objeto pedagógico de “luta contra a homofobia”, segundo o site oficial. O mais interessante é ver as consequências da pedagogia no cinema, pensar na noção de um cinema útil e intervencionista – cinema este que, embora ferramenta de ensino, beneficia dos mesmos canais e dos mesmos meios de produção de qualquer outro filme financiado com fundos públicos. Os filmes são todos, diga-se de passagem, bastante profissionais e competentes tecnicamente.

Inicialmente, deve-se dizer que os jovens gays são sempre os protagonistas dos curtas-metragens, algo que não era necessariamente imposto, já que o tema implicava o embate entre a visão dos gays e a visão “dos outros”. Estes jovens, todos belos, são majoritariamente homens, majoritariamente de classe média-alta, brancos, com famílias estruturadas e tradicionais (mãe a pai no café presentes na mesa do café da manhã, irmãos etc.). Reservam-se exceções para o papel não ser taxado de elitista ou burguês: existe um negro, uma habitante de classe baixa, e uma garota. Todos expõem suas dificuldades e seus conflitos nas telas. A primeira constatação é de que, para se constituir como o oposto do ataque preconceituoso, o respeito pelo homossexual passa uma forma de exposição das fraquezas, por retratos intimistas, por uma espécie de cinema na primeira pessoa do singular.

Esta forma de “delicadeza”, termo aliás bastante utilizado nas traduções brasileiras de filmes com temática gay, implica a visão da homossexualidade essencialmente como amor gay. Todos os jovens das cinco histórias, portanto adolescentes entre 13 e 18 anos em média, descobrem a preferência pelo mesmo sexo através de uma primeira história de amor, e não de um desejo sexual até então desconhecido. Não há masturbações, corpos descobertos, não há pulsão. Talvez para combater a visão majoritária de que homossexuais são hipersexuados, escolhe-se a abordagem que seria menos realista no caso das histórias de amor heterossexuais, mas que parece se tornar subversiva neste caso aqui: as paixões à primeira vista, os primeiros flertes, o primeiro beijo.

A questão “olhar dos outros” é das mais brandas. Alguns insultos são proferidos, mas geralmente pronunciados entre amigos e sem consequências graves. Nada de agressão, violência, nem grande angústia do jovem gay. Os protagonistas são muito mais frustrados pelo amor não concretizado do que pela dificuldade de inserção social. No único episódio em que os pais recorrem à violência física, a cena é rápida e logo em seguida o filho agredido sai de casa, passeia alegremente na rua, sorri para o céu azul e afirma ter orgulho de quem é. Nenhuma relação se estabelece entre as duas cenas: a vergonha alheia e o orgulho próprio parecem conviver sem intervir um no outro.

Por fim, não é surpreendente que todos os curtas sejam incrivelmente otimistas, o que implica uma forma de deus ex machina das mais ingênuas: os colegas de escola homofóbicos aceitam a orientação do colega (vide imagem acima) porque o professor insiste que a homossexualidade é normal, a garota lésbica encontra uma namorada, mesmo o garoto em dificuldades encontra o super-herói (literalmente) que lhe salva, no único curta fantástico dos cinco. A noção de “lutar contra a homofobia” foi percebida como “oferecer à sociedade imagens positivas”, sem confrontá-la com seus próprios preconceitos (o que provavelmente faria o espectador mudar de canal) ou pensar nas reais implicações sociais e nas raízes da homofobia.

Face à dificuldade de se agir de maneira eficaz na moral de uma sociedade católica e conservadora, o filme pretende oferecer o mundo como ele poderia ser, sem questionar o mundo como ele é. Os “jovens e homossexuais sob o olhar dos outros” ficam tristes com o preconceito, mas depois se apaixonam, suas histórias de amor dão certo e tudo termina bem para os jovens, para as comunidades intolerantes das histórias, para os eventuais espectadores homofóbicos dos curtas e também para o Ministério da Saúde, que cumpre seu papel ao fazer um esforço pela “luta contra o preconceito”.

 

Jeune et homo sous le regard des autres (2010)

Curtas-metragens franceses dirigidos por Pascal-Alex Vincent (“En Colo”), Rodolphe Marconi (“Basket et Maths”), Xavier Gens et Marius Vale (“Fusion Man”), Celine Sciamma (“Pauline”) e Sébastien Gabriel (“Omar”).

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4 comentários para "Cinema contra a homofobia?"

  1. Kelves Rodrigues disse:

    lindo

  2. Daniel disse:

    OK, entendi melhor o seu ponto de vista. Talvez fosse adequado mesclar as abordagens…
    Tendo como exemplo pais de gays que conheço, mostrar em filmes o submundo gay, o bullying, o sofrimento diário que algumas dessas pessoas passam, apenas reforçaria a ideia de que ser homossexual é algo ruim, que a família tem uma aberração da qual se envergonhará diante da sociedade, não sei se a teoria do coitadinho, da vítima apenas, seja a melhor. Particularmente, quando assisto cenas gays na tv com a minha mãe (e as novelas atuais têm tido muitas), prefiro mil vezes que sejam positivas, isso tem um poder tremendo de influenciar as massas….entendo que dessa forma teria-se mais eficácia.. em muitos temas a racionalidade é ineficaz, como se percebe com o exemplo mais clássico.. o das guerras..
    Enfim, talvez fosse possível se chegar a uma abordagem que concilie o que vc mencionou como processo cognitivo e ensinamento moral direto.

  3. brunocarmelo disse:

    Oi, Daniel,
    compreendo seu ponto de vista, que também foi partilhado por muitos políticos franceses diante desta iniciativa. Concordo que seja necessário apresentar uma outra imagem dos homossexuais, que seja preciso insistir sobre a ideia de homoafetividade tanto quanto de homo-sexualidade. Este texto não questiona o conteúdo ou a finalidade, mas o método, a forma.
    O cinema seria realmente capaz de “educar” as pessoas? Aos ver imagens tolerantes, as pessoas tornam-se elas mesmas tolerantes? Acredito que a intenção seja boa, mas que ela ignore o fato que os processos cognitivos são muito mais completos do que o simples ensinamento moral direto, simulando um mundo sem dificuldades, sem sugerir as maneiras de se conquistar este novo contexto. É impossível medir a qual ponto estes filmes realmente agiram nos espectadores (como é impossível medir os efeitos exatos de qualquer campanha de sensibilização), mas acredito que a simples confrontação com um mundo ideal atinja o espectador de maneira afetiva, não racional, como seria necessário para que alguém deseje lutar por mudanças – ao invés de simplesmente aprovar um outro mundo interessante, mas inexistente.

  4. Daniel disse:

    Discordo do texto e apóio a abordagem dos curtas franceses.
    A sociedade precisa ver em filmes como deveria agir diante da questão. Precisa de uma abordagem educativa que mostre um contexto perto do ideal, onde queremos chegar.
    De nada dianta ficar mostrando o que todos estão cansados de ver/saber, o que acontece diariamente. O povo precisa ser ensinado, necessita assimilar a conduta correta diante do tema, que é SIM se chegar a um contexto que tenha o amor ao centro e que se distancie da ideia de promiscuidade, que os preconceituosos apreciam atribuir ao homossexuais. Basta visitar os moteis pelo Brasil a fora, e se verá com muita facilidade que heteros serão a maioria, transando com a vizinha, com a amiga, com a empregada. Ou seja, o conceito de hipersexuado não passa de uma invenção hipócrita, pois esse comportamento pode (ou não) ser vericado em pessoas com as ambas orientações sexuais. Abaixo a intolerância!

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