Escola Sem Partido: a pauta bomba que abrirá 2020

Depois de garantir a retirada de direitos sociais, Rodrigo Maia forma Comissão para discutir projeto de desmonte do ensino crítico. Parada desde 2018, proposta retornará na esteira do programa de militarização das escolas

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Por Viviane Tavares, na EPSJV/Fiocruz

Retornou à Câmara dos Deputados a indicação, por meio do Presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de criar a Comissão Especial para discutir o projeto de lei 7180/14, que institui o Escola Sem Partido. Até o fechamento desta matéria, a proposição ainda estava em processo de recebimento de indicações com 22 nomes, entre titulares e suplentes. No total, serão 34 em cada posição.

A última Comissão criada em 2018 teve seus trabalhos encerrados no mesmo ano após exaustivas discussões. Deputados da oposição ao projeto apresentaram diversos requerimentos regimentais na tentativa de obstruir o processo e, ao fim da comissão, deram como vitoriosos por conta da votação não seguir adiante. Em 2019, o debate retomou por conta dos Projetos de Lei 502/19 ei 246/19 apresentados pelas deputadas Taliria Petrone (PSOL-RJ) e Bia Kicis (PSL-DF), respectivamente, mas ambas as matérias não foram votadas. Agora, no encerramento do ano, Rodrigo Maia anuncia que este assunto pode voltar à tona. É importante lembrar que Maia já havia acordado que não debateria questões relacionadas às pautas “morais” antes das ditas “econômicas”. Até a aprovação da Reforma da Previdência em novembro, ele, de fato, cumpriu sua promessa.

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), voz atuante na derrubada do projeto em 2018, avalia esse anúncio: “Recebemos com indignação a notícia porque ele [Rodrigo Maia] finge ser uma direita moderada, se apresenta como mais palatável, mas faz o jogo da extrema direita”. Segundo o deputado, essa é uma estratégia do Presidente da Casa enquanto aprova pautas impopulares. “As pautas ditas econômicas, mas que são de retiradas de direito, são muito nefastas e causam descontentamento, por isso precisam vir acompanhadas de uma agenda que calem o pensamento crítico. As Universidades, os Institutos Federais, a educação pública como um todo reagiu de maneira contundente contra o governo de Jair Bolsonaro. Entendendo que pode haver ampliação ao movimento de resistência ao que está sendo promovido por Bolsonaro, mas articulada também por Maia no legislativo. A chantagem é: se tiver uma mobilização, a gente amplia o processo de criminalização da educação, dos professores e profissionais da educação. Não me surpreende que com uma escalada dessa agenda. É uma ação, no mínimo, irresponsável e dissimulada”, afirmou.

Sobre o projeto e atuação na Comissão

Para Fernando Penna, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Movimento Educação Democrática, o movimento contrário a esta pauta continuará a articulação com parlamentares progressistas. “Com essa articulação, conseguimos obstruir e pautar a discussão de outra maneira. São apenas reações reativas, mas absolutamente importantes”, avalia.

Jordy, que apoia o projeto, aposta também na discussão da pauta. Para ele, a sociedade ainda precisa entender em detalhes a proposta. “Uma comissão especial para debater o Escola Sem Partido é de suma importância. É uma realidade brasileira da doutrinação nas escolas e nas universidades. E o Congresso e o Senado devem ser espaços democráticos para discussões como essa que impactam a sociedade”, anuncia.

Ao projeto 7.180/2014 foram apensados outros projetos que tramitam em conjunto. Todos partem de uma base comum, que é abordar o artigo 12 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, onde estabelece que a educação religiosa e moral devem ser de acordo com as convicções dos pais. Penna apresenta que é a partir daí que vem a interpretação de que a escola não educa, apenas instrui. “É uma interpretação distorcida e que traz ainda a criminalização do professor e limitação ao extremo do ambiente escolar”, conclui.

Entre os pontos críticos a serem discutidos na Comissão, Fernando aponta dois que foram apensados pelo recente projeto proposto por Bia Kicis – o artigo 7º que garante o estudante o direito explícito de gravar as aulas e o artigo 8º que veda aos grêmios estudantis a promoção de atividade político-partidária. “O projeto vem evoluindo de acordo com as resistências e as demandas, a partir de seu público alvo. Eles tiraram artigos obviamente inconstitucionais e acrescentaram mais cerceamento para pluralidade de ideias e autonomia pedagógica”, comenta. Os parlamentares de oposição ao ESP usam a mesma estratégia emendando o projeto. Desta forma, ganham tempo protocolar para não levar o projeto à votação, além de ampliar as discussões em torno da temática. “Todas essas iniciativas são válidas, porque precisamos usar todas as estratégias possíveis para impor barreiras a essa barbaridade, mas falta ainda uma discussão de base. Estamos montando agora uma estratégia mais propositiva”, anuncia.

Entre as expectativas para o campo mais retrógrado está a inclusão de um projeto de lei   1.411/15, de Rogério Marinho (PSDB/RN), que propunha alterar o Código Penal na tentativa de tipificar o crime de assédio ideológico, que poderia chegar de três meses a um ano de detenção e multa. Quando apresentado, o próprio Movimento Escola sem Partido publicou nota contra essa iniciativa.

Braga ratifica a posição do bloco de oposição de 2018 e diz que a articulação da bancada é trabalhar na obstrução. “Não existe negociação com fascismo e com a tentativa de calar o pensamento crítico. Vamos ter que trabalhar para que essa matéria não ande e seja rejeitada por definitivo”, avisou.

Novos capítulos, mesmas disputas

Maia não está sozinho no retorno dessas pautas mais conservadoras para unidades escolares. O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, em setembro deste ano, enviou a todos os secretários de Educação nos estados, municípios e no Distrito Federal, bem como para os presidentes do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) um ofício que denominou de ‘Escola para Todos’ com as diretrizes para um melhor convívio escolar. Entre os pontos que o documentava tratava estavam como direito dos estudantes o de não ser submetido a uma comunicação comercial inadequada – como propagandas político-partidárias. Em entrevista coletiva e em nota publicada no site do Ministério, Abraham Weintraub afirmou que queria criar uma geração sadia, humana e civilizada e que respeitaria o direito do professor de ensinar, mas “sem doutrinar”.

Outra iniciativa é o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, anunciado pela mesma Pasta em novembro. A proposta pretende implantar 216 escolas cívico-militares até 2023. Para 2020, há R$ 54 milhões para 54 escolas.  Cerca de 1.000 militares da reserva das Forças Armadas, policiais e bombeiros militares da ativa foram convocados para atuar na gestão educacional das instituições, como informa o site do programa. 

Para o coordenador do Movimento Educação Democrática, são essas outras formas de cerceamento que mais preocupam os integrantes do movimento. “Tenho visto uma pauta de discussões via militarização. Ela tem sido uma temática mais difícil de combater porque tem mais adesão. As pessoas acham que as escolas não têm disciplina e defendem sem saber a realidade de um projeto de militarização”. De acordo com o professor, o maior prejuízo é a perseguição a estudantes e professores. “Muitos professores têm se sentido cerceados, como se o projeto [Escola sem Partido] já estivesse valendo. Há, inclusive, uma autocensura por medo, por já se sentirem e estarem perseguidos”, reflete.

Braga, que costuma chamar essas iniciativas apontadas por Fernando de tribunais pedagógicos, diz que querem implantar uma espécie de Lava Jato da educação pública. “Isso atende a dois objetivos: se por um lado cala ou tenta calar, do outro lado desmonta a educação pública. Não tem outra reação a não ser reagir com a mesma contundência”, responde.

Jordy informou também que foi preocupado pessoalmente pelo representante do Movimento Escola Sem Partido Miguel Nagib para compor a comissão. Segundo ele, a deputada Bia Kicis e Felipe Barros também receberam o apelo do Movimento. “Sempre levantamos essa bandeira como ativistas e enquanto vereadores apresentamos esse projeto nas casas legislativas municipais. Isso foi um pedido dele para que nós estivéssemos à frente da Comissão para que o trabalho avançasse e que o debate pudesse progredir para o convencimento dos demais parlamentares e sociedade como um todo”, analisa.

Foram procurados para esta matéria, Miguel Nagib, coordenador do Movimento Escola Sem Partido, que se negou a dar entrevista; e o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, via assessoria de imprensa, que não retornou os inúmeros contatos.

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