Maconha: a experiência de Carl Sagan

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No mês das marchas pela legalização, vale especular também sobre efeitos psíquicos da planta. Para astrônomo, além de influir na percepção da música e do sexo, ela favorecia insights psicanalíticos e teóricos

Por Antonio Martins

São Paulo e outras cidades brasileiras realizarão, neste sábado, mais uma Marcha da Maconha. Em tempos de golpe e de graves ameaças de retrocesso, é possível que a manifestação recupere parte da centralidade que teve em 2011 ou 2012 — quando foi um dos espaços para formação de uma nova geração política. É o que ocorreu, neste sábado, em Buenos Aires. Em meio ao ataque aos direitos sociais e a medidas de repressão política, adotadas pelo governo de Maurício Macri, mais de 100 mil pessoas reuniram-se numa marcha que, normalmente, atraía poucos milhares.

Mas qual é, de fato, a importância de lutar pela legalização e controle público do uso de substâncias psicoativas? As sociedades parecem compreender cada vez melhor que a descriminalização tem enorme papel na garantia de uma nova segurança pública — já que retira das organizações criminosas, e dos policiais corruptos, o que é hoje um monopólio. Às vésperas da marcha, contudo, vale abrir também o debate sobre um tema-tabu. A maconha, e outras drogas que alteram a percepção normal da realidade, têm valor psíquico, além do recreacional? Estas propriedades compensam os riscos à saúde pessoal e pública representados pelos casos de abuso?

Para enriquecer o debate, o site High Times, partidário da legalização, republicou há dias uma opinião ilustre: a do grande astrônomo e escritor norte-americano Carl Sagan. Conhecido tanto por suas contribuições teóricas relevantes quanto por seu trabalho extraordinário de divulgação científica — que deu origem, entre muitos outros trabalhos, ao livro e à série Cosmos –, ele foi também um ativista político. Ficou famosa, por exemplo, sua denúncia do programa de militarização do espaço pelos EUA, iniciado no governo Ronald Reagan sob o nome Star Wars.

Sagan morreu em 1996, de pneumonia. O texto estampado por High Times é um trecho do livro Carl Sagan, uma vida, escrito  três anos mais tarde por seu biógrafo, Keay Davidson. No trecho, Keay cita a entrevista que Sagan concedeu anonimamente, em 1971, a outro grande cientista — este ainda vivo: o psiquiatra Lester Grinspoon, autor de Marijuana Reconsidered. Grinspon conta que Sagan, seu colega na Universidade de Harvard e melhor amigo durante três décadas, era um usuário regular de maconha. No depoimento, o astrônomo conta que tomou contato com a planta no início dos anos 1960, na universidade, atraído pela “aparente euforia” que o uso provocava em alguns de seus colegas e pelo fato de não provocar dependência psicológica.

Nas primeiras experiências, não houve efeito algum. Na quinta ou sexta tentativa, porém, passou a senti-los. Enxergava formas inusitadas na fumaça e “assistia” a filmes projetados em seus globos oculares. A droga ampliava a sensação de prazer provocada pela música e comida (mesmo uma simples batata…). Tornava o sexo mais intenso: “a marijuana oferece uma sensibilidade rara, e ao mesmo tempo adia o orgasmo, em parte distraindo-me com a profusão de imagens que passa diante de meus olhos”. Mas, além disso, provocava percepções psicanalíticas importantes:

“Às vezes, um tipo de percepção do absurdo me vem, e vejo com terrível certeza as hipocrisias e encenações que eu e meus amigos praticamos. Há um mito sobre estas viagens. O usuário teria a ilusão de um grande insight, mas ele não sobreviveria ao escrutínio da manhã. Estou convencido de que é um erro, é de que os insights tremendos obtidos sob o efeito da droga são reais. O principal problema é organizá-los de forma aceitável para o self muito diferente que somos quando despertamos no dia seguinte. Alguns dos trabalhos mais difíceis que já tive foram descrever estes insights por escrito ou em gravações. O problema é que a cada lembrança, pelo menos dez ideias ou imagens ainda mais interessantes são perdidas”, afirmou Sagan.

Alguns destes insights, considerou ele, tinham importância política:

“Descubro que a maior parte dos insights que tenho quando estou ‘alto’ têm a ver com temas sociais… Lembro-me de uma ocasião, em que entrei no chuveiro com minha mulher. Tive uma ideia sobre as origens e a não-validade do racismo em termos de curvas de Gauss. Era algo óbvio, de certa maneira, mas poucas vezes mencionado. Desenhei as curvas em sabão, na parede do chuveiro, e fui escrever a ideia. Uma ideia levou a outra, e ao fim de cerca de uma hora de trabalho extremamente árduo, descobri que havia escrito 11 ensaios curtos sobre uma vasta gama de temas sociais, políticos, filosóficos e sobre biologia humana. Usei-os em falas na universidade, apresentações públicas e em meus livros”.

A maconha também contribuía para a formulação científica de Sagan? Sobre isso, ele não foi tão assertivo. Afirmou que

“Fiz esforços consciente para pensar sobre alguns problemas particularmente difíceis em meu campo, sob efeito da maconha. Funciona, ao menos até certo ponto”.

Certa vez, após fumar, ele pensou numa “possibilidade muito bizarra”, capaz de conciliar certos fatos disparatados, algo em que

“Eu nunca teria pensado quando sóbrio. Escrevi um documento que menciona esta ideia de passagem. É muito improvável que possa ser verdadeira, mas tem consequências que são experimentalmente testáveis, o que é a base de uma teoria aceitável”.

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3 comentários para "Maconha: a experiência de Carl Sagan"

  1. Adilson disse:

    Esta é uma ótima pergunta, Telmo. Mas nem todos (infelizmente) percebem.

  2. Telmo disse:

    Texto instigante e a propósito dele:
    Por que cervejeiro é empresário e dono de “boca de fumo” é traficante?
    http://saudepublicada.sul21.com.br/2015/10/05/por-que-cervejeiro-e-empresario-e-dono-de-boca-de-fumo-e-traficante/

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