Tudo é droga, nada é droga

Em protesto surpreendente, organizadores da Marcha da Maconha sugerem que critérios políticos-econômicos (nunca de saúde) orientam proibicionismo e projeto que o torna ainda mais tacanho

Por Dafne Sampaio, no blog do coletivo DAR

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Em protesto surpreendente, organizadores da Marcha da Maconha sugerem que critérios políticos-econômicos (nunca de saúde) orientam proibicionismo e projeto que o torna ainda mais tacanho 
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Por Dafne Sampaio, no blog do coletivo DAR

Por essa o Viaduto do Chá não esperava. Nesta terça-feira, 2 de abril, em plena luz do dia, o grupo que promove a Marcha da Maconha distribuiu drogas para os passantes sob a vigília educada de alguns policiais militares. O mundo ficou louco ou já estamos em um futuro mais civilizado? Nem uma coisa, nem outra, muito pelo contrário. O que aconteceu foi um protesto bem-humorado contra o Projeto de Lei 7663/2010 que prevê uma maior rigidez na lei antidrogas, na contramão de todas as discussões sobre o tema mundo afora, e que pode ser votado ainda este mês na Câmara.

Peraí, mas quais drogas foram distribuídas? Cigarros, cachaça Camelinho, conhaque Dreher, aspirinas, pirulitos em forma de coração, Fandangos, Flying Horse, trouxinhas de açúcar, revistas Veja e assim por diante. O objetivo era mostrar a hipocrisia da “guerra às drogas”, afinal o que faz uma droga ser considerada legal ou ilegal não são critérios de saúde e sim questões políticas e econômicas. Todo mundo está careca de saber que álcool e tabaco, drogas absolutamente legais, matam muito mais que todas as drogas ilegais juntas, mas esse pessoal legalizado tem um lobby poderoso e muita grana.

Enquanto isso, no Viaduto do Chá

Lutando contra gigantes, o pessoal da Marcha da Maconha (que acontecerá em São Paulo no dia 6 de junho) conseguiu chamar atenção da imprensa com essa história de distribuição de drogas. Nenhum jornalista se deu ao trabalho de ler na página do evento no Facebook uma observação importante: “serão distribuídas apenas drogas legais, favor não portar substâncias ilícitas”. A preguiça dos profissionais de imprensa, a vontade burra de ter manchetes “polêmicas”, ajudou e muito o evento, que teve uma ampla cobertura na internet e na TV (cito aqui matérias no Terra, no Estadão e na Carta Capital).

E o que propõe a PL 7663? Um aumento violento e desproporcional das penas por tráfico (um traficante de crack, por exemplo, pode ter uma pena maior que um assassino confesso pego em flagrante, e o resultado disso é uma lotação cada vez maior dos já lotados presídios), um cadastro das escolas para estudantes que usem drogas, terceirização da internação compulsória (instituições privadas ganharam uma baita grana para internar a seu bel prazer) e por aí vai o absurdo proposto pelo deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS). E mais absurdo ainda o fato de que o deputado é médico, um profissional que deveria cuidar de pessoas e não encarcerá-las.

Certamente o honorável (só que não) deputado não ouviu seu colegas médicos. Em reportagem da Agência Brasil, integrantes do Conselho Deliberativo da renomada Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirmam que “o projeto fortalece a estigmatização e o preconceito em relação aos usuários de drogas ao manter a criminalização do consumo e as políticas de internação compulsória e involuntária” e aprovaram por unanimidade uma recomendação para a retirada do Projeto de Lei da pauta.

Flagrante da distribuição de drogas pesadas no centro de São Paulo

Já o Conselho Federal de Psicologia (CFP) afirmou em nota que “o projeto poderá ainda aumentar as condenações, criando uma indústria de internações compulsórias, aumentando de forma exponencial a despesa pública e violando os direitos elementares de pessoas em situação de fragilidade social”. A PL 7633 só servirá para fazer o Brasil andar para trás na questão das drogas como bem diz o antropólogo Maurício Fiore (Cebrap/Neip) no texto “Drogas: o Congresso Nacional pode aprovar um enorme retrocesso” e o jornalista Denis Russo Burgierman, diretor de redação da revista Superinteressante, em “De volta a 1980”.

Então, você aí que gosta de gritar que “drogado tem tudo que morrer” precisa entender de uma vez por todas que dependência é caso de saúde pública e não de polícia. E que o problema verdadeiro, como bem diz o presidente uruguaio Pepe Mujica, não são as drogas e sim o tráfico de drogas, e isso vale tanto para as ilegais quanto para as legais (a famigerada Lei Seca norte-americana só serviu para aumentar a criminalidade e transformar, do dia para a noite, cidadãos comuns em bandidos). A descriminalização, e uma consequente legalização, são a chave de um futuro sem essa guerra estúpida onde nada se resolve e muito se perde.

p.s.: os malucos do centro de São Paulo foram pegando, uma a uma, as drogas (legais) distribuídas ontem no Viaduto do Chá. Só as edições da Veja sobraram.

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7 comentários para "Tudo é droga, nada é droga"

  1. LUCIANO disse:

    O PROTESTO FOI EQUILIBRADO ESCLARECEDOR E INFORMATIVO, ADORARIA VER A INDÚSTRIA DO TABACO EM APUROS, O BRASIL PRECISA TOMAR SUA POSIÇAO JÁ , HAJA VISTA QUE OS OUTROS PAÍSES DA AMÉRICA DO SUL VAO SE POSICIONANDO E O BRASIL NADA! BRASIL: FINALIZE SUA ESCOLHA!

  2. Marci disse:

    Uma coisa é certa, se legalizar a maconha a industria farmaceutica(mafiosa) vai sentir o baque, afinal, se ao inves de se comprar os tarja preta se fumar um cigarro de maconha que pode inclusive ser plantada na varanda, a queda da vendas sera vertiginosa!
    Isso nao pode!!

  3. A industria alimentícia é a maior traficante de drogas do planeta e mata mais e adoece a população mundial, muito mais que todas as outras máfias de drogas juntas. A alimentação é a base the saúde!

  4. Ainda que não concorde totalmente com o texto, reconheço que o protesto teve o dom de ser sutil e hilário ao mesmo tempo….quer dizer que sobraram só as "revistas veja"?/….kkkkkkkkkkkkkk.

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