O poder e os partidos

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A crise do PSDB de São Paulo é o início de nova reconfiguração do quadro político, com o surgimento de novas legendas. Sempre chochas de idéias mas, como de costume,  infladas de interesses

Por Mauro Santayana, no Jornal do Brasil

Dizia Tancredo que Fernando Lyra tem narinas de cheirar os ventos da política. O pernambucano foi cáustico, mas não lhe faltaram argúcia e coragem, para dizer que não há partidos políticos no Brasil. Poupou, devido a razões aceitáveis, o PSB, hoje liderado, entre outras personalidades, pelo governador de seu Estado. É também certo que o PSB teve origem ideológica, tendo nascido da famosa Esquerda Democrática da UDN, que surgiu em Minas, com o Manifesto dos Mineiros. Fundado por João Mangabeira, que não pensava exatamente como seu irmão, o partido era liderado por homens de convicção, como os intelectuais Domingos Velasco e Hermes Lima.  Mesmo com essa origem, o PSB sofreu sucessivas crises de identidade, servindo de garupa para notórios oportunistas, como é o caso exemplar do locutor de rádio Garotinho e de sua mulher.

No processo de transição constitucional de 1945-46, contrapôs-se à UDN o PSD (Partido Social Democrático) também fundado em Minas, por iniciativa de Benedito Valadares. O terceiro partido, em ordem de grandeza, o PTB, já nasceu nacional, por ter sido criado por Getúlio Vargas. Por isso mesmo, no Brasil, foram os líderes que fizeram e desfizeram os partidos – e sempre de acordo com as circunstâncias regionais.

O PSDB nasceu de uma ruptura do PMDB, nos dois Estados em que o partido de oposição à ditadura era mais forte, em São Paulo e em Minas. Alguns dirigentes, sem apetite para a luta interna, insurgiram-se contra o governador Orestes Quércia, em São Paulo, e Newton Cardoso, em Minas. Não tiveram  paciência, essa indispensável virtude política – e, sob o pretexto da ética, promoveram a cisão. Enquanto os dissidentes se limitaram ao comando de Minas e de São Paulo, as coisas caminharam. Mas, quando o mineiro Itamar Franco levou Fernando Henrique à presidência da República, os tucanos paulistas se sentiram em condições de transformar sua hegemonia econômica sobre o Brasil em ditadura política sobre o partido nos estados, e, em conseqüência, por intermédio do governo federal. No fundo se trata de uma velha disputa entre as elites de São Paulo,  de visão favorável à internacionalização da economia, e os outros brasileiros, de sentimentos nacionalistas, que são mais nítidos em Minas, como se revelou na ruptura de Itamar com Fernando Henrique, na defesa da Cemig e de Furnas.

Essa situação se torna mais complicada hoje, quando a presidência da República está ocupada pela mineira Dilma Roussef. Assim como ninguém nasce impunemente em São Paulo, ninguém nasce sem Weltanschauung nacionalista em Minas. Quinta-feira, em Ouro Preto, não só ao evocar Tiradentes, mas ao solidarizar-se com o povo de Ouro Preto que, pela palavra do prefeito Ângelo Oswaldo, denunciou o saqueio de Minas pelas empresas mineradoras, ela reafirmou o seu DNA político montanhês. E não era para menos: na paisagem da região, aos buracos das lavras de ouro se acrescentam as paisagens amputadas e áridas, pela desmedida ânsia de lucro, fácil e rápido, das mineradoras de hoje.

Na base do raciocínio político, há apenas dois partidos: os conservadores e os progressistas. Na confusão semântica de nosso tempo, os conservadores se identificam como liberais, e os liberais políticos do passado se encontram hoje na esquerda.

Como bem apontou Lyra, o PT tampouco chega a ser um partido. Sendo uma federação de tendências, não foi capaz de impor um candidato seu à sucessão de Lula que, para não fragmentar a agremiação, foi buscar Dilma, um quadro recente, vinda do PDT de Brizola, para vencer o pleito presidencial.

A crise do PSDB de São Paulo é o início de nova reconfiguração do quadro político, com o surgimento de novas legendas, sempre chochas de idéias, mas, como de costume,  infladas de interesses.

E é com esse leviano simulacro de organizações partidárias que querem instituir o sistema de listas fechadas.

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Um comentario para "O poder e os partidos"

  1. mauricio moromizato disse:

    concordo com a fragilidade de muitos dos partidos,mas não será melhor instituir a lista fechada logo, para que assim os partidos se fortaleçam?
    Deixar como está me parece a mesma coisa que “deixar o bolo crescer para depois distribuir”.

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