Venezuela: Maduro abre diálogo nacional

Intitulado “Conferência de Paz”, processo inclui conversas com jornalistas, trabalhadores, religiosos, empresários e Promotoria. Oposição intransigente ausenta-se

Por Luciana Taddeo, em Opera Mundi

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Intitulado “Conferência de Paz”, processo inclui conversas com jornalistas, trabalhadores, religiosos, empresários e Promotoria. Ala intransigente da oposição ausenta-se

Por Luciana Taddeo, em Opera Mundi

Após duas semanas de protestos consecutivos contra seu governo, o presidente Nicolás Maduro instalou na noite desta quarta-feira (26/02) uma “Conferência de Paz” com diferentes setores do país. O evento foi boicotado pelos líderes do bloco opositor MUD (Mesa de Unidade Democrática), que classificou a iniciativa como um “simulacro”.

Empresários, jornalistas, religiosos, membros de diferentes instituições do Estado, artistas, trabalhadores e os poucos políticos opositores que compareceram tomaram a palavra, no qual expunham seus pontos de vista sobre a atual conjuntura do país. Tomando nota dos discursos, transmitidos em rede nacional de televisão, Maduro manteve tom cordial e acatou propostas, como a criação de uma “comissão da verdade” para a economia, proposta por Lorenzo Mendoza, presidente das empresas Polar, a mais importante do ramo alimentício no país.

“Esta convocatória se baseia no diálogo e no respeito e por essa razão abrimos a casa para um debate o mais amplo e tolerante possível”, disse Maduro, quem afirmou que o diálogo “é o caminho”. O presidente pediu respeito à Constituição, o fim dos focos de violência em protestos em pelo no país, que já terminaram em pelo menos 13 mortes, e a defesa de todos os setores contra o “intervencionismo”.

“Este não é um ato para palavras de ordem, nem vaias, nem aplausos, este é um ato para o diálogo. No máximo possível, tolerante e respeitoso”, disse Maduro ao começo do evento. “Esta convocatória aos diferentes setores empresariais, religiosos, políticos, institucionais, personalidades, setores de movimentos sociais, artísticos, intelectuais, a fizemos com a maior boa vontade, em primeiro lugar porque acredito profundamente no diálogo como caminho para a solução e tratamento dos conflitos. No mundo que estamos vivendo, os conflitos políticos não se podem responder pelas armas, nem pela violência”, explicou.

Um dos discursos mais significativos do evento foi o do presidente de Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela), Jorge Roig, que por diversos momentos repetiu: “Nosso país não está bem, presidente”. “O senhor tem que escutar outras vozes diferentes das que o acompanham, este é um país que neste momento tem protestos legítimos”, afirmou ele, dizendo que “isso não justifica a violência”.

Roig disse que Maduro é o “primeiro responsável” por acalmar os ânimos no país e que seu tom durante o evento é o “que se espera escutar de um chefe de Estado”. “Temos profundas diferenças com seu sistema econômico e com seu sistema político (…) vocês tem a responsabilidade de governo de até onde podem chegar com esse modelo e nós de tentar corrigir os erros que estão sendo feitos”, expressou.

O empresário abordou os maus indicadores econômicos do país, como a alta taxa de inflação (que fechou 2013 a 56%) e a de desabastecimento (de 28% em janeiro segundo dados oficiais), e pediu apoio ao setor, como se vê em outros países. “Amanhã temos que nos encontrar com grupos de trabalho onde empresários nos encontremos com nosso governo”, argumentou ele, admitindo que o conglomerado empresarial “cometeu erros” no passado  e que os reconheceu.

Roig se refere ao protagonismo da Fedecámaras no breve golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002, quando o então presidente da entidade, Pedro Carmona Estanga, se juramentou como chefe de Estado do país. O conglomerado também foi um dos responsáveis pela paralisação empresarial no país no início da década passada. “A Fedecámaras não está [aqui] para substituir nenhum governo, mas nenhum governo vai substituir a Fedecámaras”, disse Roig, pedindo que a página fosse virada.

Oposição

Outro indicador de que há setores dispostos ao diálogo foi a presença de Miguel Cocchiola, prefeito de Valencia, capital do estado venezuelano de Carabobo, no evento. Acusado por Maduro, antes das eleições municipais, de ser um “dono de empresas que recebeu dólares da República com as mãos na massa roubando”. o recém-eleito prefeito já tinha participado da iniciativa de diálogo com opositores levada a cabo pelo presidente no final do ano passado.

“Cerca de 50% dos venezuelanos estão de um lado que querem que você os escute, que você fale com essa gente. O país está dividido e anda buscando a paz, mas verdadeira, não que depois, amanhã, nos insultemos (…) de forma ou outra, o governo também tem que ceder, e deve escutar os outros 50% dos venezuelanos”, disse, ressaltando que não está de acordo com a “anarquia” em protestos ou o fechamento de ruas, como vem acontecendo.

Já Jorge Rodríguez, o prefeito chavista de Libertador, município de Caracas que abarca o centro da capital, se referiu ao discurso de Roig e afirmou: “O senhor diz que o país não está bem, e eu penso nas crianças da Venezuela com seus computadores [entregues pelo estado] (…) se erradicou o uso de ração de cachorros para consumo humano”, disse. “Eu estou feliz de viver no país que vivo porque me permite que continuemos trabalhando para corrigir os erros que tenhamos cometido”, expressou.

O jornalista Vladimir Villegas, que conduz um programa de entrevistas no canal Globovisión por sua vez, disse esperar que a reunião “não seja uma perda de tempo” e pediu a criação de uma comissão de trabalho permanente, com representantes de diversos setores para discutir os problemas de país. Segundo ele, é preciso criar um clima de confiança para o diálogo e a primeira reunião que deve ser levada a cabo é com estudantes que levam a cabo protestos, ao que Maduro respondeu estar disposto a fazê-lo já nesta quinta.

O deputado Pablo Pérez Fernández, do partido opositor Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente), pediu diálogo para a recuperação do aparato produtivo do país e que o governo copiasse o “modelo do [ex-presidente] Lula no Brasil”. “O que estou propondo é cooperação entre o setor público e o setor privado (…) também é uma proposta de inclusão”, disse, complementando: “Isso não é o neoliberalismo que se ensaiou na América Latina (…) e fracassou, porque colocou tudo em função do crescimento econômico e se esqueceu do ser humano”.

A representante da Promotoria geral do país, Luisa Ortega Díaz, afirmou por sua vez, que não é possível conquistar a paz quando se atentam contra as instituições. “O ataque desmedido e feroz que houve contra as instituições do Estado nunca se tinha visto (…) é preciso começar a depor essas atitudes”, disse ela, pedindo que as forças de segurança atuem apegadas à lei. “Pode acontecer que alguém cometa um excesso e viole os direitos humanos, mas os estamos castigando”, disse, sobre denúncias de violações de direitos em protestos e detenções.

Também estiveram presentes representantes de diferentes religiões. Um porta-voz do Núncio Apostólico leu uma mensagem do papa Francisco, na qual o religioso deseja “que cessem o antes possível violências e hostilidades e que todo o povo venezuelano, a partir dos representantes políticos e institucionais, atue para favorecer a reconciliação nacional através do perdão recíproco e um diálogo sincero”. A oposição venezuelana, cujos principais líderes não compareceram ao evento, pede mediação da igreja no diálogo com o governo.

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