Crônica: O clã (não tão) secreto dos Punhos-Cerrados

Seu ritual iniciático mescla autoajuda e culto à virilidade, camuflados de transcendência e cuidado ao corpo. Opera através do sacrifício individual e do marketing de surdina. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência

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Por Caio Araujo

Existe um seleto grupo de guerreiros que ronda as mentes de quem sonha um dia se tornar um membro. Com data de fundação imprecisa, sabe-se que o grupo ganhou muita força na América do Norte, de onde saiu a desbravar novas conquistas no mundo subdesenvolvido. Os guerreiros são individualistas e adeptos da meritocracia hierárquica. Acreditam que qualquer um pode, como eles, se tornar um bravo vencedor, desde que se abstenham das distrações mundanas que atrapalham o caminho da glória; que perseverem, acreditem em si mesmos, e nunca, jamais, aceitem o “não” como resposta.

Embora haja uma predominância masculina, as mulheres não são impedidas de ingressar – e ultimamente, ao que tudo indica, têm subido na escala exitosa – ao menos é o que os líderes machos garantem.

O rito de iniciação tem percorrido as mais variadas cidades do continente sul-americano; em geral prometem uma experiência transcendental capaz de libertar o iniciado dos grilhões que até então o impedem de gozar da vida na plenitude. Lotam templos sagrados com cartazes de boas-vindas nos quais se vê um punho cerrado em chamas arrebentando correntes, símbolo característico da tribo. Vestem roupas formais e cumprimentam-se com simpatia e afeto; os recém-ingressados são os que demonstram estar mais à vontade e não raro disparam risadas exaltadas. Os antigos, ao contrário, são reservados, e alguns não disfarçam a fama de carrancudos. Creem ser necessário o semblante como sinal de autoridade. Não esbanjam ao comer, não riem alto, falam pouco e só entre si, a não ser quando são convidados a subir no altar onde dispensam a veneração concedida apenas aos grão-mestres e onde revelam os segredos da superação à legião que sonha se tornar um punho-cerrado.

Sobre o altar incide um jogo de luz que destaca a posição de quem tem a honra de nele ensinar. A prece começa em geral de forma anedótica, em algum lugar da juventude guerreira tão posta à prova das agruras de quem veio ao mundo triunfar. São, irremediavelmente, trajetórias sofridas, de dor, sangue e derrotas, sem as quais seriam indignos da vitória maior. Confiam no propósito da provação e, embora louvem divindades diversas, em comum reina a crença maior no autoconhecimento e no esforço individual.

Os cânticos sagrados são retirados de sagas e epopeias greco-romanas, e parece que não há uma só roda de reza cujas lentes divinas percam o flagra da lágrima de um crente emocionado. A emoção é, afinal, o objetivo do ambiente, a razão pela qual todos se reúnem para celebrar o começo de uma nova jornada, de um novo amanhã, de um futuro vencedor. Porque no templo sagrado dos Punhos-Cerrados a vitória é tão certa quanto os aplausos – e todos vocês que me ouvem aí debaixo, conclama o grão-mestre aos berros, amanhã estará sentado aqui do meu lado, tenha certeza, basta acreditar – e não desistir.

A comunidade Punho-Cerrado tem planos audaciosos de expansão. Para tanto, cada novo membro se responsabiliza por iniciar outros três, sob o risco de ser reprovado no período de experiência. Há uma métrica sofisticada de contabilização de novos candidatos. Para cada desafio, uma meta. Os que alcançam sobem um degrau na escada da glória. Aos que fracassam, são dadas duas novas oportunidades, o máximo que a tribo tolera de pusilanimidade. Embora tal preparação aparente uma rigidez excessiva, é comum entre os próprios iniciados a criação de subgrupos separando vencedores e vencidos, e estes, não bastassem as humilhações dos rivais, culpam-se a si próprios pela derrota; suas fraquezas são o motivo. Todos compartilham da ânsia em competir, mesmo sabendo que o destino só aceitará um único campeão no grupo, porque a magia dos Punhos-Cerrados reside justamente na sua brutal seletividade, na honra máxima conferida ao guerreiro que esmagou os concorrentes. 

O que causa mais estranheza no observador não-familiarizado é a capacidade do enredo de iniciação convencer quem parece estar ali suplicando para ser convencido. Nisso, não há dúvidas quanto à eficácia do rito. Muitos se dizem transformados e juram retornar mais fortes, pondo em prática tudo o que aprenderam, nem que tenham que aumentar a oferta do dízimo, já que para os Punhos-Cerrados não há nada mais sagrado que as oferendas. São elas que apaziguam a alma e purificam o espírito do iniciado – e dão vida a tudo o que ali se faz.

Embora o roteiro de iniciação seja o mesmo em todos os lugares por onde a tribo passa, a experiência de cada indivíduo, essa é bastante singular e profética. Desde o primeiro ato, asseguram os mestres, já se tem uma noção se o iniciado é digno da glória prometida. E ainda não se viu homem na terra que soube desvendar como essa comunidade consegue com um misto de autoajuda e virilidade garantir sucesso a todos os homens e ao mesmo tempo selecionar só alguns poucos meritórios.

É com lástima, porém, que os Punhos-Cerrados já anunciaram o encerramento de novas filiações. Ao que tudo indica, o grupo já cresceu tanto que daqui a pouco correrá o risco de se esfacelar se não recuar às tradições originais. É preciso se manter restrito para continuar alimentando os sonhos de quem está disposto a sacrificar tudo para ser aceito no clã. Os grão-mestres já avisaram que a próxima será a última turnê; será a última chance dos mortais descobrirem-se vencedores integrando esta que é a comunidade mais adorada no admirável mundo dos espíritos livres. Então não perca tempo. Largue tudo e junte-se a nós. Erga seu braço. Cerre o punho. Quebre a corrente. E grite: sou um vencedor! Eu mereço. Eu posso. Eu consigo. Você é tão especial e não sabe, que só subindo aqui no altar para descobrir a sua força interior que nós te ensinaremos a libertar.

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