Chéri à Paris: A pia

Avisei de antemão que não aceitava ofertas com fotografias de pias. Fingiu não entender, mas percebi que o havia desarmado

.

Avisei de antemão que não aceitava ofertas com fotografias de pias. Fingiu não entender, mas percebi claramente que o havia desarmado

Por Daniel Cariello*

Na busca frenética por um apartamento pra alugar, virei rato de sites de imobiliárias, desses que colocam todos os dados sobre o imóvel, como metragem, número de quartos, vagas na garagem, valor do condomínio e demais informações que o futuro inquilino pode querer saber. Diversos publicam também fotos do apartamento em questão, para dar uma ideia do seu estado geral.

Eu acho isso muito útil, muito mesmo, pois pelas imagens já dá pra descartar algumas possíveis roubadas. Mas, apesar de endossar a importância do serviço, há algo que não consegui compreender, um fato que me causou estranheza e espanto, um fenômeno repetido em grande parte das páginas dos imóveis que visitei virtualmente: muitas delas trazem fotografias das pias do banheiro. Das pias!

Da primeira vez, achei que se tratasse de uma falta de habilidade da pessoa que registrou a imagem. Talvez quisesse ter dado um panorama do banheiro e, sei lá, tremeu na hora do clique. Ou, quem sabe, sem querer colocou o zoom no máximo e nem percebeu. Mas depois percebi que a foto da pia era recorrente em diversos anúncios. Cheguei até a procurar no Google se não havia um concurso de retratos de arte com esse tema. Mas não encontrei informações a respeito.

Diacho, pensei, que fenômeno é esse? Na França, é comum não haver pias nos lavabos, o que também me intriga, pois o sujeito é obrigado a atravessar a casa com as mãos no ar para lavá-las na sala de banho (os dois ambientes geralmente são separados) ou mesmo na cozinha. Nesse caso, tais imagens se justificariam pelo fato de serem um diferencial. Valeria até uma legenda, tipo “aqui se faz, aqui se lava”. Mas no Brasil isso é muito estranho…

Conversando com um amigo sobre o inusitado da situação, perguntei se, enquanto estive fora, as pias haviam se tornado raras ao ponto de merecerem destaque em anúncios de apartamentos. Ele respirou fundo, deu uma bufada no melhor estilo francês e disse: “Parece que você se esqueceu de como as coisas acontecem por aqui. Essa pia é o símbolo do funcionamento dos serviços que contratamos no Brasil, principalmente no ramo imobiliário”. Vendo minhas sobrancelhas franzidas e um big ponto de interrogação na minha testa, continuou: “É assim: você escolhe o apê, conversa com um corretor que é só sorrisos, tenta negociar o valor do aluguel, assina o contrato de locação, pega as chaves e se instala. Aí, um belo dia, dá um pepino qualquer, tipo um vazamento de água, e você precisa que o corretor venha te ajudar.”

E aí, perguntei, o que acontece?

“Aí ele questiona se você não reparou na foto da pia quando decidiu alugar aquele imóvel”

Eu repeti que ainda não havia entendido o que a pia tinha a ver com tudo isso. Ele me olhou com um olhar piedoso.

“É muito simples: sabe o que ele vai te dizer?”

Não sabia.

“Que ele vai lavar as mãos pro seu problema, não pode fazer nada. Compreendeu agora?”

Armado dessa informação, fui ver pessoalmente um corretor, que me mostrou imagens dos imóveis que tinha pra alugar. Assim que cheguei, avisei de antemão que não aceitava ofertas de apartamentos com fotografias de pias. Ele fingiu que não entendeu, mas percebi claramente que o havia desarmado.

(*) Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *