Brasil e AIDS: quem te viu, quem te vê

.

No momento em que surgem novas drogas e tratamentos contra doença, país parece perder capacidade de enfrentá-la com políticas pioneiras

Por Veriano Terto Jr e Renata Reis

O Brasil é um dos poucos países do mundo que possui um programa público de acesso universal a medicamentos para HIV/AIDS. O desenho dessa política foi historicamente realizado a partir de uma interação – nem sempre fácil, mas absolutamente necessária – entre a sociedade civil e o Estado. No dia mundial de luta contra a AIDS cabe uma reflexão crítica dos caminhos trilhados pela resposta brasileira à epidemia e os atuais desafios postos para que o país mantenha e amplie os bons resultados obtidos.

Destacamos aqui dois elementos chave, que estão atualmente colocando em risco anos de boas práticas: i) a sustentabilidade do acesso universal a tratamentos num contexto de medicamentos mais novos e mais caros, com ampliação do número de pessoas em tratamento com essas terapias; e ii) os reflexos dos problemas estruturais do SUS, que impactam a chegada e permanência das pessoas que vivem com HIV no sistema, somados aos vergonhosos e recorrentes episódios de desabastecimento de medicamentos nos serviços públicos de todo o país.

Em relação ao primeiro elemento, percebe-se um retorno aos primeiros tempos da epidemia, com a inclusão (necessária) de novos medicamentos ao consenso terapêutico brasileiro. Em 2000, o coquetel antiaids básico era comercializado a 10 mil dólares por paciente/ano. Hoje, a mesma terapia custa cerca de 60 dólares. Essa queda brutal de preço se deve também à ampliação da concorrência, com a entrada de medicamentos genéricos no mercado, possível devido à não existência de patentes farmacêuticas em países estratégicos, como a Índia. Atualmente, os novos antirretrovirais começam a ser comercializados em países como o Brasil a cerca de 6 mil dólares por paciente/ano. A diferença marcada entre esses dois momentos é a restrição da concorrência, via estratégias de monopólio, como as patentes.

Essa realidade demanda cuidado redobrado na concessão de patentes e um olhar estratégico para coibir abusos dentro do sistema de propriedade intelectual. Vale lembrar que a regulação internacional prevê diversas flexibilidades que podem ser adotadas pelos Estados para proteção da saúde pública. No entanto, o governo brasileiro tem deixado de lado essas medidas e pretende enfrentar o novo cenário por meio de parcerias público-privadas entre laboratórios farmacêuticos internacionais e nacionais de maneira a produzir nacionalmente essas tecnologias. A princípio a ideia é salutar, mas a forma de implementação dessa política, marcada por falta de transparência e sem formas de controle social, dá pistas de que algo não anda bem nessa decisão. Os contratos entre entes públicos e privados não devem seguir os parâmetros de sigilo e confidencialidade do setor privado, por infringir diretamente os princípios da boa administração pública. O Conselho Nacional de Saúde e outras instâncias de participação social não podem estar alijados desses processos.

O segundo elemento que coloca em xeque a resposta brasileira são problemas estruturais como diagnóstico tardio, rede de refêrencia e contrarrêferencia estrangulada, que se declara incapaz de receber novos casos, e a descentralização da política de AIDS, pois a burocracia e a negligência das administrações locais tem afetado a utilização adequada dos recursos e a execução dos programas. Os episódios de fracionamentos e desabastecimentos de medicamentos para HIV têm se tornado frequentes nos últimos anos, seguidos de justificativas frágeis e baseadas num jogo de responsabilização dos poderes federais, estaduais e municipais, sem que nenhum gestor responda adequadamente. A desatenção que estamos vivendo no âmbito da prevenção, assistência e tratamento em decorrência de má gestão administrativa pode ser considerada um profundo retrocesso na resposta brasileira, além de confrontar todas as políticas públicas de enfrentamento da epidemia levadas a cabo nos últimos anos pela sociedade civil e pelo próprio governo.

No início da segunda década da epidemia, o Brasil enviou um sinal claro para o mundo de que era possível tratar a AIDS em países em desenvolvimento por meio de sua política de acesso universal e produção local de medicamentos que estavam então patenteados em outros países. No início da terceira década, mesmo tendo incorporado o reconhecimento de patentes para medicamentos, o Brasil foi decisivo na aprovação da Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e a Saúde Pública – um marco político na defesa das necessidades de saúde pública frente aos direitos de propriedade intelectual, que agora completa 10 anos. Doha reforçou politicamente o espaço para o uso de flexibilidades, como o licenciamento compulsório (conhecido como quebra de patentes), medidas fundamentais para a sustentabilidade da resposta brasileira à AIDS, na medida em que possibilitaram significativas reduções de preço e a produção local de medicamentos. Comprometimento político e envolvimento da sociedade civil foram decisivos no papel desempenhado pelo Brasil nesses dois momentos da epidemia. No entanto, constata-se que esses dois pilares se encontram atualmente fragilizados.

Ingressamos na quarta década da epidemia de AIDS e, como em outros setores, o Brasil combina num mesmo pacote problemas do século XXI – abusos no sistema de propriedade intelectual e políticas que vislumbram um país mais competitivo no cenário econômico – com velhos problemas que seguem sem solução – precariedade no setor saúde, impunidade e falta de transparência na implementação de políticas públicas. Não há aqui uma defesa vazia e inconsequente de que o atual governo resolva os problemas históricos e estruturais do Brasil. Fato é que as atuais escolhas e processos de execução de políticas deste governo destoam em muito da resposta para a AIDS que desejamos e a surdez em ouvir a voz que vem da sociedade pode ser considerada a mais profunda em muitos anos. Perdem as pessoas vivendo com HIV/AIDS, perdem os usuários do SUS, perde a democracia.

Veriano Terto Jr é psicólogo e Coordenador-Geral da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA)

Renata Reis é advogada, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (GTPI/ REBRIP)

Leia Também:

Um comentario para "Brasil e AIDS: quem te viu, quem te vê"

  1. Até vocês, supostamente pessoas tão críticas, estão mancomunadas com a indústria da AIDS? Pesquisem na Internet sobre a versão dissidente do HIV/AIDS! Saibam quem é Peter Duesberg (alemão radicado nos EUA), um dos maiores especialistas em retrovírus da atualidade! Procurem saber sobre o papel das drogas —além de outros agentes imunossupressores— no desencadeamento da AIDS! Se o HIV (se é que este vírus existe mesmo) fosse mesmo esse “monstro” que a versão oficial afirma ser, era para muitíssimo mais gente ter morrido de AIDS, levando em conta o que se transa sem camisinha por aí. Não acho justo que, por causa de um resultado de exame (há controvérsias sobre o que esse exame realmente detecta), não se poder mais sentir plenamente o pênis do parceiro ou a vagina da parceira!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *