SP e RJ: as PMs nas mãos do bolsonarismo

Tarcísio de Freitas e Cláudio de Castro, os novos governadores, têm compromisso com a truculência policial. Mas enfrentarão realidades distintas: em SP, uma corporação centralizada; no Rio, quase bandos autônomos. Cada uma brutal à sua maneira

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Renato Sérgio de Lima em entrevista a Carol Castro, no Intercept Brasil

Jair Bolsonaro vai desocupar o Palácio da Alvorada, mas deixa seu maior legado em dois estados: Rio de Janeiro e São Paulo. Cláudio Castro, do PL, reeleito governador, segue a linha dura do “bandido bom é bandido morto” – em apenas um ano e meio de governo, acumulou três das cinco maiores chacinas no estado. Já os paulistas elegeram o carioca Tarcísio de Freitas, do Republicanos, ex-ministro de infraestrutura de Bolsonaro, que pode replicar o modelo fluminense de segurança pública.

Com Castro não há muitas surpresas. Em sintonia com as forças de segurança do Rio, espera-se o mesmo esquema falido de operações policiais espetacularizadas, caras e letais dos últimos anos. A incógnita vem do comando de Tarcísio. Em campanha, ele afirmou que iria extinguir a Secretaria de Segurança Pública e atribuir aos comandantes das polícias civil e militar o status de secretários, o que desintegraria as tomadas de decisões entre as duas corporações, como acontece no Rio desde 2019.

Também prometeu acabar com o uso de câmeras nas fardas de policiais militares. Antes do segundo turno, recuou nas duas promessas. Mas não se sabe que decisões tomará em seu mandato e, até agora, manteve apenas a indicação já anunciada do recém-eleito deputado federal capitão Derrite, amigo de Eduardo Bolsonaro, para chefiar a pasta de segurança.

Mas, segundo Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Tarcísio não deve encontrar um caminho muito fácil para transformar São Paulo no Rio de Janeiro. “A Polícia Militar de São Paulo é muito ciosa da sua institucionalidade e de sua profissionalização, preza pelos mecanismos de controle dos policiais. O projeto das câmeras corporais, por exemplo, veio da corporação”, explicou. “Então, o Tarcísio vai conseguir fazer tudo que ele quer? Não. Quem vai decidir, no fundo, é a própria corporação”.

Ainda assim, os dois bolsonaristas podem levar seus estados a retrocessos na área de segurança pública ou fortalecê-los, no caso do Rio. Nessa entrevista, Lima avalia os possíveis efeitos desses dois governos – e como o presidente eleito Lula pode frear o descontrole policial que ambicionam. Leia na íntegra a seguir.

O diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Foto: Wanezza Soares

O que pode mudar nas políticas de segurança pública de São Paulo com a chegada de Tarcísio de Freitas ao governo?

A gente precisa primeiro analisar a segurança pública no Brasil. Existe uma característica estruturante, muito debatida após a Constituição, que, parafraseando Tomasi di Lampedusa, no plano político “muda tudo para ficar tudo no mesmo lugar”. Nos últimos 30 anos, os elementos centrais nas políticas de segurança, as normas infraconstitucionais, continuam intactas. E elas dizem muito respeito à lógica da ditadura. A lei que organiza as polícias militares é de 1969, o código penal de 1940, as alterações no processo penal são de 1941, e a Lei de Execução Penal é de 1984. E isso pressiona muito os estados, já que o mundo mudou, as características do crime mudaram – afinal, são mais de 80 anos de vigência dessas normas.

Então, o que o governador pode fazer, já que as normas são federais? Pode investir em tecnologia, sistemas, eventualmente dar aumento salarial, mas não muito mais que isso. Como o mundo todo reconhece que a tecnologia é uma das formas das polícias se profissionalizarem e se legitimarem, o que houve foi um esforço de modernização legislativa. Mas muito residual e sempre dependente de mudanças que na gestão pública que a gente chama de incrementais. Ou seja, implementações como o Infocrim [banco de dados de informações criminais baseado nos registros de boletins de ocorrência], em São Paulo, criado em 1998, ou com mudanças operacionais das polícias. Mas no plano político e estratégico, você nunca teve uma política efetiva de segurança pública em São Paulo ou no Rio.

Em governos de direita e de esquerda, sempre houve uma subordinação política à dimensão operacional das polícias. Ou seja, ao que a polícia acha que precisa ser feito: mais armas, mais viaturas, mais tecnologia, mais uniforme e isso vai resolver. Isso mostra um certo limite. Só para dar um exemplo, são políticas que reforçam tanto questões como o racismo estrutural, sem incidir no fato de quem mais morre são jovens negros das periferias, quanto também nas formas de legitimar o uso da força.

Até porque os governadores não têm autonomia para mudar as carreiras, as formas de atuação. Enviamos ao grupo de transição do governo uma proposta para reduzir a influência da Presidência e do Exército sobre as polícias. Porque até hoje quem controla e coordena, na teoria, a norma e a formação dos policiais é o Exército. Mas ele não o faz. Quem faz é a própria polícia, que acaba tendo dois chefes: o Exército e o governador. Cada um faz um pedaço e muitas vezes não pensa em projetos para o problema todo. No fim das contas, a própria polícia decide o que quer fazer. E aí elas se acostumaram com a autonomia excessiva de dizer o que é certo ou errado, o que é ordem pública, o que é poder de polícia, que não são termos claramente definidos na legislação.

“Tarcísio sinalizou que prefere o modelo fluminense ao paulista. Não existe comparação entre qual o modelo mais eficiente, em termos de gestão de polícia e gestão da segurança”, avaliou Lima. “Esse é um modelo ideológico”. Foto: Tomzé Fonseca/Futura Press/Folhapress

Na prática, isso quer dizer que Tarcísio não conseguirá mexer em muita coisa? Ele havia anunciado, durante a campanha, que extinguiria a Secretaria de Segurança Pública para nomear secretários de polícia, aos moldes do Rio de Janeiro, mas depois voltou atrás.

A gente ainda não sabe se voltou atrás mesmo. Mas São Paulo tem uma diferença histórica: criou, por questões muito mais antigas, que têm a ver com a Revolução Constitucionalista de 1932, a ideia de identidade do paulista, e a polícia é um força pública muito ciosa da sua institucionalidade. E sempre foi diferente do restante de outras polícias militares do país, porque ela investiu muito na sua profissionalização. Então, sempre foi uma força policial muito ciosa do seu poder e da sua capacidade de determinar a agenda daquilo que faz.

Quando o PSDB ganhou as eleições e fica quase 30 anos no governo, o que existe é uma substituição desse clamor “bandido bom é bandido morto”, dos anos de Paulo Maluf [governador de São Paulo de 1979 a 1982; conservador, apostou no policiamento ostensivo] e Luiz Antônio Fleury Filho [governador de São Paulo de 1991 a 1994, com gestão marcada pelo massacre do Carandiru], por “deixa a polícia fazer aquilo que é tecnicamente muito qualificada para fazer”, porque o governo de São Paulo investiu e investe muito nas polícias, principalmente na PM. É um problema crônico no Brasil: a ideia de segurança pública como sinônimo de investimentos nas polícias militares. Investe-se pouco em melhoria da investigação, racionalização da legislação e de normas que regem as atividades policiais.

Em São Paulo, além do Infocrim, tivemos vários investimentos a partir do episódio da Favela Naval, que o governo adotou como ponto de inflexão para uma profissionalização da polícia e ali quando ele criou o Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo. A PM de São Paulo estuda vários mecanismos de revisão de supervisão e controle porque, para ela, o mais importante é a sua institucionalidade. Um coronel fica ali por cinco anos no cargo, depois vai obrigatoriamente para a reserva. Então, o que o policial faz na ponta precisa ser controlado. Não só para medir o uso da força, já que essa é uma variável política de decisão, mas também para que a própria corporação consiga saber o que o policial da ponta está fazendo ou quem está mandando fazê-lo. Porque existe uma voz de comando única na Polícia Militar de São Paulo, que é a própria Polícia Militar – e não o coronel A ou B.

Isso não acontece no Rio de Janeiro, onde quem toma a decisão é o policial da ponta. Por lá, valoriza-se a independência do policial na determinação do que é certo ou não, quando há excludente de ilicitude ou não. Ou seja, a corporação não tem a solidez organizacional que tem a Polícia Militar de São Paulo.

As polícias paulistas estão acostumadas com a Secretaria de Segurança, porque ela foi criada em 1978. Mas por um projeto ideológico, existe uma corrente das polícias militares que acha que precisa reproduzir o que acontece no Rio, que é fazer Secretaria de Estado de Polícia Militar, Secretaria de Estado de Polícia Civil. Esse desmembramento é muito ruim, porque segurança não é só Polícia Militar, não é só Polícia Civil, é soma delas e de outras políticas.

Há outros modelos, como o de Santa Catarina. Eles adotaram um conselho de gestão, em que a cada seis meses cada um dos vinculados (PM, polícia civil, bombeiros, perícia, etc.) assume a presidência do comitê, que é deliberativo e vinculativo. Ou seja, as normas decididas ali precisam ser cumpridas por todos. Há espaço de coordenação? Sim. Então a secretaria não é o único modelo possível, mas é fundamental que você tenha um órgão. Porque no modelo de separação do Rio de Janeiro, ninguém sabe o que fazer. O Instituto de Segurança Pública produz dados, mas ninguém pensa a política de segurança. Em 2019, por exemplo, foi criada a Polícia Penal que, teoricamente, precisa estar articulada às outras. Mas o que faz a Polícia Penal? Ela investiga? Ela não investiga? É um processo que precisa ser pensado.

De qualquer forma, Tarcísio sinalizou que prefere o modelo fluminense ao paulista. Não existe comparação entre qual o modelo mais eficiente, em termos de gestão de polícia e gestão da segurança, seja pelos índices criminais ou pela profissionalização das instituições. Esse é um modelo ideológico. Então o que o bolsonarismo entende como eficiente?
Se o bolsonarismo quer matar, então o modelo fluminense é mais eficiente, já que existe menos controle sobre a polícia. Se a legislação e a constituição forem a base, o Rio claramente não é mais eficiente.

Tarcísio também falou sobre retirar câmeras de seguranças das fardas dos policiais.

Esse é um programa da Polícia Militar. Enquanto todo mundo fazia pressão para controle do uso da força, a própria polícia já estudava protótipos, usos, formas de controle. E fez isso por sua conta e planejamento. Quando o coronel Marcelo Vieira Salles assumiu, em 2018, ele bancou que esses estudos continuassem. E, em 2020, ao tomar posse da pasta, o coronel Fernando Alencar Medeiros seguiu a mesma linha: “Vamos fazer, porque a polícia precisa ter uma nova forma de controle e legitimidade”.

É um projeto da corporação. Não será tão fácil para Tarcísio desfazer isso. Alguns candidatos bolsonaristas mais radicais tentaram desqualificar o projeto das câmeras como algo de dois ou três coronéis, porque eles sabem que a corporação assumiu o projeto. E uma forma de desqualificá-lo é dizer que não é um projeto da corporação, que os PMs não querem as câmeras. Então esse é um jogo interno que precisa ficar claro, mas a corporação até agora disse: “Não, a gente quer”.

E tem vários fatores importantes e problemas internacionais, inclusive, com as empresas que oferecem essa tecnologia. Então você tem, por um lado, o lobby empresarial e, do outro, a própria corporação dizendo que é um investimento criado por ela mesma. Existe essa tensão básica em relação a São Paulo. Tarcísio prometeu derrubar o uso das câmeras corporais porque o grupo mais bolsonarista é totalmente contra, principalmente aqueles que são praças. E são contra porque tem uma variável muito importante: as câmeras fiscalizam, fazem um microcontrole do cotidiano. Não é só a questão da corrupção, tem também o favor político do comandante, de querer atender o dono da padaria. Aí o cara paga um cafezinho. Ou de prestar serviço de segurança privada usando equipamento público, ou atender ao pedido de determinado vereador em tal região. As câmeras fiscalizam os pedidos de uso privado da força pública, daí a resistência interna. Não é sobre “dar liberdade aos policiais”. As pessoas não querem controle porque isso desfaz acordos, não só aqueles de corrupção direta, mas o microfavor, a forma de fazer a gestão privada da atividade policial. Por isso é tão importante esse projeto e, no Rio de Janeiro, jamais vai acontecer.

Você mencionou os governos de Paulo Maluf e Luiz Antônio Fleury Filho. Dá para dizer que São Paulo está voltando para esse lugar? Podemos esperar de novo uma espetacularização das operações policiais, como ocorre no Rio?

O que vejo em relação à São Paulo é uma tentativa de desconstrução do investimento de profissionalização da Polícia Militar feito nos últimos 30 anos – do qual a própria corporação se orgulha. Se profissionalização é a principal ferramenta de identidade de uma polícia, então o objetivo é refazer esse modelo, adotando aquele que dá mais autonomia ao policial. Então, de novo, a polícia de São Paulo construiu um modelo que dá mais autonomia à corporação e não ao policial. É isso que está em jogo.

Nos 30 anos de PSDB em São Paulo, a sociedade civil e a imprensa pressionaram a discussão sobre os índices de letalidade policial. Aí veio caso do Castelinho e, anos depois, em 2011, mais 11 mortes numa ação da Rota e o então governador Geraldo Alckmin disse: “Quem não reagiu está vivo”. Acaba colocando de uma forma dúbia, porque ele sabe que para boa parcela da população “bandido bom é bandido morto”, então de certa forma isso retroalimenta a legitimidade das polícias. E os governos dependem das polícias para se viabilizarem. Porque não precisa dar um golpe escancarado. Os policiais podem, por exemplo, fazer uma operação tartaruga [reduzir a eficiência do trabalho para prejudicar as estatísticas]. E aí as coisas crescem e o governo se inviabiliza politicamente. Todos sabem que a relação com a polícia, principalmente a militar, é uma relação muito difícil. Você tem de equilibrar na ponta do lápis isso tudo, já que as polícias gozam hoje de um poder de influência muito grande.

O governador eleito do Rio, Cláudio Castro. Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

O Tarcísio vai conseguir fazer tudo que ele quer? Não. Quem vai decidir, no fundo, é a própria corporação. O Cláudio Castro [governador reeleito no Rio] vai conseguir fazer o que ele quer? Não necessariamente. Na verdade, ele está surfando mais ou menos na mesma opinião da corporação. Então tende a ser mais efetivo no alinhamento de suas pautas, ao contrário do que eventualmente acontecerá com Tarcísio em São Paulo.

Você tem um outro problema histórico: as deficiências de estrutura das polícias civis. São 14 carreiras, sem capacidade de execução orçamentária. No Rio é ainda pior, a Polícia Civil é mais militarizada do que muitas polícias militares, em relação à letalidade de suas ações [por matar mais que outras polícias civis em vez de investigar]. O problema é que o ISP não divulga os dados separados de mortes geradas por policiais militares e civis, é tudo unificado.

Como o senhor avalia a indicação do Capitão Derrite para a pasta de Segurança Pública em São Paulo?

Ele é um representante do bolsonarismo de “bandido bom é bandido morto”. Isso é inegável, ele se construiu politicamente sendo dono de um canal no Facebook com mais de 1 milhão de seguidores, espetacularizando a atividade policial. Mas ele é um capitão de 38 anos, o que, para uma polícia como a paulista, significa que um capitão que mal saiu da atividade vai mandar em majores, tenentes-coronéis. Isso de certa forma quebra a espinha dorsal do militarismo. Se o objetivo é acabar com a institucionalidade construída, essa é uma forma de fazer todos esses oficiais superiores se aposentarem. E aí o Derrite coloca pessoas mais novas, que concordam com ele e, sendo o mais velho, impõe a própria versão.

Há um risco de aumentar o poder das milícias em São Paulo?

Quando você investe no descontrole e no fortalecimento da liderança individual em detrimento da liderança da corporação, um dos riscos é a milicialização. Corrupção já existe, mas o modelo de milícia do Rio não existe exatamente igual em nenhum lugar do Brasil: com controle territorial e da força, comércio da economia subterrânea e atividades ilegais. Esses elementos, de certa forma, já são explorados pelo crime organizado de São Paulo, que tem um peso e vai desafiar qualquer tentativa desse tipo.

De todo modo, o risco já existe e é contido justamente com o fortalecimento da corporação. Quando você amplia a autonomia, o risco pode aumentar. Mas dizer que esse será o resultado automático só fortalece o bolsonarismo. Porque vai para o discurso “todo mundo é contra a polícia”. Essa discussão precisa de muito cuidado, porque o risco está presente no Brasil inteiro. Policiais militares como funcionários do tráfico, pistoleiros, seguranças, isso existe em qualquer lugar – é o que a própria corporação busca inibir quando cria os programas de câmeras corporais. Se afirmarmos que será uma consequência automática, você enfraquece o bom policial. É preciso tratar a questão da milicialização em São Paulo como um risco, e não um fato consumado.

Como o governo federal pode intervir nas políticas de segurança pública adotadas em estados comandados por bolsonaristas?

Há três cenários possíveis. No primeiro deles, inegavelmente, os governadores terão de conversar com o governo federal. Quem estiver à frente do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, ou dos ministérios, caso sejam desmembrados, terá de liberar uma pauta de fiscalização, controle, sem revanchismo, mas de forma muito enfática (ou seja, não deixar que as polícias determinem a pauta) e ao mesmo tempo conversar sobre as necessidades de uma política de segurança pública. Aí você consegue conter esses avanços bolsonaristas na área.

No segundo cenário, ficamos na mesma dos últimos 30 anos: o ministro ou os seus assistentes fazem a lógica do “vamos fazer mais dinheiro. Vamos passar mais dinheiro, negociar com o governador”. Aí a tendência é esgarçar um pouco. E quando acabarem os quatro anos do Tarcísio, provavelmente teremos uma polícia mais capenga, com o profissionalismo comprometido em nome de um projeto político. Mas ainda não vai ter ganhado totalmente, porque a corporação paulista é muito forte.

O terceiro cenário é o ideal: com gestores que entendem o problema e ajudem a construir a valorização das polícias, com a construção de uma nova normativa infraconstitucional para prestação de contas, com métricas baseadas em evidências, com informações de novas doutrinas internacionais sobre investigação. Esse é o cenário perfeito, mas duvido de sua implementação, pelo debate que está sendo feito na transição.

Por quê?

O debate, pelo que se vê nas declarações públicas, é “não vamos focar em nada que tem a ver com a agenda dos governadores”. E ignoram que para fortalecer o governador você precisa atualizar as normas. É uma pauta que gera desgaste, mas isso precisa ser feito. Precisamos de profissionais que pensem em segurança pública para além do direito penal. Segurança captura agenda da direita e da esquerda. Inegavelmente, a discussão envolve crimes, penas, justiça criminal. Mas é muito mais que isso. É a garantia de que os direitos de ir e vir sejam respeitados. É disso que se trata quando decido subir o morro na Vila Cruzeiro para matar 20 e poucas pessoas, apreender uma dúzia de fuzis e parar o dia de 70 mil pessoas – uma operação militar que não se justifica! É preciso fazer de outra forma.

Como esse diálogo com o novo governo se faz necessário, dá para imaginar um cenário melhor também para o Rio de Janeiro?

Se você perceber, não tem ninguém do Rio de Janeiro na equipe de transição. O [Marcelo] Freixo não conseguiu entrar na equipe da área de segurança. Então, a realpolitik muitas vezes pode fazer com que a negociação com o Cláudio Castro se dê por outras questões maiores. E a segurança não precisa ser o caos que seria com Bolsonaro, jamais será igual, mas o governo Lula precisa ser pressionado. A sociedade civil e a imprensa precisam mostrar claramente que alguns fundamentos precisam ser reconstruídos – e talvez não da forma como até hoje foram –, garantir que os governos sejam responsabilizados e que claramente as polícias sejam controladas. O grande desafio é controlar a polícia. E a esquerda muitas vezes não sabe fazer isso.

O governo precisa dizer como controlar a polícia, respeitando as corporações. Elas não são inimigas, isso é fundamental. É preciso valorizar a corporação, com condições mínimas de trabalho aos mais de 700 mil servidores. Mas a valorização não pode ser confundida com autonomia total para a polícia fazer o que acha certo, e sim dentro das garantias do estado de direito à cidadania no Brasil. Parece difícil, mas é essa a disputa na agenda do governo Lula. É uma agenda muito aparentemente residual, mas central para o modelo de desenvolvimento brasileiro.

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