Águas: assim a França reestatiza

Depois de Paris, também Lyon, terceira maior cidade, restabelece serviço público. Principal gestora explica: não é apenas por princípios. Ao livrar abastecimento da lógica do lucro, foi possível fazer política social, combater a contaminação e estabelecer democracia

Centro de Lyon, cortada pelos rio Reno (na foto) e Saône. Desde o início desta ano, riqueza hídrica da metrópole não está mais submetida às lógicas da privatização e do lucro
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Anne Grosperrin, entrevistada por Ana Lúcia Britto, do Ondas

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O Ondas, parceiro editorial de Outras Palavras, produz semanalmente um boletim sobre o Direito à Água e ao Saneamento. Veja, na última edição: Em Manaus, onde água foi privatizada, moradores cavam poços em busca do líquido — mas começam a se organizar. A dívida eterna com o saneamento rural. Gaza tornou-se cemitério de milhares de crianças. Webnário do Ondas reúne mulheres que falam de saneamento , além de outras notícias e artigos

Como parece difícil livrar o Brasil da submissão aos mitos neoliberais. Na última sexta-feira (3/11), a privatização dos serviços públicos produziu mais um desastre. Uma chuva especialmente forte deixou metade de São Paulo em blecaute. Três dias depois, quase um milhão de pessoas permanecia sem luz. Embora de direita, o prefeito Ricardo Nunes, reconhece: a causa principal não foi o temporal – comum nesta época do ano –, mas o desmonte das equipes de manutenção, para reduzir custos e ampliar lucros. Matéria do portal UOL detalha: em apenas quatro anos (entre 2019 e 2023), a Enel, multinacional italiana que assumiu os serviços, livrou-se de 36% de seus trabalhadores. Ainda assim, as privatizações de serviços públicos persistem, mesmo no governo Lula – atingindo agora as águas. O ministério da Fazenda aplaude e o BNDES financia. Enquanto isso, ambos mantêm à míngua as empresas públicas de saneamento. É como se a mercantilização de todas as esferas da vida fosse uma fatalidade.

A entrevista a seguir é a demonstração cabal de como esta ideia é falsa. Integrante do partido Os Verdes1, a educadora Anne Grossperrin foi eleita por voto popular, em 2020, vice-presidente da região metropolitana de Lyon – composta pela terceira maior cidade francesa e 58 municípios de seu entorno, que reúnem 1,4 milhão de habitantes. Três anos depois, ela assumiu a presidência da Eau Publique du Grand Lyon [Água Pública da Grande Lyon], a empresa formada após a reestatização do abastecimento hídrico na cidade.

As duas tarefas estão intimamente ligadas. Um dos pontos centrais da campanha de Anne ao governo metropolitano foi encerrar a concessão do serviço à Veolia, uma grande corporação privada. Ou seja: evitar a privatização é possível e pode ser altamente popular. Lyon, aliás, não é um caso isolado. Além da própria Paris, que republicizou sua água já em 2009, centenas de cidades em todo o mundo estão adotando idêntica providência. Entre os inúmeros casos, incluem-se capitais europeias (como Berlim e Budapeste), latinoamericanas (Buenos Aires e La Paz) e africanas (Maputo e Bamako). O movimento está descrito em vasto ensaio publicado, no início deste ano, pelo Transnational Institute.

A virada está ocorrendo devido a um avanço da consciência política. Anne Grosperrin explica: “Á água é um bem comum que só pode ser gerido a partir do interesse geral. Uma prestação pública tem dimensões sociais, ecológicas e econômicas. Não é o mesmo propósito de uma prestação privada. Não temos como objetivo obter lucro”. Mas esta defesa clara do Comum não se limita a um discurso ideológico. Assume concretude em ações como a garantia de água limpa a toda a população sem-tento da metrópole. São hoje 3 mil pessoas, que – sinal da desigualdade crescente na Europa — vivem em barracas, traillers ou carros. Para assegurar seus direitos, a empresa pública instalou banheiros e chuveiros em quantidade, além de fornecer fichas para uso de lavanderias.

As novas políticas desdobram-se em programas ecológicos. Em defesa da saúde da população de Lyon e seu entorno, a Eau Publique emprega equipes de profissionais empenhadas em garantir – por meio de consciência e controle – que não se usem, nos cultivos da região, defensivos agrícolas capazes de contaminar as águas. Compare-se esta atitude com o corte de 36% do pessoal de manutenção da Enel, em São Paulo…

Anne Grosperrin frisa as possibilidades abertas pela gestão pública para a participação popular. “Os Ecologistas defendem sobretudo a gestão coletiva dos recursos essenciais”, diz ela. E explica: “A gestão da água era muito tecnicizada na fase da prestação privada. A empresa tinha de uma perspectiva extrativista; hoje queremos que os cidadãos se reapropriem da dimensão política que envolve a gestão de um bem comum, em uma perspectiva democrática dessa gestão”. Esta atitude incluiu, em termos institucionais, a reforma do Conselho de Administração da empresa, em que foram incluídos quatro usuários. São escolhidos por um coletivo mais amplo, a Assembleia de Usuários, composto por 91 pessoas em permanente contato com as populações servidas pela companhia pública.

A entrevista, publicada a seguir, foi realizada em julho de 2023 por Ana Lucia Britto, conselheira do Observatório Brasileiro do Direito à Água e Saneamento – o Ondas – e professora da UFRJ. Há Mais informações sobre a volta à gestão pública da água na França nesse artigo, publicado pelo Ondas (A.M.).


Anne Grosperrin: “Era preciso retomar o controle sobre nossas águas”

Ana Britto: A Eau Publique du Grand Lyon assumiu em 1° de janeiro último a prestação do serviço público de abastecimento de água. A mudança pôs fim a uma concessão de 30 anos à Veolia, poderoso grupo multinacional com origem na Compagnie Générale des Eaux. Em que condições a Veolia devolveu a infraestrutura de água da região ao poder público? Restaram pendências a serem equacionadas pelo Poder Judiciário? Há litígios na justiça?

Anne Grosperrin: Na verdade, não se trata de uma concessão de 30 anos. A Veolia teve delegações de serviços públicos, o que é chamado de “délégations de services publics” (DSP) na França, por 30 anos, mas o último contrato foi renegociado entre 2012 e 2015. Vigorou entre 2015 e 31 de dezembro de 2022. Portanto, foi uma DSP de 7 anos, o que na França é chamado de contrato de segunda geração, que é muito mais rigoroso, onde introduzimos muitos indicadores de desempenho do serviço. Havia cerca de cem indicadores incluídos na DSP para controle da delegação. E havia um representante naquela época, chamado Gérard Clès, que defendia uma visão mais favorável à gestão pública do serviço de água potável, e que trabalhou no sentido de facilitar, ao final da delegação, a transição de volta para a gestão pública, embora seja sempre, evidentemente, um processo complexo.

No contrato da DSP havia cláusulas prevendo o término do contrato e várias obrigações para o contratante privado, para que isso pudesse ocorrer nas melhores condições possíveis. A Veolia foi obrigada a cumprir o contrato durante todo o período, em termos de desempenho, o que resultou em muitas melhorias no serviço, incluindo os indicadores de perdas. A partir dos indicadores de desempenho passamos de 75% de taxa de desempenho no início do contrato para 86% no final do contrato. Portanto, houve um grande esforço na renovação das redes e na redução de vazamentos, entre outros. Também havia muitas exigências em relação ao atendimento aos usuários etc.

E assim, tivemos um contrato de delegação de serviços públicos que foi bastante satisfatório, pois era muito rigoroso, e as cláusulas permitiram negociar um protocolo de encerramento de contrato com a Veolia, que complementou as cláusulas já previstas na delegação de serviços públicos. Esse protocolo de encerramento que estava previsto na DSP nos permitiu impor várias restrições e pedidos de informações ao contratante privado, que foi obrigado a fornecê-las

No entanto, não foi exatamente idílico. É claro, a Veolia resistiu, e hesitou em nos fornecer informações importantes, alegando que nem tudo estava necessariamente no protocolo. É difícil identificar com antecedência todas as informações de que vamos precisar, e as datas em que elas serão necessárias para sermos mais rigorosos com o contratante.

Por outro lado, tínhamos uma base sólida, e em termos de infraestruturas, tínhamos um controle significativo também, pois todas eram de propriedade pública, ou seja, tudo pertencia à região metropolitana. Sabíamos que, no final do contrato, o contratante seria reembolsado pelos investimentos realizados e não amortizados, mas sabíamos que tudo voltaria a ser propriedade pública.

Havia muitos equipamentos que eram conhecidos pelos nossos serviços e, para realizar essa transição para a gestão pública, foi implementada uma arquitetura de projeto complexa.

Tomamos a decisão no início do mandato, quando fomos eleitos em 2020. Fui encarregada de coordenar a transição, porque justamente eu sabia como trabalhar em modo de projeto, e sabíamos que em 1º de janeiro de 2023, precisaríamos efetuar a transferência operacional para a gestão pública.

Estabelecemos uma arquitetura de projeto complexa com a equipe de pré-configuração, onde havia oito processos diferentes. Identificamos o processo de recursos humanos, que resultou em negociações com as organizações representativas dos funcionários da Veolia, que agora fazem parte da administração pública. Havia a possibilidade de uma transferência de pessoal, mas era necessário negociar as condições dessa transferência. Alguns funcionários mais antigos já haviam vivenciado a gestão pública 30 anos antes. Eles estão realmente em uma posição de se aposentar agora. É como um retorno, mas para um novo futuro.

Ana Britto: Qual foi a importância da campanha pela prestação pública do serviço de abastecimento de água realizada pelo coletivo Eau Bien Commun Lyon Métropole – EBCLM na decisão de não fazer nova concessão a prestador privado?

Anne Grosperrin: Foi importante no sentido de que os assuntos em que há fortes mobilizações cidadãs acabam sempre rendendo resultados e encontram ressonância na esfera política, sobretudo quando há representantes eleitos que compartilham da mesma visão e dos mesmos projetos.

O partido Os Ecologistas, por sua natureza, em sua visão, em seu projeto, na maneira como enxergam a sociedade, defendem a importância da gestão pública e, sobretudo, da gestão coletiva dos nossos recursos essenciais, porque a água é um patrimônio vital comum. Portanto, no que diz respeito aos bens comuns, os ecologistas já há muito tempo reconhecem a necessidade de uma gestão coletiva em benefício público comum e a inclusão dos cidadãos em seus projetos.

Portanto, houve um encontro entre a luta pelo bem comum, e uma equipe política que estava disposta a adotá-la em seu projeto. Mas as mobilizações sociais foram decisivas. É importante sentir que há cidadãos mobilizados.

Hoje em dia, há cidadãos mobilizados, por exemplo, em relação à questão da poluição por PFAS (substâncias per e polifluoroalquil), que foi objeto de um escândalo nos Estados Unidos.2

Na França, estamos vivenciando a mesma situação, especialmente na área metropolitana de Lyon. As mobilizações cidadãs têm um papel crucial. Se os cidadãos não se mobilizam, não pressionam o cenário político com força suficiente para que ocorram mudanças na sociedade. Portanto, a mobilização cidadã também é necessária.

Ana Britto: No que diz respeito à participação como se dá a governança da Região Metropolitana de Lyon? Existe um conselho eleito?

Anne Grosperrin: O Conselho foi implementado. Toda a estrutura jurídica e institucional foi planejada desde o início. A nova região metropolitana foi estabelecida após a reforma da estrutura territorial decorrente da Lei Le Nôtre, em janeiro de 2015. Nós, eleitos em 2020, somos os primeiros representantes escolhidos diretamente pelo voto popular para o conselho da metrópole.

Ana Britto: É verdade que a concessionária privada de Lyon praticava a segunda tarifa de água mais cara da França? As tarifas atualmente praticadas pelo prestador público são mais baratas? 

Anne Grosperrin: Não, de forma alguma. Não estava entre as mais caras. Lyon estava na média, até mesmo na faixa mais baixa, em termos de preço da água. Mesmo antes da pressão pública. O que aconteceu foi que durante a renegociação entre 2012 e 2015, na renegociação dos contratos de serviços públicos, houve uma exigência de redução nas tarifas. As tarifas foram reduzidas em 24%. Isso é bastante. Porque, na verdade, eles estavam lucrando muito, às custas da comunidade.

Nesse momento, a região metropolitana exigiu uma redução nas tarifas de água. Houve um período em que realmente estava caro. Hoje, estamos mais na faixa média para mais baixa.

Ana Britto: Como estão sendo tratados os usuários domiciliares inadimplentes por insuficiência de rendimento familiar?

Anne Grosperrin: Para aqueles que não conseguem pagar, temos uma política social completa, que já estava em vigor, antes, durante a DSP,

Mas percebemos que não é o suficiente porque há muita subutilização. A conta de água não é, de forma alguma, a mais alta, a mais significativa para as famílias em dificuldades.

Frequentemente, não é nisso que se concentram os problemas das famílias; energia e aluguel são questões mais importantes. Na verdade, há muita subutilização, pessoas que poderiam ter direito à ajuda, mas não a demandam. Tínhamos um fundo, o Fundo Social de Água, que não estava sendo utilizado. Portanto, acumulamos todas essas ajudas não utilizadas para implementar ainda em 2022, mesmo antes de estarmos no regime público. Adotamos várias iniciativas experimentais para garantir o direito à água para todas e todos. E especialmente em condições mais difíceis – ou seja, fornecemos água aos acampamentos de pessoas sem-teto, para as ocupações. Estamos agora tentando expandir o acesso à água em espaços públicos. Estamos conduzindo experimentos para acesso à higiene por meio de chuveiros públicos. E especialmente o acesso a lavanderias com fichas distribuídas pelas organizações sociais.

Implementamos diversas iniciativas para garantir o acesso à água para todos já que a água foi, como você sabe, declarada como um direito fundamental e universal do ser humano há cerca de 12 anos. Esse direito à água ainda não é efetivo mesmo em um país como o nosso.

Na metrópole de Lyon, existem 3.000 pessoas que vivem nas ruas permanentemente, hospedadas por terceiros, vivendo em seus carros ou em acampamentos. Há um trabalho real a ser feito no que diz respeito ao direito.

Ana Britto: Quais são as principais ameaças ligadas às alterações climáticas no abastecimento de água na região de Lyon? Aumentar a resiliência do abastecimento é uma das prioridades da Água Pública da Grande Lyon?

Anne Grosperrin: Sim mas é importante deixar claras as razões que conduziram à prestação pública. As principais razões são fundamentalmente políticas, filosóficas e ecológicas. A primeira é um bem comum que não pode ser gerido sem ser a partir do interesse geral; é a prestação pública que pode garantir essa gestão segundo os princípios do interesse geral. Portanto, o propósito de uma prestação pública tem, dimensões sociais, dimensões ecológicas e dimensões também econômicas. Não é o mesmo propósito de uma prestação privada. Não temos como objetivo obter lucro.

Na dimensão social, estamos desde os anos 1980 em um contexto em que a água vem sendo tratada como mercadoria. Você mencionou o que está acontecendo agora no Brasil. De fato, além de mercantilizada a água hoje está até mesmo financeirizada na Austrália ou na Califórnia e listada nas bolsas de valores. Então para nós era realmente essencial participar do movimento de remunicipalização e criar as condições efetivamente para essa gestão orientada pelo interesse geral.

A segunda dimensão é que estamos em um período de grande crise da água, do ponto de vista planetário e mesmo na França. Esse momento exige um domínio completo e por inteiro do ciclo da água, um domínio técnico da gestão de recursos hídricos e a sua preservação. E para dominá-lo você tem que internalizá-lo dentro da gestão pública, dentro das estruturas municipais e metropolitanas – que haviam perdido suas competências, ao delegarem a gestão ao privado. Há portanto uma retomada desse controle técnico da gestão da água enquanto bem comum pelo público. Essa é uma dimensão muito importante. Envolve assumir as missões que haviam sido confiadas ao delegatário: a exploração/produção e distribuição da água. Hoje essas missões são confiadas à estrutura de gestão metropolitana, assim como a missão de preservar o recurso a montante, com toda uma dimensão de trabalho em áreas de captação, incluindo os agricultores nesse território. E a missão de promover o direito à água e, finalmente a gestão democrática do bem comum. A gestão da água era muito tecnicizada na fase da prestação privada. A empresa tinha de uma perspectiva extrativista da água; hoje nós queremos que os cidadãos se reapropriem da dimensão política que envolve a gestão de um bem comum, em uma perspectiva democrática dessa gestão.

A gestão pública permite integrar os usuários, incluindo-os no Conselho de Administração. Nós desejamos que esse fossem quatro usuários. Para que tivessem legitimidade na sua designação, desenvolvemos uma política de sensibilização e em seguida de concertação sobre as questões relacionadas à gestão da água para em seguida chegar a uma reflexão sobre a governança. Foi criada uma assembleia dos usuários da água, que tem 91 membros. Foi um processo voltado para 2022.

Trabalhamos com toda uma equipe: sociólogos, artistas para mobilizar imaginários, para que as pessoas pudessem se projetar em um futuro desejável consumindo menos água, o que nós entendemos como um “consumo comedido”, e como organizar coletivamente esse projeto. A partir daí surgiu a assembleia de usuários da água. Essa assembleia assumiu o debate de vários temas estratégicos. Agora em 2023, o tema é a tarifação solidária e ambientalmente sustentável da água. Hoje todos estão dentro do mesmo modelo tarifário; nós nos encaminhamos para um outro modelo de tarifas diferenciada em função dos usos. Isso porque temos entre nossos princípios que um metro cúbico de água é diferenciado em função do uso dado a essa água.

Ana Britto: Você poderia explicar a estrutura atual da gestão e as perspectivas futuras e prioridades da gestão pública na metrópole de Lyon.

Anne Grosperrin: A Eau Publique de Lyon é uma estrutura dedicada apenas aos serviços de água potável. Mas internamente, no âmbito da gestão metropolitana, fazemos também a gestão de parte dos serviços de esgotamento, em gestão pública, há bastante tempo, e ela se faz hoje de forma integrada à gestão da água. Na região metropolitana existem há muito tempo algumas estações de tratamento de esgotos que são geridas pelo privado, e uma grande parte, incluindo a maior estação de tratamento de esgotos (ETE) da região metropolitana. Nós não queríamos fazer as duas coisas (água e esgotamento) ao mesmo tempo porque o desafio era muito grande, e queríamos ter sucesso primeiro na gestão pública dos serviços de água.

Isso não significa que não temos a intenção de implementar uma gestão pública também do esgotamento. Mas fazemos o trabalho em duas etapas. Estamos assumindo pequenas estações de esgotamento, cujos contratos de exploração privada estão terminando. Ainda restam duas grandes estações de tratamento de esgotos que também projetamos assumir, mas em um prazo mais longo, não menos de cinco anos. Estamos, portanto, no processo de estabelecimento das condições para também retomar a gestão completa do esgotamento sanitário e ter uma visão e um controle verdadeiramente global do ciclo da água no âmbito da gestão metropolitana. E não é somente no abastecimento de água e esgotamento sanitário. A gestão metropolitana também é responsável do manejo de águas pluviais, um tema muito importante.

Nós estamos no contexto de uma mudança de paradigma, dentro de uma questão central para a adaptação das cidades às mudanças climáticas. Essa competência, gestão do meio aquático e proteção contra as inundações, foi transferida para a região metropolitana em 2018, dentro dessa nova concepção. A gestão do meio aquático traz uma visão da preservação dos recursos hídricos, com renaturalização de rios, preservação e recuperação, das zonas úmidas, atenção à qualidade da água e micro poluentes. Existe todo um trabalho sendo desenvolvido pela metrópole, no âmbito de uma estratégia para gestão do meio aquático e proteção contra as inundações.

Nós tínhamos começado a trabalhar em determinados rios onde realmente havia uma emergência e agora existe um plano de ação para os próximos 5 anos, com uma estratégia a ser votada e consagrada em lei. Buscamos assim uma visão global do ciclo da água, assumida pela metrópole e integrada na estrutura de gestão.

No que diz respeito à resiliência voltada para o abastecimento de água nós trabalhamos na preservação das áreas de captação e nas fontes alternativas. Nas áreas de captação temos todo um trabalho com os agricultores sobre a preservação da qualidade da água e sobre um uso sustentável, o que induz a uma série de práticas desses cidadãos.

Ana Britto: Você explicou a defesa da água pelos Verdes, que a consideram um direito humano e bem comum. Os outros partidos políticos na França têm em seu programa político a mesma noção?

Anne Grosperrin: O partido Europa Ecologia/Os Verdes tem esse tema como central no seu projeto. Mas não é uma exclusividade nossa. Na França existem grandes prestadores públicos que foram criados em aglomerações urbanas de direita. Eu penso em Nice Metrópole, com a qual nós trabalhamos. O vice-presidente da metrópole, prefeito da cidade de Saint-Martin-Vésubie, está convencido da pertinência da gestão pública da água e também Christian Estrosi, prefeito de Nice, de um partido de centro-direita.

Eu diria que é um tema transpartidário, sobretudo quando se sabe que globalmente e na França a direita pende para a gestão privada. Nós vimos a reação da oposição quando votamos o projeto de uma gestão pública. Havia uma hostilidade muito forte. Sabemos que a empresa Veolia tinha laços com os políticos, desde as décadas precedentes. Contudo existe um certo número de municípios que não são de esquerda e que escolheram a gestão pública, face a pertinência desse modelo que coaduna com o interesse geral. Portanto, não podemos dizer que a opção da gestão pública é exclusiva do projeto dos Ecologistas. Outras cidades governadas pelo Partido Socialista também fizeram essa escolha. Assistimos na França um retorno à gestão pública.

Saiba mais sobre a Eau Publique du GrandLyon.

Leia artigo do Ondas sobre a volta à gestão pública da água na França

1 O nome completo do partido passou a ser, a partir de 2022, Os Ecologistas – Europa Ecologia Os Verdes. A agremiação integra, na Assembleia Nacional francesa, a coalizão Nupes – Nova Unidade Popular Ecológica e Social.

2 PFAS podem ser encontrados em uma ampla quantidade de produtos de consumo, como roupas impermeáveis e tapetes resistentes a manchas, ceras para o piso, panelas antiaderentes, embalagens a prova de gordura, fio dental e alguns cosméticos. Eles também são usados em espumas de combate a incêndios para apagar incêndios de combustível. Pessoas podem estar expostas a estas substâncias através do contato direto com produtos, ou pelo ar que respiram, ou pelos alimentos que comem. Elas também podem estar expostas através da água potável. milhões de americanos atualmente estão expostos a água potável contaminada com PFAS, resultado de substâncias químicas liberadas no ambiente por campos de treinamento de bombeiros, áreas industriais e zonas de tratamento de lixo.

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