As curvas da estrada da crítica

Pedro Alexandre Sanches, ex-“durão”, diz que o jornalismo do azedume está morrendo e quer entender música como reflexo do mundo

 

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Por Amanda Melaré, Gabriel Vituri, Gabriela Rocha e Thamy Ramos | Foto: Ida Feldman

Quem são vocês?”. Já na sala de estar, entre mais de 6 mil CDs, a equipe de reportagem lembra o crítico sobre a entrevista agendada na semana anterior. “É mesmo! Esqueci completamente! Me dá um minuto!”.

Alguns minutos depois, Pedro Alexandre Sanches pede desculpas e confessa ser mesmo esquecido. Ao longo do bate papo, também confessa não ser mais o mesmo dos tempos de Folha de S. Paulo (onde começou a carreira e passou oito anos). Diz que gosta de Aviões do Forró e conta como enfrentou o medo de ser censurado por Roberto Carlos.

PAS, como é frequentemente citado em textos e entrevistas, não quer mais ter o que confessar ou esconder. O crítico musical, formado em Farmácia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), atualmente trabalha como colaborador fixo do IG. É freelancer de diversas publicações – Bravo, Trip, BillBoard, Rolling Stone e muitas outras.

Depois de ser temido por muitos artistas como rigoroso crítico musical da Folha, hoje quer mais é poder falar sobre Rap e Tecnobrega para a parte do Brasil que se diz culta e lê seus textos. Pedro Alexandre Sanches parece enfrentar cada vez melhor suas próprias críticas e questionamentos, que não são poucas nem fracas.

A transição entre repórter e crítico aconteceu de que forma?

Isso vem um pouco da Folha, e hoje em dia eu considero um defeito. Eles instigam fortemente o lado crítico em qualquer jornalista. Cada um faz do seu jeito, e tem gente que nunca vai ser caracterizado como crítico, mas as reportagens, tudo o que a Folha faz, é cheio de opinião pessoal, mesmo em matérias sobre cidades ou política. Acho que todo mundo, de algum jeito, é crítico, na Folha. Por outro lado, nesse tempo todo eu fiz muita reportagem. Na verdade, fiz todas as modalidades de jornalismo. Fui redator por muitos anos antes de virar repórter, que era meu cargo quando saí.

É difícil definir o que é exatamente a crítica, não?

Entende-se crítica de uma forma equivocada, na minha opinião. Parece que crítica é sinônimo de falar mal, achar os defeitos, achar o que está errado. Nesse sentido, o bom crítico seria aquele que eu fui na Folha. Fui o cara bravo, malvado…

“Há muito tempo, prefiro ser o bonzinho. Mas é só

escorrer um pouco de veneno que todo mundo adora”

Então essa imagem de durão vem dos anos de Folha?

Vem, e eu não posso dizer que me obrigaram a isso, porque tinha uma coisa minha que se encaixava direitinho. Eu adorava fazer texto polêmico. Sempre digo que nada foi de propósito, porque não foi mesmo. Mas adquiri com o tempo a percepção de que se você faz uma coisa mais maldosa, mais venenosa, isso cria uma certa imagem negativa, mas é dela que as pessoas mais gostam. Um texto em que eu estou bonzinho não faz sucesso. Mas esse é o tipo de coisa que tenho que ficar controlando. Afinal de contas, por que sucesso? Pra que serve isso? Há muito tempo eu prefiro ser o bonzinho do que ser mal. Mas ainda percebo que é só escorrer um pouco de veneno que todo mundo adora.

Como foi seu desligamento de lá?

Eu gostava, era feliz, mas havia muita pressão. Acima de tudo, existe aquele fantasma: uma hora, você não serve mais e eles te mandam embora. Todos os meus melhores amigos eram sempre demitidos nos cortes, e eu dizia que iria embora antes de acontecer comigo. Eu já tinha me insinuado pra Carta Capital algumas vezes, mais de um ano antes e aí, no final de 2004, logo que saiu meu segundo livro (Como Dois e Dois são Cinco, pela editora Boitempo), eles me chamaram e eu fui.

A mudança valeu a pena?

Mudou tudo, porque o modelo de crítica da Folha não interessa ao Mino Carta, embora eu ache que existam muitas semelhanças entre os dois estilos, são coisas muito diferentes. A Carta Capital não queria muitos adjetivos, que falasse que tal coisa é ruim, tal coisa é boa. Eu digo que foi uma pós-graduação pra mim, porque esse crítico fácil que sabe julgar tudo e parece estar sempre por cima das coisas – o que é uma mentira completa – não servia na Carta Capital. Eu precisei desenvolver o repórter, e não o crítico.

O modelo que instiga a crítica é mais editorial ou comercial?

Acho que é tudo, porque o jornalista nunca quer admitir que ele é feito pra vender. Eu falava mal da Sandy e do Júnior, do É o Tchan, que fazem músicas só pra vender, mas, em grandes proporções, o jornalismo é feito só pra vender. Eles não falam isso pra gente, o discurso não existe, está soterrado, mas é óbvio que é isso.

Isso é mais localizado no eixo Rio-São Paulo?

A gente pensa muito o jornalismo de São Paulo como aquele mais ácido, e no Rio a gente diz que o crítico só fala bem de tudo. Hoje em dia acho que não é mais questão de ser de São Paulo, é Folha e Abril, o núcleo do azedume do jornalismo brasileiro. Quem faz jornalismo em outros lugares segue o padrão Folha e Veja, principalmente, cujas vendas são as maiores.

Esse modelo continua dando certo?

Deu certo, mas acho que está falido. As empresas jornalísticas estão em processo de desmoronar, e cedo ou tarde, acabou, não vai ter mais porquê. Hoje em dia as pessoas escrevem em blogs tudo o que os críticos falariam. Não sou mais necessário como aquele crítico. A coisa está mais bem distribuída.

Como a internet transformou seu trabalho?

A gente vai indo conforme a correnteza. A crítica musical morreu junto com a indústria musical. Mas morreu enquanto indústria. O jornalismo não morreu, a música não morreu. Morreu o modo como se ganhava dinheiro com essas coisas. E agora tá todo mundo aí. Como nós vamos ganhar dinheiro? É uma coisa que a gente não sabe, eu não sei. Sem querer, estou inventando crítica de YouTube. Acho que deve ter um monte de gente fazendo isso.

O seu segundo livro, Como Dois e Dois São Cinco, sobre a carreira do Roberto Carlos, foi lançado em 2004, e não enfrentou tanta polêmica quanto o livro do Paulo Cesar de Araújo, Roberto Carlos em Detalhes (Editora Planeta, 2006), que foi censurado pelo cantor. O que você acha que causou essa diferença?

O Paulo Cesar, que eu conheço muito de raspão, é uma referência muito importante pra mim, porque o livro Eu Não Sou Cachorro Não (Editora Record, 2002) é o livro mais importante sobre música brasileira que eu já li. Acho que até a minha saída da Folha de São Paulo tem a ver com eu ter lido esse livro. Estou falando pela primeira vez sobre isso. Esse livro mudou minha vida. Quando li, pensei: “Nossa, tá tudo errado, eu tô entendendo tudo errado”.

Quanto ao quê?

Digo isso sobre a questão do que ouvir e ter prazer. No livro, ele explica que as pessoas só não admitem o Benito di Paula por preconceito, porque ele é uma pessoa da classe pobre que se expressa. Muita gente é da classe pobre e não sofre preconceito porque esconde sua origem. Caetano Veloso, por exemplo. Pra mim, essa é a diferença do Lula e do José Serra, sabe? O Lula é um cara de origem pobre que todo mundo vê isso na cara dele, e o Serra é um cara de origem pobre que esconde. O livro me deu esse clique; não é porque aquela música é ruim que eu não gostava, mas porque eu não me permitia ouvir aquilo, por preconceito. A grande imprensa é feita pra classe média pra cima, e a gente é cheio de preconceito contra um monte de coisa que não faz parte do nosso mundo. Por outro lado, acho que esses artistas que se fizeram à revelia de gravadora, também desprezam a gente, não importa que seja a Carta Capital. Por exemplo, a Banda Calypso, eles são multimilionários. Uma matéria na Carta Capital, pro bem ou pro mal, nem vai arranhar a imagem deles. Mas como viemos parar nesse assunto?

Por causa do livro sobre o Roberto Carlos.

É! Então, eu amo esse primeiro livro do Paulo César, mas não gosto tanto do vale em Detalhes.

Quando eu estava escrevendo o meu livro, fiquei sabendo que ele também estava escrevendo um sobre o Roberto Carlos. Não sei direito como é isso, mas o meu saiu dois anos antes. E não fez barulho nenhum. Verdade seja dita, foi um livro com 2 mil exemplares, de uma editora “cult”, que não divulgou meu livro. E eu também não ajudei. Fomos um fiasco comercial!

“Falam de liberdade de imprensa, mas não deixam

repórter se expressar. A mídia brasileira é ditadura”

Você não tinha receio de ser censurado, processado?

Eu morria de medo de acontecer comigo o que dois anos depois acabou acontecendo com o Paulo César. Morria de medo que o Roberto Carlos proibisse. Tomei tanta precaução que eu escrevi o livro, guardei debaixo da cama e está lá até hoje! E aí, dois anos depois chegou o dele. A minha desgraça é a minha salvação. Se o meu livro tivesse feito sucesso, acho que teria acontecido a mesma coisa. E eu sou triste por ele não ter feito sucesso. Mas pelo menos ele ainda existe. Eu tenho orgulho de ter escrito um livro sobre o Roberto Carlos que não foi censurado.

Voltando ao que você estava comentando sobre Lula e José Serra, qual é sua relação com assuntos políticos?

Hoje em dia, estou mais ligado em política do que nunca. É um assunto que eu adoro e é toda uma história da minha vida também. A primeira vez que eu votei foi em 1989, tinha 20 anos de idade e sempre votei no Lula. Quando ele assumiu o poder, eu tinha uns 30. No dia em que ele ganhou, pensei: “Ihh, agora tenho que arcar com meu voto!”. Até então, sempre tinha sido um derrotado profissional, todos os candidatos em que eu votava perdiam. É como se o dia da vitória do Lula tivesse sido o dia em que virei gente grande. Depois disso, comecei a acompanhar tudo.

No seu Twitter (@pdralex), você fala mais de política do que de música.

Eu adotei uma postura de escancarar tudo o que penso sobre política, mesmo não conhecendo ou não tendo autoridade pra tanto, e tendo muita insegurança e incerteza. Eu fui ensinado, principalmente na Folha, que jornalista precisa ser neutro, imparcial, e “blá blá blá”. O que isso significa? Ou que você não deve ter opinião política ou que, se tiver, você tem que esconder. Eu discordo dessas duas coisas. Se esconder, estarei ignorando minhas melhores virtudes. Tenho consciência de que estou desafiando as regras do jornalismo quando faço isso. E acho que isso é uma coisa pra todo mundo. É difícil saber os limites. Você pode se auto-sabotar, pode entregar seu pescoço se você falar o que não deve. Os editores estão muito mal acostumados a não ouvir nada que não seja do agrado deles.

Se estivesse hoje na Folha ou na Carta Capital, você acha que se daria a mesma liberdade no Twitter?

Se você for pensar, quem da Folha tem Twitter? Muitos, mas tá todo mundo mudo. A que mais fala é a Mônica Bergamo, e fala mal e mal. Isso desnuda todo o jogo hipócrita: dono de jornal e revista fala de liberdade de imprensa, mas não deixa o repórter se expressar. A falta de manifestações livres de jornalistas da Folha e da Abril no Twitter mostra que a imprensa brasileira é uma ditadura. Nós jornalistas somos coniventes com isso, porque o único jeito de enfrentar a ditadura é enfrentando a ditadura. Se eu ainda estivesse na Folha, possivelmente estaria calado, mas, vai ver, é por isso que eu não estou mais lá.

Qual publicação você considera muito boa?

Quando eu fui pra Carta Capital, eu nem sabia o que era. É patética essa história, mas um dia a Cynara (Menezes), que trabalhava comigo na Folha, falou que estava indo embora pra Carta Capital e eu nem sabia do que se tratava. Ela que me despertou e outra porta imensa se abriu, de um mundo de jornalismo que a gente sequer sabe que existe, mas que é onde se faz bom jornalismo. A Carta Capital e a Caros Amigos, por exemplo, têm muitos defeitos e problemas, mas são tão melhores (do que a Folha). A Fórum é uma revista muito boa.

Existe algum crítico que te serviu de referência?

Eu não leio esses caras. O Tinhorão (José Ramos Tinhorão, crítico e pesquisador musical), que era a referência do passado, eu só fui ler muito tempo depois. Não dá pra dizer que ele é referência, porque ele fala um monte de abobrinha, inclusive. O Giron (Luís Antônio Giron, crítico cultural) foi uma influência importante pra mim. Quando comecei a me interessar por política, na campanha de 89, já adorava o Giron. Certamente eu o copiei, repeti, imitei. Cheguei a conviver com ele, mas eu era um “foquinha” e ele era super. Eu morria de medo dele e nem chegava perto. Por um lado, é melhor não ler pra não copiar, porque assim você é obrigado a fazer do seu jeito. Mas isso é meio esfarrapado, porque é importante ter referência. Acho que o Giron é a minha referência principal mesmo. Eu prestava muita atenção nas coisas que eu não gostava dele, pra fazer diferente. É legal você ter referência pra desobedecer também.

“No fundo, sou totalmente trash. Ando numa fase Aviões

do Forró! Mas adoro Jorge Ben e Velvet Underground”

E do que você gosta, musicalmente falando?

No fundo eu sou um cara totalmente trash. Ando numa fase Aviões do Forró! Eu quero fazer uma matéria sobre eles, e o meu pretexto é esse. Eu começo a ir lá, pesquisar, me interessar, roubar os discos na internet, porque é uma questão profissional. Mas daí eu olho e vejo que eu estou adorando ouvir, que eu estou me divertindo. É assim…ouvir música sem compromisso. Velvet Underground é uma das coisas que eu mais gosto no mundo, mas são músicas tão tristes, tão pesadas, que de vez em quando a gente precisa de umas coisas mais leves. Eu gosto de tudo. Eu só não gosto de música clássica, jazz e blues.

Quem é seu artista favorito?

O artista que eu mais gosto no mundo é Jorge Ben. Me emociona, desde quando eu morava em Maringá. Eu fui um adolescente muito triste, que vivia preso no quarto. Era “deprimidinho”. Todos os caras que eu odiava quando criança hoje são os que eu mais amo. Roberto Carlos, Tim Maia e Jorge Ben. Começou a passar o tempo e eu fiquei curioso. “Vamos ouvir o que é esse Jorge Ben”. Naquela época me soava como uma música muito alegre, que dava vontade de viver. Eu tava lá desperdiçando minha vida, e foi uma coisa pra sair do quarto mesmo.

Como é entrevistar Jorge Ben?

Ele é um cara mega difícil…não fala nada com nada. Até que eu fiz uma capa da Trip há pouco tempo e ele disse um monte de coisas legais na entrevista. Ele é uma das pessoas mais legais do mundo, inclusive como entrevistado. Mas depende de você ganhar a confiança do cara ou não. Tem todo um jogo inexplicável. As entrevistas que eu fiz com ele pra Folha e pra Carta Capital foram péssimas, e essa última foi sensacional!

Você já foi ao show da Calypso?

Fui uma vez, só que aqui no Credicard Hall. É diferente. É também sinal de que até ela já está assimilada de alguma maneira aqui no nosso meio. Foi o máximo. Existe a parte musical, que é muito divertida, apesar das letras serem ruins e etc, e a outra é que ela passou o show inteiro agradecendo ao cirurgião plástico dela, que estava presente. Ela não estava mentindo, assumiu aquilo. Ela fez o que queria.

MAIS:

O blog de Pedro Alexandre Sanches está aqui: http://pedroalexandresanches.blogspot.com

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3 comentários para "As curvas da estrada da crítica"

  1. admin disse:

    Cara Maria:
    Publicamos todos os comentários — desde que não difundam preconceitos, nem façam ataques pessoais. Sua primeira nota agredia os autores da matéria, além de discordar da opinião deles. As divergências, sempre respeitaremos e estimularemos. Abraços. Antonio Martins, editor.

  2. Maria disse:

    Que mídia livre é essa que o Diplo pretende ser? Eu deixei um comentário sobre essa reportagem e vocês não publicaram. Deixarei este que certamente também não será: então, eu tenho que concordar com um crítico que diz que Aviões do Forró e banda Calypso são bacanas? Todo mundo tem de achar isso prá ver seus comentários publicados no Outras Palavras? Ou essas palavras não seriam tão outras assim, mas simplismente sempre o mais do mesmo. Decepcionante, o Estadão e a Folha ao menos publicam todos os comentários.

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