Desemprego: a tática para maquiar informalidade

Não bastasse os cortes no Censo 2020, Bolsonaro cogita integrar dados de precarização aos de ocupações formais, para simular crescimento no emprego. Sociólogo analisa tática, usada para branquear população no auge das ideias eugenistas no país

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Por Maria Emilia Alencar, na RFI Brasil

Esse ano, os mais de 70 milhões de lares brasileiros devem participar do Censo. Por razões orçamentárias, a operação deve custar R$ 2,3 bilhões, contra os R$ 3,1 bilhões que estavam previstos. Além disso, o questionário de base passará de 34 para 25 perguntas.

Mas essa não é a única mudança desta edição da pesquisa. “Bolsonaro deu várias declarações de que gostaria que o IBGE integrasse na estatística de emprego no Brasil as ocupações informais”, alerta o sociólogo e historiador Alexandre Camargo, professor da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O especialista em censos demográficos e estatísticas públicas chama a atenção para essa mudança. Atualmente, os trabalhadores informais são contados separadamente, afim de monitorar a condição do emprego no país.

“Todo trabalho informal seria considerado como parte de um mesmo conceito de emprego, segundo gostaria o presidente. E a resistência técnica é muito grande em relação a isso”, insiste. De acordo com Camargo, isso representaria “uma manipulação da imagem”. Para o especialista, um censo que não faz distinção entre empregados formais e informais contribuiria para o mito de um “Brasil idílico”, partindo do princípio de que “não existe precarização do trabalho no Brasil e que, na realidade, o governo é eficaz”.

Dados raciais já serviram para “branquear a população”

Esse risco de maquiagem da realidade não é novo. Camargo, que estudou todos os Censos do país, enumera os episódios nos quais os dados compilados nem sempre retratavam o Brasil. Como em 1872, na primeira pesquisa, quando todos os brasileiros eram automaticamente catalogados como católicos, ou que todos os escravos eram listados como africanos, mesmo depois da abolição do tráfico e que muitos haviam nascido no país.

Outro exemplo é o da categorização por cor e raça, que durante muito tempo contribuiu para “branquear a população”, ao ponto de ser excluída das estatísticas. A questão racial “não foi contada no censo de 1920, que era o auge das ideias de eugenia no Brasil”, lembra o especialista. Este também foi o caso durante era Vargas, no censo de 1940, quando a dimensão racial “foi retirada para que a população aparecesse mais branca diante da conjuntura de guerra e do nazismo”, aponta Carmargo, de passagem por Paris como professor visitante da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.

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