Brasil: sempre distante da América Latina?

Escritor cubano Ricardo Montero sustenta: cultura brasileira tem influência em toda a região, mas país parece incapaz de superar distância em relação aos vizinhos

Por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior

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Escritor cubano Ricardo Montero sustenta: cultura brasileira tem influência em toda a região, mas país parece incapaz de superar distância em relação aos vizinhos

Por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior

Em entrevista à Carta Maior, o escritor, dramaturgo e roteirista de cinema cubano Reinaldo Montero fala da influência da cultura brasileira sobre a literatura, música e cinema cubano e do desconhecimento que a maioria da população brasileira tem da cultura latinoamericana. Vencedor do Casa de las Américas e de vários outros prêmios em Cuba, Espanha e França, Montero também fala sobre a relação entre inspiração e transpiração no ato de escrever, sobre o impacto da internet e das redes sociais na literatura e na relação dos autores com críticos e público, e sobre o atual momento da vida cultural cubana.

Marco Aurélio Weissheimer

Porto Alegre – O desconhecimento que a maioria da população brasileira tem em relação à cultura latino-americana não chega a ser uma novidade. Mas ele fica mais gritante e absurdo quando referido por artistas e intelectuais de língua espanhola que tem grande conhecimento da cultura brasileira. Em 1986, o jovem escritor cubano Reinaldo Montero, vencedor do prêmio Casa de las Américas naquele ano com a novela Donjuanes, foi convidado para a Bienal do Livro em São Paulo. Quando chegou ao hotel, em São Paulo, viu em um mapa que estava muito perto da esquina da Ipiranga com a São João. “Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil. Não sei quantos brasileiros podem ir a Havana e fazer algo assim…,” comenta.
Convidado para participar da Feira do Livro de Porto Alegre, Montero concedeu entrevista à Carta Maior e falou sobre a influência da cultura brasileira na literatura, cinema e música cubana. Escritor, dramaturgo e roteirista de cinema, Reinaldo Montero foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras (As afinidades, 1999). Na entrevista, realizada no Memorial do Rio Grande do Sul, ele também fala sobre a relação entre inspiração e transpiração no ato de escrever, sobre o impacto da internet e das redes sociais na literatura e na relação dos autores com críticos e público, e sobre o atual momento da vida cultural cubana. Ao final, aponta uma relação de escritores e dramaturgos, cujo trabalho ajuda a refletir sobre o atual estágio da civilização. Montero não é muito otimista: “Vivemos um momento adolescente como espécie. E tenho dúvida se vamos amadurecer algum dia”.
Além do Casa de las Américas, em 1986, Montero ganhou prêmios em Cuba, Espanha e França, já teve três roteiros filmados, várias peças encenadas e é autor de novelas, poesias e ensaios.
Há uma grande ignorância brasileira em relação à cultura da América hispânica, o que se aplica também ao caso da cultura cubana…
Reinaldo Montero: Sabe o que acontece? Os brasileiros, a maioria deles ao menos, não se sentem latino-americanos. Isso é muito curioso porque a influência do Brasil na América Latina e, em especial, em Cuba, é extraordinária. O conhecimento que há do Brasil em Cuba é enorme: o tropicalismo, o Cinema Novo, o primeiro título da coleção Casa de las Americas foi Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Essa influência é mais antiga ainda e chega até a música que vocês chamam de erudita. As Bachianas de Villa Lobos, em especial uma interpretação memorável que se fez da Bachiana nº 5, influenciaram o nacionalismo musical cubano, a música “culta”, como se diz em espanhol, nos anos 30 e 40. Depois, com o tropicalismo e o Cinema Novo, nos anos 50 e 60, poderia se dizer que a música brasileira era tão cubana quanto a cubana.
Eu vim para o Brasil pela primeira vez, em 1986, convidado pela Câmara do Livro de São Paulo, para a Bienal do Livro. Eu lembro que cheguei à noite e me levaram para o hotel. Quando cheguei na recepção do hotel vi num mapa da cidade que estava perto da Ipiranga com a São João. Ipiranga com São João? Alguma coisa acontece no meu coração…Eu saí do hotel e fui até à esquina da Ipiranga com São João, o que, naquele tempo, era muito perigoso. Esse é o exemplo vivo do conhecimento que há em Cuba sobre o Brasil. Não sei quantos brasileiros podem ir a Havana e fazer algo assim…
Pouquíssimos, certamente. E no seu trabalho como escritor, dramaturgo e ficcionista aparece essa influência também?
Nessa minha vinda ao Brasil em 1986 fiz minha primeira tentativa de ler português. Trazia comigo Grande Sertão Veredas e um parágrafo marcado para que meu amigo Humberto Werneck, jornalista da Isto É na época, me explicasse o significado. Neste parágrafo eu entendia todas as palavras isoladamente, mas não entendia nada. Perguntei a ele que respondeu: eu também não sei, quer que eu seja adivinho…Meu interesse pela literatura brasileira está baseado na Casa de las Americas que publicou no primeiro número de sua coleção latino-americana, nos anos 60, as Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Eu li o livro nos anos 70 e depois li outras histórias de Machado que foram publicadas um pouco mais tarde.
Depois li São Bernardo, que gostei muito mais do que Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Ou seja, desde o meu período de formação eu lia naturalmente autores brasileiros e, é claro, muitas outras coisas. Eu lia com uma fúria adolescente que evoco com nostalgia, com saudade, como diriam vocês. Também li a poesia de Drummond de Andrade e de Vinicius de Moraes. Um pouco mais tarde, chegou Clarice Lispector, sobretudo A paixão segundo GH, e, mais recentemente, Raduan Nassar. E todas essas leituras foram facilitadas pelas edições cubanas. Cabe lembrar também que na Casa de las Americas há um prêmio de literatura brasileira.
Quando é que você começou a escrever?
Comecei a escrever muito cedo, desde os 12 anos. Lamentavelmente não guardei esses contos. Depois, durante muito tempo, escrevi diários, que eu mesmo me encarregava de queimar, porque não gostava do resultado. Não me parecia nada interessante. Mas eu sou um escritor tardio. Meu primeiro livro foi Donjuanes, que ganhou o prêmio Casa de las Américas, em 1986. Eu já escrevia antes disso, é claro. Era inclusive poeta. Já não o sou, pois para ter a minha idade e ser poeta seria preciso ser sábio, o que não é o caso. Não seria tolerável um poeta como eu. Então, coloco a baliza para demarcar quando comecei a escrever a sério lá pelos anos de 1984, 1985. Em 1986, ganhei o prêmio Casa de las Américas e, a partir daí, começou minha caminhada.
E o seu trabalho acabou se ampliando também para os campos do teatro e do cinema. Como foi isso?
Eu comecei a escrever roteiros de cinema muito depois. E fiz isso porque recebi convites de diretores de cinema para que escrevesse roteiros. Três deles foram filmados [El encanto del regresso, Bajo presión e El vals de La Habana Vieja]. Também tive uma educação teatral muito importante. Fui assessor de diretores de teatro muito importantes em Cuba, como Vicente Revuelta, Berta Martinez, Raquel Revuelta, Abelardo Estorino. Trabalhar com esses diretores em uma mesa de preparação de obras foi uma verdadeira universidade. Aí comecei a aprender os rudimentos da dramaturgia, da história do teatro. Comecei a me preocupar com coisas que, até então, não estava preocupado. Antes de publicar a minha primeira novela, eu já escrevia roteiros. Todos somos, de alguma maneira, filhos do cinema. Nossas memórias mais antigas têm a ver com o cinema. Nos lembramos de uma sala de cinema quase como nos lembramos de nossas mães. Fiz o curso de Gabriel García Marquez sobre a redação de roteiros, que, na época, era de seis semanas, e que foi uma parte muito importante de minha formação também. Foram oportunidades que a vida me presenteou e eu creio que soube aproveitá-las
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