Sobre Wikileaks e Facebook

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Combater as formas de exploração contemporâneas passa pela fuga dos mecanismos de identificação do sistema, mas também por sua sobrecarga, voltando suas lanternas insistentes contra as faces dos perseguidores paranoicos

Por Hugo Albuquerque, O Descurvo

A imagem acima já circulou bastante pela Rede. Nela, estão Julian Assange, criador de Wikileaks – a organização transnacional sem fins lucrativos que se prestou a desmascarar as tramoias da diplomacia americana pelo mundo – dizendo “Eu dou informação privada sobre as corporações para você de graça, e eu sou vilão” e Mark Zuckerberg – cabeça da popularíssima rede social Facebook – dizendo “Eu dou sua informação privada para as corporações por dinheiro, e eu sou o homem do ano”.

Recentemente, eu vi essa imagem no blog do Bruno Cava, usada por ele para demonstrar o que é “capitalismo cognitivo” – sim, uma imagem vale mais do que mil palavras, e esse chiste poupa algum tempo de explicação sobre as formas de exploração contemporâneas. Se o pós-fordismo é marcado pela virada do capitalismo ocidental em desenvolver sistemas de comunicação – e reproduzir nas suas redes, sua forma particular de exploração-, pensar sobre Wikileaks e Facebook, e seu papel nisso tudo, é fundamental.

A Internet, aliás, nunca esteve tão “social” quanto agora. As redes sociais engoliram a velha rede baseada na navegação livre e anônima, nos prendendo a uma territorialidade, que é o nosso próprio “perfil real”, isto é, à nossa identidade fora da rede, o que traz junto, por tabela, chefes, contatos, amigos, colegas de trabalho e escola/faculdade, além dos parentes – é a partir desse perfil que as pessoas passam a navegar, compartilhando links e fotos (suas vidas..), de tal modo que a navegação torna-se ancorada e identificada por definição.

Sempre se levantou a possibilidade de que os Estados, de repente, quisessem passar a identificar sistematicamente os usuários da Internet. Um temor com a sociedade disciplinar um tanto equivocado, uma vez que medidas desse tipo, quando aparecem, só o fazem como farsa – e nem possuem tanta efetividade assim, a julgar pela China. A sociedade de controle possui outros meios para regular o agir dos sujeitos, certamente, mais açucarados e sutis do que qualquer AI-5 Digital, embora elas devam ser combatidos também.

As redes sociais, de forma simpática e utilitária, colocam fim a necessidade do sistema identificar os usuários da rede de forma policialesca. E o Facebook é o top do top nesse esquema. Cada vez mais pessoas aderem à rede social de Zuckerberg e, diferentemente do fenômeno Orkut, não são apenas os mais jovens que estão usando o serviço, mas sim gente de todo o tipo.

O modo de exploração de Facebook volta-se à vida pessoal de seus usuários, seus afetos mais banais – aquilo que elas curtem, o que elas fizeram, quem elas amam etc -, tudo transferido para as corporações que, a partir de um perfil de consumo ultrafiltrado, vendem suas bugigangas. De repente, todas essas trocas de afetos desapareceriam se o site fechasse ou resolvesse apagar o que quisesse. Não existe produção explorada em um sentido clássico, mas a própria autoprodução do vivente em sua mais elementar sociabilidade.

Como qualquer mecanismo contemporâneo de exploração, até pela sua natureza de dispositivo de tecnologia de informação e de comunicação – como este blog, caro leitor -,  é possível explorar sua natureza, escapar às suas finalidades e subverter-lhe com muito mais facilidade do que um bem de capital industrial. Talvez por isso, a disciplina, enquanto representação, não tenha desaparecido por completo – nem o Facebook se escuse de fornecer o nome de seus usuários “incômodos” para os governos.

Aí, entramos em Wikileaks, grande novidade de um ano atrás. O papel desempenhado por Assange vai em um sentido precisamente oposto, divulgando informações privadamente tratadas pelos Estados acerca da vida e dos destinos comuns. O financiamento? Meras doações para a sobrevivência da organização. O empoderamento gerado foi enormíssimo.

Não, não foi por conta de Wikileaks que aconteceu a Revolução dos Jasmins – faísca da Primavera Árabe -, mas por meio dele – do mesmo modo que o homem passou a andar a mais de 5 km por hora, não dependendo mais de carroças, não por conta da locomotiva, mas por meio dela e  por conta da necessidade de se deslocar. Isso, a velha esquerda não compreende – ou não quer compreender, frustrada como está por conta do declínio do vanguardismo.

Combater as formas de exploração contemporâneas passa pela fuga dos mecanismos de identificação do sistema, mas também por sua sobrecarga, voltando suas lanternas insistentes contra as faces dos perseguidores paranoicos com espelhos, como fez Wikileaks – é preciso esvaziar e saturar a identificação ao mesmo tempo. Se Zuckerberg, derrotado no voto popular por Assange, foi eleito, ainda assim, homem do ano pela Time em 2011, certamente, 2012 é o ano do homem Assange com as corporações e os Estados postos em xeque – de Moscou até Washington.

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