Um roteiro para tratar com a China

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Relações do Brasil com Beijing podem representar uma grande oportunidade. Mas, por enquanto, parecem mais a reedição do infausto acordo Inglaterra-Portugal

Por Luis Nassif, em seu blog

Já é um clássico da história econômica mundial o acordo entre Inglaterra e Portugal que permitiu aos ingleses abrir espaço para os vinhos portugueses e, em contrapartida, inundar Portugal com produtos importados, arrebentando com sua manufatura e levando todo o ouro da Coroa.

As relações do Brasil com a China podem representar uma grande oportunidade. Mas, por enquanto, parece mais a reedição do infausto acordo Inglaterra-Portugal.

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É o que se conclui do trabalho “O canto da sereia”, de Jorge Arbache – professor da Universidade de Brasília .

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A corrente de comércio bilateral saltou de US$ 0,76 bilhão em 1989 para US$ 56,8 bilhões em 2010 – de 1,5% para 15% da corrente de comércio brasileira.

Entre 1990 e 2009 o Investimento Estrangeiro Direto (IED) acumulado da China no Brasil era de US$ 250 milhões. Em 2010 saltou para US$ 13,7 bilhões – 28% de todo o IED no Brasil. Para 2001, estima-se mais US$ 15 bilhões. Já o IED brasileiro na China não passa de US$ 85,3 milhões.

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O aumento do comércio com a China amenizou os déficits das contas correntes brasileiras que voltaram a se situar na casa dos 3,4%. Também ajudou a segurar a inflação brasileira, através do barateamento dos bens de consumo e bens intermediários. Esse foi o canto de sereia.

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Por outro lado, os produtos básicos e semimanufaturados – que representavam 43,5% da pauta de exportações – saltaram para 58,6% em 2010, enquanto os manufaturados passaram de 54,3% em 2006 para 39,4% em 2010.

71,5% dos investimentos no Brasil planejados para o período 2011/2014 são nos setores de commodities (petróleo e gás e mineração). Setores manufatureiros exportadores – como veículos, papel e celulose e têxteis e confecções – caíram de 13,4% para 11,9% dos investimentos.’

A participação da indústria manufatureira no valor adicionado caiu de 19,2% em 2004 para 14,8% em 2009. A desindustrialização não veio acompanhada do nascimento de um setor de serviços dinâmico e sofisticado. A produtividade do setor de serviços no Brasil é baixa e vem caindo desde 1980.

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Outro ponto preocupante foi a mudança do padrão de comércio, caindo o intra-industrial em favor do interindustrial. De 1989 a 2006 houve um contínuo crescimento do comércio intraindústria (aquela que fortalece a cadeia produtiva) – de 44% para 57%. De lá para cá, o comércio intraindústria recuou até 50% em meados de 2011.

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83,6% das exportações brasileiras para a China são de produto básico, contra apenas 4,5% de produtos manufaturados. 85% das importações brasileiras da China são de produtos de alto valor agregado.

Com uma baixa taxa de investimento em relação ao PIB (de apenas 17,4% entre 2000 e 2010), o Brasil poderia ser beneficiado pelos investimentos chineses.

No entanto, em 2010, 95% dos investimentos estrangeiros foram para produtos básicos para exportação, com destaque para petróleo.

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“Há, portanto, razoáveis evidências de que as relações econômicas com a China contribuem para fomentar, reforçar, encorajar e estimular a produção e a exportação de produtos básicos e a estagnação da produção industrial” constata Arbache.

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Não significa que o Brasil deva abrir mão da parceria com a China, mas significa que o pragmatismo tem que ser substituído por uma visão estratégica.

A negociação comercial

Arbache divide as negociações em duas frentes.

A primeira, o comércio e acesso a mercado. Há a necessidade da China abrir seu mercado para produtos manufaturados brasileiros e aumentar o comércio intraindustrial. Não apenas coibindo abusos de comércio como reconhecendo a assimetria do fator câmbio. everia haver metas de agregação de valor e de conteúdo nacional por empresas chinesas nas áreas de recursos naturais operando em território nacional.

A negociação financeira

Na área de investimento e financiamento, maior equilíbrio e isonomia de regras para que as empresas brasileiras possam se beneficiar das oportunidades de crescimento do mercado chinês. E é preciso maior participação do investimento chinês em áreas prioritárias. Como infraestrutura e greenfield (novos projetos) e encorajamento de investimentos que envolvam parcerias e transferências de tecnologia.

A manufatura no PIB

O trabalho mostra que a manufatura representa 14,8% do PIB brasileiro. Dentre dez países selecionados, apenas Canadá (14,2%) e Estados Unidos (13.1%) têm proporção menor – mas são países altamente eficientes na área de serviços. A manufatura representa 33,9% do PIB chinês, 27,7% da Coréia do Sul, 21,2% da Argentina, 19,9% do Japão, 19,1% da Alemanha, 18,6% da Áustria, 17,7% do México. No caso brasileiro, caiu de 19,2% em 2004 para 14,8% em 2009.

Os créditos da China

A China se tornou importante fonte de crédito externo para o Brasil. Mas em geral esta vinculados a projetos de produção, logística ou comercialização de produtos brasileiros. Em 2009 o China Development Bank (CDB) concedeu empréstimo de US$ 10 bilhões à Petrobrás. Mas o empréstimo foi garantido por contrato de dez anos de exportação de 200 mil barris de petróleo/dia, constata Arbache em seu trabalho.

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4 comentários para "Um roteiro para tratar com a China"

  1. antonio rodrigues disse:

    nassif,
    sou favoravel a que o importador da china no brasil seja OBRIGADO a exportar para a china conforme o tamanho da sua empresa, pequena ou grande. isso faria o seu fornecedor na china se obrigar tambem a colocar o produto brasileiro em seu mercado. teu discurso e muito bom. mas sendo tu, quem sabe desenvolva esta ideia. NAO VAMOS DEIXAR O BRASIL REEDITAR O O ACRODO PORTUGAL – INGLATERRA. temos a vantagem de estar vivendo 200 anos depois!
    sempre alerta, antonio rodrigues

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