Chomsky: Segurança, conceito controverso

Como os EUA arriscam proteção de seus cidadãos, e se isolam internacionalmente, para proteger grandes corporações e poder do Estado

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Por Noam Chomsky, no Alternet | Tradução: Antonio Martins

Primeiro de dois artigos construídos a partir de palestra de Chomsky (em 28/2) para a Nuclear Age Peace Foundation.

Um princípio orientador da teoria das relações internacionais diz que a maior prioridade do Estado é garantir a segurança. Como estrategista da Guerra Fria, George F. Kennan formulou que os governos são criados “para garantir a ordem e a justiça internas e para assegurar a defesa comum.” A proposição parece plausível, quase evidente, até que um olhar mais atento pergunte: Segurança para quem? Para a população em geral? Para o próprio poder do Estado? Para os setores dominantes na sociedade?

Dependendo do que queremos dizer, a credibilidade do princípio varia de desprezível a muito alta. A segurança do poder do Estado é extremamente alta, como revelam os esforços que os Estados desenvolvem para não serem transparentes a suas próprias populações.

Em uma entrevista na TV alemã, Edward Snowden contou que chegou a seu “ponto de ruptura” ao “ver o diretor de Inteligência Nacional, James Clapper, negar, sob juramento do Congresso”, a existência de um programa de espionagem interna conduzida pela Agência de Segurança Nacional. Snowden afirmou que “o público tinha o direito de saber desses programas. O público tinha o direito de saber o que o governo está fazendo em seu nome e contra ele”. O mesmo poderia ser dito por Daniel Ellsberg, Chelsea Manning e outras figuras corajosas que atuaram segundo o mesmo princípio democrático.

A posição do governo é bem diferente: o público não tem o direito de saber, porque a segurança seria severamente prejudicada. Existem boas razões para ser cético diante de tal resposta. A primeira é quase totalmente previsível: quando um ato de governo é revelado, o governo, por reflexo, declara motivos de segurança. Em consequência, o resultado é pouca informação.

Uma segunda razão para o ceticismo é a natureza das provas apresentadas. O estudioso de relações internacionais John Mearsheimer escreveu que “o governo Obama, previsivelmente, alegou a princípio que a espionagem da NSA teve um papel fundamental em frustrar 54 planos terroristas contra os Estados Unidos, o que implica que violou a quarta emenda à Constituição por um bom motivo”.

Isso era mentira, no entanto. O general Keith Alexander, diretor da NSA, admitiu ao Congresso que poderia reivindicar apenas um caso bem-sucedido [em que ação terrorista foi frustrada por espionagem]: o que envolveu a captura de um imigrante somali e três comparsas que vivem em San Diego e tentaram enviar 8,5 mil dólares a um grupo terrorista na Somália…

A visão básica por trás desta atitude foi bem expressa pelo cientista político Samuel P. Huntington, de Harvard: “Os arquitetos do poder nos Estados Unidos devem criar uma força que possa ser sentida, mas não se veja. O poder permanece forte quando no escuro; exposto à luz do sol, começa a evaporar”.

Nos Estados Unidos, como em outros lugares, os arquitetos do poder compreendem isso muito bem. Aqueles que trabalharam com a enorme massa de documentos confidenciais na história oficial das Relações Exteriores dos Estados Unidos, por exemplo, dificilmente podem deixar de notar que, muito frequentemente, a principal preocupação não é a segurança nacional, em qualquer sentido, mas a segurança do poder do Estado.

Muitas vezes, a tentativa de manter o sigilo é motivada pela necessidade de garantir a segurança de setores sociais poderosos. Um exemplo são os “acordos de livre comércio”, rotulados de forma errada porque não são sobre o comércio como um todo e sim sobre os direitos dos investidores.

Estes instrumentos são regularmente negociados em segredo, como a atual Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership – TPP) mas não totalmente em segredo, é claro. Eles não são segredo para as centenas de lobistas corporativos e advogados que estão escrevendo as disposições detalhadas, cujo impacto foi revelado para o público através do WikiLeaks.

Como o economista Joseph E. Stiglitz concluiu, o Escritório de Representantes do Comércio dos EUA “representa os interesses corporativos”, não os do público: “A probabilidade de que o que emergir das próximas negociações sirva aos interesses dos americanos comuns é baixa; e as perspectivas para os cidadãos comuns em outros países são ainda mais sombrias.”

A segurança das grandes empresas é uma preocupação permanente das políticas governamentais nos EUA – o que sequer surpreende, dado o papel destas empresas na formulação de tais políticas. Em contrapartida, há provas substanciais de que a “segurança nacional” doméstica, no sentido em que o termo deve ser entendido, não é uma alta prioridade para a política do Estado.

Por exemplo, o programa de assassinato mundial por meio de drones do presidente Obama, é, de longe, a maior campanha terrorista do mundo. Mas qual seu resultado? O general Stanley McChrystal, comandante das forças dos EUA e da OTAN no Afeganistão, falou em “matemática insurgente”: para cada pessoa inocente que você matar, você cria dez novos inimigos.

Mas o próprio conceito de “pessoa inocente” diz-nos o quão longe nós estamos da Magna Carta, que estabeleceu o princípio da presunção de inocência – pensado um dia como o fundamento do direito anglo-americano. Hoje, a palavra “culpado” significa “alvo de assassinato por Obama” e “inocente” significa que “aquele a quem ainda não foi atribuído o status de culpado”.

A Brookings Institution acaba de publicar The Thistle and the Drone [“A Flor e o Drone”, em tradução livre], um estudo antropológico altamente elogiado sobre sociedades tribais. Escrito por Akbar Ahmed, tem com o subtítulo “Como a guerra dos EUA contra o terror se tornou uma guerra global contra o Islã Tribal”.

A guerra, Ahmed adverte, pode lrvar algumas tribos “à extinção”, com custos graves para as próprias sociedades, como se vê agora no Afeganistão, Paquistão, Somália e Iêmen. E, ao final, para os norte-americanos.

As culturas tribais, Ahmed aponta, baseiam-se em honra e vingança: “Todo ato de violência nessas sociedades tribais provoca um contra-ataque. Quanto mais duros os ataques contra os homens da tribo, mais cruéis e sangrentos os contra-ataques”.

O terror pode tornar-se um tiro pela culatra. Na revista britânica Foreign Affairs, David Hastings Dunn descreve como os cada vez mais sofisticados drones são uma arma perfeita para grupos terroristas. Drones são baratos, facilmente adquiríveis e “possuem muitas qualidades que, quando combinadas, tornam-se potencialmente o meio ideal para o ataque terrorista no século 21″, explica Dunn.

O senador Adlai Stevenson, referindo-se a seus muitos anos de serviço no Comitê de Inteligência do Senado dos EUA, escreve que “a vigilância cibernética e a coleta de metadados fazem parte da reação contínua ao 11 de Setembro. Os EUA são amplamente percebidos como em guerra contra o Islã, contra os xiitas, bem como os sunitas, no chão, com drones, e por procuração na Palestina, desde o Golfo Pérsico até a Ásia Central. Alemanha e Brasil se ressentem de nossas invasões, e o que elas causaram?”

A resposta é que elas causaram, para os Estados Unidos, uma ameaça crescente e o isolamento internacional.

As ações militares por meio de drones são um dispositivo pelo qual a política do Estado põe em risco a segurança da população com conhecimento de causa. O mesmo é verdadeiro com relação a forças especiais para operações de assassinatos. A invasão do Iraque aumentou acentuadamente o terror no Ocidente, confirmando as previsões da inteligência britânica e americana.

Estes atos de agressão foram, mais uma vez, uma questão que pouco interesse despertou em seus planejadores, orientados por diferentes conceitos de segurança. Mesmo o risco destruição instantânea, através de armas nucleares, nunca foi levado realmente a sério pelas autoridades. Tratarei disso num próximo texto.

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5 comentários para "Chomsky: Segurança, conceito controverso"

  1. Rodrigo disse:

    De Adam Smith se encontram frequementente, Edson. Mises é obscuro, se encontram mais famosos como Schumpeter e também neoclássicos.
    Agora, Chomsky não é nada incomum, e é relativamente bem vendido, além de ser um interesse mais geral (com excessão, logicamente, os mais técnicos de linguística),.

  2. Érico disse:

    Menos, Maria. Livros do Chomsky não são achados em livrarias simplesmente por que eles não vendem. Vale aqui uma experiência: pegue o seu comentário, troque o nome “Chomsky” por “Ludwig von Mises” e veja como ele se torna absurdo. Já viu algum livro do Mises, talvez o economista liberal mais famoso do século XX, na prateleira de uma livraria, à vista de todos? Ou de Adam Smith, o ideário da “mão invisível”? Ou quem sabe de John Stuart Mill, importante liberal do século XIX? Niall Ferguson, historiador britânico de direita? Não sei na sua cidade, mas aqui em Cascavel-PR até mesmo livros do tão badalado Olavo de Carvalho não ficam nas prateleiras, a não ser que estejam na lista dos mais 10 vendidos da Veja (no caso, apenas 1 livro atualmente). As seções de História, Economia e Política ficam tradicionalmente longe da entrada, que está reservada aos livros mais vendidos (ficção) ou lançamentos em geral.

  3. Maria do Rocio Macedo disse:

    Dinio, excelente comentário! Mas, quantos costumam ler Chomsky? Além disso, seu livros são sempre boicotados nas livrarias; nunca estão à disponibilidade do olhar, de todos; são escondidos; a mídia capitalista/neoliberal nunca fala sobre ele e seus escritos; claro! Ele é persona non grata ao Sistema. sua idade avançada nos faz prever mais uma perda INSUBSTITUÍVEL, para os mais antenados!

  4. Luiz disse:

    Não existem países, não existem continentes aonde residem pessoas autônomas e completamente livres. O que existe é um mundo de corporações e transnacionais que pregam a ditadura do livre mercado.

  5. Dinio disse:

    O professor Noam Chomsky é uma luz na escuridão das idéias ocidentais.Se 10 % da população do ocidente atentasse às suas reflexões, o mundo seria bem melhor. O “Estado” Americano não é pelo povo e para o povo, e falo de seu povo, é claro que não os outros povos. EntAendo que o povo Americano é um dos menos politizados do mundo, pois o início meio e fim do Americano é voltado à produção e consumo, e não vejo isto com maus olhos, pois alavanca economia, gera emprego e renda e gira a engrenagem econômica. O problema é quando esta postura diante da vida se transforma num fim único, ignorando a visão holística de mundo, tão carente nos dias de hoje. E é exatamente este o diferencial do cidadão Americano Noam Chomsky. Ele não é “gerenciado” pelo “Estado”, ao contrário, ele dá dicas de como um Estado deveria ser gerenciado, para que a vida de seu povo tivesse uma maior plenitude! Obama é a prova cabal da despolitização Americana. Ele foi eleito e reeleito por sua tez, não pelo seu perfil que seria -teoricamente- “Luterking”. Mas a falta de opções, uma arapuca que o próprio Povo Americano armou para si mesmo, dá nisso, sai Bush entra Obama, e o que muda…nada! O Estado Americano recrudesce para o mundo e para seu próprio povo. Sairá Obama, virá Hilari Clintom…que mudará…também nada…ou o Republicano McCain, pior eu creio. Na minha modesta opinião o Povo Americano tem que lutar por uma reforma política urgente em seu País, sob pena de ser presa permanente de um Estado Comandado por Coorporações e como consequência sofrer os revés de outros povos atacados por seu Estado mundo afora.

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