Chéri à Paris Villa Lobos

O sino da igreja soa oito badaladas e insiste em concorrer com a música. De madrugada, ele insiste em concorrer com o meu sono, pois continua a bater de hora em hora.

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(Chéri à Paris, por Daniel Cariello)

Continuando o projeto Teses Musicais, inaugurado semana passada, dessa vez o texto pensado durante a audição de uma música foi feito na região das Cévénnes, na França, onde deveria estar aproveitando do verão e não enfiado em mundos de livros e artigos a ler e uma tese a escrever.

Então, ramolá.

Choro nº 1, de Villa-Lobos (clique abaixo para escutá-la)

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Aperto o play no iPod. Essa música faz parte dos choros de Villa-Lobos. É o primeiro, e o meu preferido. Nas leituras para minha tese, descobri que o compositor decidiu chamar choros uma série de músicas que havia composto simplesmente pelo fato de o nome soar bem aos ouvidos franceses, pois ele morava em Paris na época. Do ponto de vista musical, algumas dessas obras nem choro de verdade são. Já do ponto de vista publicitário, ele foi perfeito.

Ao longe, uma criança chora. Da mesa da varanda, de onde não levanto há 3 dias, vejo a velha da casa da frente passar pela porta, atravessando a cortina de cordas. Ela olha pra mim e retorna para onde saiu.

O sino da igreja soa oito badaladas e insiste em concorrer com a música. De madrugada, ele insiste em concorrer com o meu sono, pois continua a bater de hora em hora. Na noite passada, ganhou.

O sol bate no pico da montanha que tomba por detrás de uma casa. Essa região é muito bonita, com morros por todos os lados. Ispagnac, a cidade onde estou, fica em um vale verde de impressionar. Saco a câmera para registrar o momento e faço a foto ao lado.

Nessa pausa da vida, o violão também concede um segundo de silêncio. No mesmo instante, ambos retomam seu ritmo irregular, que faz a beleza da existência e desse choro.

Villa-Lobos é o primeiro músico brasileiro conhecido no mundo inteiro. Assim que ele chegou a Paris pela primeira vez, a imprensa francesa não sabia como tratar sua música. Para descrevê-la, passou a usar comparações com a natureza do Brasil, da qual só havia ouvido falar, como “forte”, “gradiosa” e “primitiva”. Espero, o próprio compositor se aproveitou desse deslumbre como fonte de promoção e se descrevia como “selvagem, mas um bom selvagem”.

Intrigada com sei lá o quê, a vizinha dá as caras novamente, e logo decide voltar e ligar a televisão.

E eu? Eu retorno à minha tese.

Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô /Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.

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