Movimento LGBT pede mudanças em Cuba

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Mariela Castro, filha do presidente, é uma das referências quando se trata de direitos LGBT em Cuba

Num país que se rediscute, ativistas reivindicam reforma no Código de Família, para abrir espaço às uniões civis e adoção de crianças

Por Maíra Kubík Mano, no Opera Mundi

O cinema Fresa y Chocolate, em Havana, está lotado. Na entrada, fotos lembram o filme de mesmo nome que ganhou notoriedade mundial há mais de 15 anos. Os casais se acomodam entre fileiras de cadeiras e se sentam lado a lado. Burburinhos antes do início tomam conta da sala. Mas não se trata de uma sessão qualquer. A bandeira com um arco-íris decora o espaço e no lugar da tela, há uma mesa de debates. O tema da palestra: o amor gay.

Um jovem de 30 e poucos anos toma a palavra: “Sou muito feliz com meu companheiro. Estamos juntos há quase uma década”, diz, orgulhoso, fitando o amado na plateia. “Mas, mesmo que a situação tenha melhorado, devemos avançar em muitos aspectos. Há mitos que precisamos desconstruir, como o de que os gays são promíscuos. O modelo que impera aqui em Cuba é o heterossexual e nós — homossexuais masculinos — somos os mais discriminados. Eu quero ter o direito de construir uma família e de lidar com meu corpo como bem entender”. A declaração é seguida de efusivos aplausos.

Sentados na primeira fileira, travestis assoviam e riem. A mediadora do debate pede calma e lembra aos presentes — cerca de 50 pessoas — que aquele se trata de um espaço “aberto e livre”, onde todos poderiam falar. “Podem se manifestar, todos vão ter tempo para fazer perguntas.”

Diana, transexual, pega o microfone: “Já tive relações maravilhosas e outras fatais”. Pausa teatral para esperar as gargalhadas, que ganham a sala com rapidez. Ela prossegue: “Para mim, ter um par declarado é muito importante, porque estamos submetidos a pressões e ao repúdio da sociedade e de nossas famílias e precisamos ao máximo de apoio”. Segundo Diana, ela sempre teve problemas, mas nunca se sentiu vencida. E revela seu maior sonho: poder dar um beijo bem dado em público. Mais aplausos e urros emocionados.

Transformações sociais

Entre os presentes ao evento está Mariela Castro, uma das referências quando se trata de direitos LGBT em Cuba. Filha do presidente cubano, Raúl Castro, ela dirige o Centro Nacional Cubano de Educação Sexual e foi a principal responsável pela entrada em vigor, em 2008, da lei que possibilita aos transgêneros receber cirurgia de mudança de sexo de graça. Mas suas ambições não param por aí: Mariela também quer ver legalizados o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais.

Em um momento em que Cuba experimenta uma série de transformações – que vão da dispensa de meio milhão de funcionários públicos, deslocados para a iniciativa privada, até a regularização da propriedade particular de imóveis –, a alteração do código da família, datado de 1975, é considerada simbólica. Uma demonstração de que não só a economia está colocada em xeque em tempos tão delicados.

Havia uma expectativa de que essa discussão seria feita no VI Congresso do PCC (Partido Comunista de Cuba), mas ela não se concretizou. Para Mariela, que já estava relutante em acreditar nesse debate entre os líderes comunistas, a hora é de “sermos criativos, educar e mudar”. Segundo ela, “há sim vontade política para tanto. Temos que lutar pelas modificações no código da família. Precisamos colocar sobre a mesa todos esses novos elementos que não fomos capazes de ver antes”.

Além da força do movimento LGBT, a mudança no perfil das famílias cubanas é apontada como um dos motivos para a lei ser alterada. Pesquisadores envolvidos com as novas propostas indicam, por exemplo, que a célula familiar típica não é mais a do marido, esposa e filhos e isso precisaria ser reconhecido. Há famílias chefiadas apenas por mulheres, outras em que os avôs criam os netos, muitos casais divorciados e outros que estão unidos sem registro formal.

“Machista-leninista”

Para as feministas, esta discussão é também uma oportunidade de pressionar por alterações positivas. “O que nós fizemos em Cuba foi uma revolução “machista-leninista”, brinca a jornalista Isabel Moya, em alusão ao termo “marxista-leninista”. Professora do Instituto Internacional de Jornalismo José Martí, ela acredita que “52 anos de luta política e de espaço para as mulheres [a Revolução Cubana data de 1959] não são suficientes para acabar com 500 anos de opressão”. E acrescenta: “O dilema da sociedade cubana hoje está na subjetividade”.

Presente ao debate, Isabel se mostra contente com iniciativas como essa e defende a ampliação da discussão para toda a sociedade. “Precisamos estender o alcance dessa pauta. O preconceito está em cada um de nós, e na maioria das mulheres.

“Embora tenhamos feito uma revolução dos meios de produção, não conseguimos levar a cabo outra revolução, bem mais difícil que a primeira: a das ideias”, concorda um senhor sentado no chão da sala de cinema. “A sociedade cubana, como todas as outras do Ocidente, é repleta de preconceitos. Não é porque somos socialistas que mudamos mais rápido que os outros países”, completa ele, que preferiu não se identificar.

Sua fala se assemelha à de David, jovem personagem do filme Fresa y Chocolate: “Os erros são a parte da revolução que não é a revolução”, diria o militante comunista. O diálogo, escrito há tantos anos, permanece incrivelmente atual. “Quer dizer que haverá um comunismo onde os gays serão felizes?”, retrucava Diego, seu amigo homossexual, em tom desconfiado e ao mesmo tempo irônico. “Sim. Mas isso não vai cair do céu. Tem que lutar muito, principalmente consigo mesmo”, sentenciava David, propondo um “viva ao comunismo democrático”.

Quiçá esse também pode ser o bordão do movimento LGBT cubano.

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