A reforma política começa pela mídia

Um regime democrático não se concretiza quando toda a mídia for estatal, mas quando todos formos mídia.

 

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Por Bruno Cava, do Outras Palavras e Universidade Nômade

Fala-se muito em reforma política, mas nenhuma reforma política é mais fundamental do que a democratização da mídia. Esta a grande reforma que o país aguarda há décadas. Governos mudam, regimes mudam, séculos mudam, mas o mesmo regime excludente e oligárquico prevalece nas comunicações brasileiras. Aqui, sequer o capitalismo liberal chegou. É um oligopólio de empresas familiares. Partilham entre si as concessões de TV e rádio, de norte a sul, por meio de suas filiais e retransmissoras. E ainda controlam simultaneamente jornais, revistas, editoras, produtoras de filmes e teatro.

Esses grandes grupos se vendem como imparciais e neutros, mas estão entranhados na política nacional e global, com posições conservadoras. Apoiaram a ditadura cívico-militar e agora se opõem à busca pela verdade histórica (que os desmascara). Colocam-se como paladinos da liberdade de expressão, mas são os primeiros a censurar vozes discordantes e despedir funcionários incômodos. Apresentam-se como sacerdotes da ética pública, mas as suas campanhas moralizantes não passam de instrumentos de chantagem e intimidação. Dizem-se praticantes do bom jornalismo, mas isto só significa certa forma vertical e elitizante de produzir e circular verdade e legitimidade. A opinião pública está contra o povo.

Quando for concedida voz aos sem-voz. Quando uma multidão de verdades e narrativas ocupar e disputar o espaço público. Mais vital à democracia que a tal “reforma política”, como vem se apresentando, é pôr em movimento um processo de empoderamento midiático de todos os cidadãos. Sem intermediário$ ou usurpadores da opinião pública, afirmar condições materiais para exercício do direito à expressão e construção coletiva e compartilhamento. Nessa luta, o estado não é o guardião da comunicação democrática, mas o seu maior inimigo. Não basta construir uma “TV pública” e muito menos fortalecer a TV dos bispos.

Mas para não cair na abstração, é preciso reconhecer que a voz nunca será concedida aos sem-voz. É preciso conquistar a polifonia, contra o coro da grande imprensa. Não está em jogo uma luta pela verdade, mas pelo regime de produção de verdades. A história da imprensa brasileira é a história de sua concentração e elitização. As forças democráticas foram derrotadas em praticamente todas as tentativas de desconstituir o oligopólio. E já estamos perdendo de novo. Nos últimos dez anos, foi perdida a batalha pela TV digital, por outro marco regulatório das comunicações, pelas rádios comunitárias. E estão sendo perdidas as batalhas por um Brasil banda larga, pelo compartilhamento de conteúdos, pela multiplicação de pontos de cultura e mídia livres.

O que fazer?

O movimento pode pressionar o estado por mais democracia na mídia. Mas isso cai num ciclo vicioso. Porque, para pressionar, tem que ter mídia, senão não faz efeito. É preciso capilaridade social, construção de redes e formulação de discursos pervasivos. Então é preciso, primeiro, tornar-se mídia. Mais do que isso, uma mídia diferente, inovadora e alternativa — além dos vícios do bom jornalismo, da qualidade formal e de edição centralizada, que caracterizam a grande imprensa. Quando os blogueiros progressistas reproduzem o mesmo modus operandi dessa mídia velha, não fazem outra coisa que fortalecê-la, reafirmando a estrutura conservadora. Fica parecendo que, no fundo, ambicionam ser grande imprensa eles mesmos, com o sinal trocado. E não progridem senão no caminho errado.

Constituir novas mídias apesar do estado. Isto é, constituindo um outro mundo que pode atravessar e reconstruir as instâncias tradicionais de representação: governo, partidos e grande imprensa. A tarefa reside em promover e ampliar a cauda longa de blogues e sites de esquerda, pontos e portais de mídia livre, rádios comunitárias, redes militantes e coletivos político-culturais das periferias, político-midiáticos e de artivismo subversivo. A criação de um potente discurso altermundista não se dá somente na língua escrita, mas também com filmes digitais, peças independentes, grafite, dança de rua, festivais fora do eixo comercial etc. Tudo isso numa teia de relações transversais e colaborativas, em sinergia de ações e resistências, cada um na sua diferença, num ativismo de enxame. Essa rede mobilizada, que circula conhecimento e o reformula, que inventa e reinventa modos de organizar e produzir, esse movimento dos movimentos, já está arrancando audiência do Jornal Nacional, — e tem tudo para constituir uma força política além do esquema tradicional de governos e partidos.

Nesse caldeirão, nascem iniciativas de contrapoder, como o Wikileaks, a Wikipídia, o Anonymous, a Universidade Nômade, o Centro de Mídia Independente, o Outras Palavras, o Diário Liberdade, o Trezentos, entre tantos outros. Assim, não admira o vigilantismo da internet, com seus AI5 digitais e leis Sinde, mas também de modo mais sutil, como no controle de Facebook e tuíter. Não admira, tampouco, a reação das operadoras de telefonia contra a universalização da banda larga e o compartilhamento wi-fi, — que dobrou, pela força política (midiática), a minoria de esquerda na composição do governo Dilma. Enquanto isso, os movimentos sociais das rádios comunitárias, dos grupos de compartilhamento livre, dos coletivos hackers vêm sofrendo com a intensificação da criminalização.

Mas não sejamos ingênuos, nem nos furtemos à permanente e saudável autocrítica. As novas mídias por vezes acabam reproduzindo estruturas hierárquicas, onde a horizontalidade não é nada além de uma relação de força posta em questão. Os novos modos de organizar em rede e enxame significam, sobretudo, assumi-los como um campo de batalha, continuamente atravessados pela produção comum e pelas tentativas de capturá-lo comercial ou publicitariamente. É fundamental manter-se lúcido sobre os riscos e limitações da forma-rede. Não perder de vista a horizontalidade, o compartilhamento, a lógica de código aberto e o excedente de cooperação (em relação ao mercado), — que é o próprio trabalho vivo e que, portanto, faz vivificar o movimento social.

O que fazer?

Articular mais redes, empoderar mais gente no processo de produção de verdades e narrativas, promover mais espaços dialógicos e horizontais. Seguir debatendo-se contra o gigantesco polvo das comunicações, nesta democracia mais-que-imperfeita. E continuar lutando e blogando e tuitando, em suma, devir mídia.

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5 comentários para "A reforma política começa pela mídia"

  1. Queríamos convidar-los a conhecer o projeto Democracia Real Brasil (www.democraciarealbrasil.org).
    Somos uma plataforma social de apoio e organização de movimentos sociais que lutam contra a conduta abusiva de governos e instituições financeiras.
    Todas as decisões do movimento são tomadas através do voto de cada um dos integrantes, dessa forma queremos evitar que o movimento seja manipulado por interesses pessoais de uma determinada cúpula.
    O grupo de trabalho está sendo formado e estamos procurando pessoas que queiram participar ativamente dos trabalhos do movimento, aportando aquilo que for possível, participando dos debates e votando, o grupo já está trabalhando através do facebook.
    Os convidamos a conhecer a nossa proposta através do site indicado acima e se você quiser participar basta enviar um email para [email protected].
    Atenciosamente.
    Democracia Real Brasil
    Todos juntos por uma sociedade justa e voltada as pessoas.

  2. marcio disse:

    O movimento pode pressionar o estado por mais democracia na mídia. Mas isso cai num ciclo vicioso. Porque, para pressionar, tem que ter mídia, senão não faz efeito. (…hummmmmm sei não?)
    É preciso capilaridade social, construção de redes e formulação de discursos pervasivos. Então é preciso, primeiro, tornar-se mídia. Mais do que isso, uma mídia diferente, inovadora e alternativa — além dos vícios do bom jornalismo, da qualidade formal e de edição centralizada, que caracterizam a grande imprensa. (sei que tem gente boa ensinando os indios a filmar, a ser midia e tal… mas… nunca vi nada, assim, de verdade, tendeu???… encontrei em Juruti Velho – entre Para e Amazonas ali na fronteira dos estados – em uma comunidade que é um aglomerado de casas de uma mesma familia no meio da mata – dois irmãos que fizeram curso de foto e video relampago com um maluco que passou por la, mas… ficou na saudade, a galera não tem grana, mas tem talento, mas so talento não basta….)
    Quando os blogueiros progressistas reproduzem o mesmo modus operandi dessa mídia velha, não fazem outra coisa que fortalecê-la, reafirmando a estrutura conservadora. Fica parecendo que, no fundo, ambicionam ser grande imprensa eles mesmos, com o sinal trocado. E não progridem senão no caminho errado. (sei não…)
    …na fronteira – com a Colombia, Paraguai, Bolivia, etc – ta foda ser midia… ??? em Nhamundá o povo tem medo de ser midia e perder o emprego… idem em quase todo o Brasil que é grande pra daná e esta nas mãos de familias que se perpetuam nas prefeituras… quanto precisa pra ser midia, digamos, ali detras da chapada dos guimaraes???? mas não tem nem emprego… se alguem bancar eu rasgo este pais de norte a sul dando aulas,,, mas quem banca???? ah tem que ter seguro de vida bom, de onde eu vim, neguinho manda matar… talvez não o professor que passa por ali para dar aulas mas quem fica segurando o rojão depois que a festa passar??? tendeu?????
    … que garimpeiro quer ser midia no garimpo??? que lider sindical quer ser midia no sindicato??? que presidiario quer ser midia na prisão??? que politico quer ser midia no congresso??? tem jeito??? que policial quer ser midia na policia???? é isso??? cade a midia inigena????esta net so funciona em um ou outro lugar do Pais, anda por ai pra ver a real… midia quer dizer ter PC??? então f… é para uma minoria ainda… e seguimos…
    Vida Longa!

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