Carnaval: que desejos te seduzem?

Celebrar corpo, consciência e prazer pode ser alternativa à cultura que reduz sexo a fetiche de egos e poderes

Festival Aho, 2012/13, em Ilha Comprida (SP): outro momento em que desejo não rima com poder

Festival Aho, 2012/13, em Ilha Comprida (SP): outro momento em que desejo não rima com poder

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Por Katia Marko, editora da coluna Outro Viver | Imagem: Paco Antonino

Chegou o Carnaval. Momento tão esperado por muitos. Espaço para soltar o freio, viver fantasias, desfrutar o prazer. Pacatos cidadãos experimentam o sonho de virar reis e rainhas. Desejos inconscientes escapam pela janela agora aberta com o consentimento social. Tudo vale na busca do prazer.

O meu Carnaval, há alguns anos, tem sido na Comunidade Osho Rachana, onde promovemos um grupo chamado Carnawow. Já está confirmada a participação de 70 pessoas para este ano. Serão quatro dias de trabalho corporal, meditações, trilhas na natureza, encontros, diversão e criatividade. Tudo para aumentar a capacidade de curtir a vida. Pra começar, vamos “limpar o terreno”. Sessões de bioenergética e meditações pra ajudar a soltar tensões e sentimentos guardados e reconectar com a energia do corpo. No domingo, depois de reconectar consigo mesmo, é a vez de encontrar o outro, no sentido mais rico da palavra. Trabalhos terapêuticos que vão ajudar a recuperar a confiança na amizade. Já na segunda-feira, é o espaço para a celebração e o êxtase. O grupo é dividido para criar e apresentar duas escolas de samba com direito a alas, bateria, carros alegóricos e o que mais a imaginação permitir.  No último dia, é relaxar, curtir a natureza e meditar.

Mesmo que todos nós busquemos o prazer, esta é uma palavra que evoca sentimentos conflitantes. Por um lado esta associada com o que é “bom”. Mas, a maioria das pessoas acharia desperdício uma vida devotada ao prazer. Temos medo que o prazer nos leve a caminhos perigosos, onde esqueceríamos deveres e obrigações, deixando que nosso espírito se corrompesse pelo prazer descontrolado.

No livro Prazer, uma abordagem criativa da vida, o médico-psiquiatra Alexander Lowen, explica que todos nós queremos que a vida seja mais do que a luta pela sobrevivência, e deveria ser agradável, e sabemos que todos têm amor a dar. “Mas quando o amor e a alegria desaparecem, sonhamos com a felicidade e procuramos a diversão. Não conseguimos perceber que o alicerce de uma vida alegre é o prazer que sentimos em nossos corpos, e que sem essa vitalidade, ela se transforma na cruel necessidade de sobrevivência, onde a ameaça de tragédia nunca está ausente”.

Na real, em nossa cultura, todos receiam o prazer. “Como a cultura moderna é dirigida mais pelo ego do que pelo corpo, o poder se transformou no principal valor, reduzindo o prazer a uma situação secundária. A situação do homem moderno se assemelha à de Fausto que vendeu a alma a Mefistófeles em troca de uma promessa que nunca poderá ser cumprida. Apesar da promessa de prazer ser uma tentação do diabo, o prazer não pode ser proporcionado pelo diabo”, diz Lowen.

Segundo ele, todos nós, como o Dr. Fausto, estamos prontos a aceitar as tentações do demônio. Ele está dentro de cada um sob a forma de um ego que nos acena com a realização de um desejo desde que o obedeçamos. A personalidade dominada pelo ego é uma perversão diabólica da verdadeira natureza humana. O ego não existe para ser mestre do corpo, mas sim seu servo leal e obediente. “O corpo, ao contrário do ego, deseja prazer e não poder. O prazer é a origem de todos os bons pensamentos e sentimentos. Quem não tem prazer corporal se torna rancoroso, frustrado e cheio de ódio.

O pensamento é distorcido e o potencial criativo se perde. A perda se torna autodestrutiva. O prazer é a força criativa da vida. A única força capaz de se opor à destrutividade em potencial do poder”.

Para Lowen, o prazer e a criatividade estão relacionados dialeticamente. Sem prazer, não haverá criatividade. Sem uma atitude criativa diante da vida não haverá prazer. “Essa dialética surge do fato de ambos serem aspectos positivos da vida. A pessoa viva é sensível e criativa. Através da sensibilidade coloca-se em harmonia com o prazer e através do impulso criativo procura sua realização. O prazer na vida encoraja a criatividade e a comunicação, e a criatividade aumenta o prazer e a alegria de viver”.

Então, para vivermos plenamente o prazer e a criatividade temos que mexer nas tensões do nosso corpo, respirar profundamente e expressar nossas emoções. Essa é a proposta do Carnaval na comunidade em que moro: prazer com consciência.

Katia Marko é jornalista, terapeuta bioenergética e uma pessoa em busca de si mesma.

Para ler todos os seus textos publicados em Outras Palavras, clique aqui

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6 comentários para "Carnaval: que desejos te seduzem?"

  1. Ana Júlia disse:

    Artigo muito bom e informativo! parabéns pelo conteúdo de qualidade e gratuito!

  2. Renata disse:

    Mto bom o seu ponto de vista, Augusto! É isso aí.

  3. Augusto Santos Mascarenhas disse:

    Muito bom artigo, bom saber que mesmo em época de carnaval há pessoas que não abdicam do discernimento. Mas o artigo tem alguns probleminhas terminológicos, a meu ver. O que todos buscam na verdade é a plenitude, que não é o mesmo que prazer sensorial. E a origem dos bons pensamentos e sentimentos também não é o prazer sensorial, mas as capacidades (mentais ou, se preferir, espirituais) superiores do ser humano, que permitem que ele perceba que já é a plenitude que busca. Esta plenitude não depende da obtenção de prazer sensorial, embora este último seja legítimo e necessário.
    Parabéns à autora e à revista pela coragem de abordar esses temas importantes e profundos em pleno carnaval.

  4. Débora Soares disse:

    Eu aprecio a alegria e a vibração da festa. Sou contra os excessos! Eu vivi a beleza do carnaval e não a pegação e a bebedeira! Que venha o carnaval 2014. Afinal, tudo de bom e de ruim está ai, a gente é que seleciona! =)

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