Reportagem: As empresas trituradoras de sonhos

Recém-formados topam salários baixos para iniciar carreira em marcas globais. Mas são submetidos a trabalhos manuais extenuantes e repetitivos, sem chance de ascensão – e acabam descartados. Alta rotatividade é parte do modelo de negócio

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Por Alex Christian, na BBC Brasil

Existem empresas com alta rotatividade de funcionários jovens, o que pode prejudicar os profissionais logo no início da carreira.

Sarah sempre sonhou em trabalhar na indústria de moda. Com 21 anos de idade, ela decidiu se mudar para Londres e ir atrás do seu sonho, em busca da carreira que ela amava.

“Como muitos outros jovens, eu era apaixonada pela moda”, ela conta. “Mas a realidade não era tão glamourosa.”

Depois de trabalhar por menos de um ano no varejo de moda, Sarah conseguiu um emprego de assistente de comércio eletrônico na matriz de uma marca de luxo global. Nos dois empregos, ela era rodeada por pessoas da mesma idade e com pensamento similar. Todos eles queriam ter sucesso no mundo da moda.

“É como uma indústria criativa: os jovens sempre gostam de trabalhar nela”, ela conta. “E os benefícios são bons, mesmo em vendas: nós conseguíamos produtos com grandes descontos todo o tempo.”

Mas Sarah acrescenta que sempre houve alta rotatividade no escritório, especialmente entre os funcionários de baixo escalão.

“Os funcionários jovens pediam demissão todo o tempo”, segundo Sarah. “Uma estagiária de 18 anos ficou apenas uma semana, quando percebeu que o seu emprego era essencialmente trabalho manual mal remunerado, com longas horas simplesmente carregando e embalando roupas devolvidas das sessões de fotografias.”

“Os estagiários que ficavam meses no emprego acabavam se demitindo com burnout”, ela conta. “Havia simplesmente uma rotatividade contínua de profissionais jovens impressionáveis e nada era feito sobre isso. Virou um teste para saber quem tinha mais resistência.”

Sarah ficou naquele emprego por dois anos. O entusiasmo de trabalhar no setor de moda logo virou tédio e frustração. “Tarefas administrativas por longas horas e salário baixo”, afirma ela.

Como a gerência não oferecia uma trajetória clara de carreira, nem havia sensação de progresso, Sarah conta que seu emprego acabou por imobilizá-la e ela se demitiu.

“A gerência e os funcionários sabiam que era um local de trabalho competitivo – que o seu emprego sempre estaria em alta demanda”, segundo Sarah. “Se você saísse, seria substituído por outro jovem profissional animado para estar ali.”

Especialistas afirmam que existem muitas empresas que contratam especificamente recém-formados que estão tentando ir atrás das suas paixões – muitas vezes, em carreiras competitivas ou até “glamourosas”.

Em alguns casos, pode ser ótimo para esses profissionais, que estão procurando uma forma de entrar em um setor dos seus sonhos. Mas, às vezes, os funcionários jovens podem ficar desmotivados em funções extenuantes com baixos salários, já que os empregadores sabem que as eventuais vagas sempre serão muito cobiçadas.

Estas situações podem fazer com que os profissionais em início de carreira, que estão procurando se estabelecer, fiquem vulneráveis ao burnout ou à desilusão logo no início da vida profissional.

‘Sem as sombras da experiência’

Muitos empregos são formados com a expectativa de que os profissionais jovens irão crescer dentro da empresa.

Muitas vezes, existem caminhos definidos para a promoção e objetivos a serem alcançados. Às vezes, as empresas chegam a oferecer programas de formação e desenvolvimento para orientar os funcionários recém-contratados a atingir cargos mais altos.

Mesmo se o progresso for trabalhoso, muitos empregadores preferem investir em profissionais que permaneçam na empresa.

Mas os especialistas afirmam que outras companhias adotam uma abordagem diferente. Elas formam infraestruturas nas quais contratam funcionários jovens com pouca ou nenhuma oportunidade de ascensão e os entopem de tarefas trabalhosas.

Existem empresas com alta rotatividade de funcionários jovens, o que pode prejudicar os profissionais logo no início da carreira.

Nestas situações, as empresas muitas vezes esperam que esses jovens profissionais se demitam em algum momento, seja porque estão em um beco sem saída ou devido ao burnout gerado pelo cargo. Eles são então geralmente substituídos por outros profissionais jovens, que terão o mesmo destino.

É claro que, muitas vezes, espera-se que os funcionários jovens se esforcem nos primeiros anos das suas carreiras, mostrando ambição, persistência e resiliência no ambiente de trabalho – de certa forma, para ganhar experiência.

Mas nem todo profissional jovem sem um caminho explícito rumo ao crescimento fica em uma empresa que, intencionalmente, cria rotatividade entre seus talentos iniciantes, segundo a professora Helen Hughes, da Escola de Negócios da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Ela cita como exemplo o setor de relações públicas, em que os cargos iniciais de salário mais baixo “enquadram-se na trajetória de carreira da pessoa – a expectativa é que, nos estágios iniciais, você precisa assumir cargos de nível júnior antes de poder progredir.”

Mas algumas empresas decidem formar o que Hughes chama de “modelo de visão curta”. E existem muitas razões que levam as empresas a decidir pela rotatividade dos seus funcionários jovens, em vez de investir neles.

Em primeiro lugar, existem as implicações financeiras. Os recém-formados começam no ponto mais baixo da escada com salários iniciais e não têm as mesmas expectativas de compensação dos funcionários com experiência.

“Os empregadores, muitas vezes, contratam recém-formados para poder pagar menos”, segundo Dominik Raškaj, gerente de marketing do site de empregos Posao.hr, com sede na Croácia. “É, de fato, uma fonte de mão de obra barata e subvalorizada.”

Além disso, os profissionais iniciantes podem ser maleáveis e dispostos a aceitar determinadas condições de trabalho.

“Quanto menos experiência tiver o funcionário, mais aberta é sua mente e, geralmente, mais ele aceita em um ambiente de trabalho”, afirma Hughes. “Eles não têm as sombras da experiência, o que traz vantagens para o empregador – eles podem ser moldados com mais facilidade.”

Mas isso pode fazer com que os profissionais jovens que desejam entrar em uma carreira fiquem suscetíveis a empregos mal remunerados ou ambientes de trabalho tóxicos.

“Os recém-formados podem ser vulneráveis à exploração, por não terem adquirido experiência para saber o que está certo e o que não está”, afirma Hughes. “Os recém-formados podem ficar com a sensação de que tudo realmente é competitivo, de forma que eles ficam desesperados para aceitar um cargo desafiador que pode não oferecer as melhores condições.”

‘Pode distorcer a visão de uma pessoa’

Nestas situações, o risco imediato é o burnout.

Os profissionais podem ficar sobrecarregados pelas longas horas e imensas cargas de trabalho ou tarefas insignificantes. E, devido à sua falta de experiência, podem ser incapazes de defender seus interesses. Isso pode deixar os funcionários frustrados, no melhor dos casos, ou com alto nível de estresse, como ocorreu com Sarah.

Mas muitos acham que não têm escolha a não ser permanecer, especialmente se estiverem tentando entrar em determinados setores onde o ingresso é muito difícil. E, para os profissionais jovens desesperados para estabelecer-se em uma carreira competitiva, enfrentando longas horas e más condições de trabalho, os efeitos podem ser traiçoeiros.

“Alguns podem decidir permanecer até o burnout porque estão em início de carreira”, afirma Hughes. “Mas, sem as experiências do passado para orientá-los, o risco é que eles aceitem que aquilo é o que o mercado de trabalho oferece, as más condições se tornem o normal e o profissional jovem acabe pensando que aquilo é tudo o que ele vale.”

Isso pode ter efeitos sérios e duradouros para esses profissionais jovens, prejudicando suas expectativas sobre o que significa estar no mercado de trabalho.

“Você vê os profissionais começarem a sair, reduz os esforços e exibe comportamentos de demissão silenciosa”, afirma Jim Harter, cientista-chefe de administração e bem-estar no local de trabalho da empresa de pesquisas norte-americana Gallup. “Isso pode distorcer a visão de uma pessoa sobre o que significa uma carreira e seu relacionamento com o trabalho.”

“Os recém-formados podem ficar tão preocupados em conseguir um emprego que acham que qualquer coisa serve”, acrescenta Hughes. Mas trabalhar muito por longos períodos com salários baixos e sem solução à vista traz consequências de longo prazo.

“Você se ajusta às normas à sua volta – normas ruins – logo no início da carreira”, segundo ele.

A boa notícia é que o mercado de trabalho atual, favorável aos funcionários em muitos países ou setores, pode oferecer opções aos funcionários jovens, se eles acharem que estão sendo explorados em um cargo sem perspectiva de progresso, ou que o custo está ficando alto demais.

“Também existem agora mais perguntas sendo feitas sobre os empregos dos recém-formados”, afirma Hughes. “E existem mais denúncias sobre a falta de boas práticas de trabalho nas redes sociais, o que significa que a pressão por mudanças sobre as empresas que não cuidam dos seus funcionários jovens é maior.”

Mas, mesmo em uma era de falta de profissionais em muitos países e críticas online, muitos desses ambientes tóxicos ainda se mantêm. Isso significa que pode caber aos funcionários iniciantes reconhecer quando estão em má situação.

Identificar essa situação pode ser difícil, já que os funcionários com pouca experiência de trabalho podem não conhecer os padrões em um cargo inicial, em comparação com uma etapa mais à frente.

Sarah percebeu que o seu trabalho a forçava ao máximo e se demitiu. Mas, em vez de permanecer no mesmo setor de atividade, ela seguiu um caminho diferente. Agora, ela trabalha para uma agência de criação fora do setor de moda.

Sarah conta que está muito mais feliz no seu novo cargo, que oferece claras oportunidades de progresso, um trabalho desafiador e tarefas diárias variadas.

“[A moda] pode ter parecido um lugar impressionante para trabalhar”, afirma ela, “mas percebi que é muito mais importante ter um emprego gratificante do que um nome bonito no currículo.”

O sobrenome de Sarah é omitido por motivos profissionais.

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