A invisibilização de Francisco

Em resposta a Papa que repercute mal-estar com o capitalismo e busca de alternativas, poder global adotou estratégia astuta: em vez da polêmica, o silêncio…

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Por Rodolfo Luís Brardinelli, no Pagina 12 | Tradução: Antonio Martins

Laudato Si, a encíclica social apresentada por Francisco, foi recebida por um sugestivo coro de elogios. Só destoaram alguns representantes da direita norte-americana, como Jeb Bush, Rick Santorum e outros, católicos e republicanos, para os quais “o Papa está vendendo uma linha de socialismo de estilo latino-americano” e deveria ocupar-se de “fazer as pessoas melhores, ao invés das questões que têm a ver com política”.

Tanta unanimidade no elogio a um documento que critica com dureza o sistema capitalista e o consumismo parece, pelo menos, estranha. Mais natural seria que uma encíclica para a qual a solução da crise é política, já que “o próprio mercado não garante o desenvolvimento humano integral, nem a inclusão social” recebesse também a crítica de uma longa fila de políticos, empresários, economistas, jornalistas e religiosos que se alimentam do sistema e agora se fazem de distraídos, ou lançam elogios formais. Gerentes, representantes e defensores do sistema mencionado pela encíclica como causador de desastre humanitário e ecológico – a quem seguramente não faltam motivos para mandar o Papa “ocupar-se de outras coisas” – foram mais astutos que Jeb Bush. Calam-se e esperam que a inércia conservadora, que também arrasta a igreja católica, termine por inviabilizar a Laudato Si, como aliás já fez com outro documento de Francisco com fortes definições sociais, a Evangelii Gaudium.

Para comprovar a vigência desta estratégia, basta reparar nos elogios parciais com que a encíclica foi recebida por empresários e jornalistas que desde sempre defenderam as supostas virtudes da desregulamentação liberal. Basta ver os sonoros silêncios dos políticos e meios de comunicação que apregoam a necessidade de um retorno – este, sim, disfarçado de “mudança” – às políticas de mercado e de ajuste dos anos 1990. Aconselhados pela “prudência política”, calam e esperam. Confiam que Laudato Si será em pouco tempo, por ação ou omissão da igreja, tão invisível como Evangelii Gaudium. Um ano e meio depois de sua publicação, já poucos nos lembramos deste documento, que também fez os acomodados rangerem dentes.

Evangelli Gaudium, é preciso recordar, é o documento em que Francisco diz que o desequilíbrio entre ricos e pobres “provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso negam o direito de controle dos Estados, quando estes se encarregam de velar pelo bem comum”. Que fez a igreja, que fizeram os bispos e padres para que esta ideia penetre na consciência e resulte em ação? Uma primeira impressão é que fizeram pouco ou nada. Esta atitude é demonstrada pela afirmação do diretor de uma importante editora católica argentina, ao explicar sua decisão de não publicar um livro sobre a encíclica. “Não vai vender, porque a Evangelii Gaudium não foi incorporada pelos agentes pastorais”, afirmou ele. O diretor não o disse, mas é claro que esta falta de penetração é consequência ou de uma decisão expressa, ou do desinteresse de quem define as formas de agir da instituição.

Apesar desta confissão, seria interessante comprovar a hipótese por meio de um trabalho de sociologia religiosa, que verifique quantos cursos ou seminários sobre a Evangelii Gaudium foram organizados pela igreja católica; quantos documentos ou pregações dedicaram-lhe os bispos; em quantas instruções pastorais sua difusão foi estimulada; em quantas matérias das universidades católicas ela é estudada; quantas paróquias organizaram alguma atividade inspirada na encíclica; quantas organizações de laicos a tomam como referência para sua ação; de que forma as Comissões de Justiça e Paz vêm trabalhando com ela etc etc etc.

Seria de esperar que a igreja, seus bispos e instituições trabalhassem de maneira que a Laudato Si não seguisse o mesmo caminho obscuro e, pelo contrário, se convertesse no que deve ser: um novo paradigma de evangelização. Mas é algo que está por acontecer. Enquanto isso, a invisiblização da Evangelii Gaudim é muito recente, e muito evidente, para não temermos que a história se repita. E que se justifique, assim, a estratégia dos poderosos, que mentem adesão ou calam… e esperam.

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4 comentários para "A invisibilização de Francisco"

  1. Thiago Cardoso disse:

    Muito bom Ronaldo. Como qualquer semente ela viaja pelos ventos, ela é enterrada por cutias e pacas, viaja no bico de papagaios, ou são semeadas por nossas mãos. Se estas sementes forem acolhidas pelas mãos dos cuidadores ai sim poderemos da semente termos frutos…
    sejamos os cuidadores!

  2. Ronaldo Silva disse:

    A invisibilização do Papa Francisco pode parecer algo novo e destrutivo, mas muitos foram e são invizibilizados, porque dizem palavras que não afetam a estrutura o a conjuntura vigente nas sociedades.
    São Francisco de Assis foi um dos muitos invisibilizados pela Igreja, quando trouxe ao debate religioso suas pregações antagônicas às questões vigentes na Idade Média.
    Para findar, o próprio Jesus Cristo, foi invisibilizado pelo lideres religiosos do Judaísmo e pelos lideres políticos, governamentais e econômicos do Império Romano.
    O que se tira de tudo isso? A palavra deve ser lançada ao vento e a natureza vai criar as condições de ser semeada.
    O Papa Francisco Savé dos seus limites mas está agindo como um semeador, que não estará vivo para colher os grãos e os frutos gerados pela sua ação semeadora.

  3. Marcio Ramos disse:

    … E NINGUEM NEM AÍ. A massa real fermenta conforme o fermento. A grande população de autonomos reacionarios precisam ser sempre manipulados, não conseguem caminhar livres de quem diga por onde devem andar, o que fazer e como fazer. Independente de qual cultura nasceu, onde estudou, se estudou,classe social etc,A pressão social moralista e arrogante e tão forte que poucos escapam, Se houvesse o mínimo de bom senso não existiria uma instituição religiosa neste mundão velho e bão.

  4. Laci Castro Rocha de Souza disse:

    Acho absurdo criticar as falas do Papa Frsncisco.

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