A planilha inconsistente à qual o Brasil se curvou

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Na base de toda a “ciência econômica” do Banco Central, uma regra de três trivial e uma conta que sempre favorecerá os que ganham com juros

Por Luís Nassif, em seu blog

Há anos a política econômica brasileira é amarrada a um bezerro de ouro, uma mera planilha que serviu de ferramenta para as mais altas taxas de juros do planeta.

Trata-se da planilha que estima a “taxa de juros de equilíbrio”, o nível da taxa Selic que supostamente asseguraria o controle da inflação em comprometer o crescimento. E, depois, outra planilha correlata, a que estima o PIB potencial – isto é, o máximo crescimento da economia sem provocar inflação.

Semanas atrás demonstrei aqui os efeitos irrelevantes da taxa Selic sobre o custo do dinheiro, tanto para pessoas físicas e pequenas e médias empresas, quanto para empresas de primeira linha.

Ora, a maneira da taxa de juros influenciar a atividade econômica é através do canal de crédito. Se a Selic tem pouco efeito sobre o crédito, de que maneira o BC calcula os efeitos da taxa sobre o nível de atividade?

Há três semanas venho tentando obter essas informações do BC e desvendar esse mistério. Em vão. Coincidentemente, na semana passada o BC solicitou aos analistas econômicos do mercado explicações sobre os modelos utilizados por eles em suas projeções.

Ontem relatei a extraordinária história dos três intelectuais brasileiros – Antonio Doria, Newton da Costa e Marcelo Tsuji – que, nos anos 90, demonstraram que até poderia haver momentos na economia com os preços gerai sem equilíbrio. Mas que era impossível – matematicamente falando – estimar qual seria esse momento.

A conclusão demoliu as principais teorias da política econômica recente, como os juros de equilíbrio ou o PIB potencial (limite para o PIB avançar sem inflação), que podem existir, mas não são calculáveis.

No mesmo livro “O Universo Neoliberal em Desencanto”, de Doria e José Carlos de Assis, procede-se a uma análise matemática da tal fórmula do Banco Central que supostamente permitiria calcular a taxa de juros neutra.

No site do BC há apenas uma nota técnica, em inglês, datada do início do século 21, assinada por Joel Bogdanski, tendo por título “Implementating Inflation Targeting in Brazil”.

A fórmula é a equação IX da página 24 do trabalho.

Descobriram, então, que a fórmula mágica à qual a economia brasileira está subordinada há mais de uma década, não passa de uma regra de três simples sem nenhuma fundamentação científica mais séria.

A equação é a seguinte:

  1. A taxa de juros que o BC fixa é diretamente proporcional à expectativa de inflação.
  1. Quem define a expectativa de inflação é o mercado.
  1. Portanto a taxa de juros que o BC fixa é aquela que o mercado quer.

Conclusão dos autores – um dos quais, Doria, é matemático de reputação internacional: “Debaixo de toda a tecnicalidade matemática, depois da linguagem obscura e das ilações supostamente técnicas, o que temos é algo muito próximo de pura trivialidade”.

Não fica aí o questionamento à matemática do BC.

“O chamado produto potencial, que aparece como limitador do crescimento com estabilidade (…) jamais poderia integrar o aparato matemático do modelo porque, a rigor, não pode ser medido. É simplesmente inferido (…) Ou seja, estamos diante de uma construção matemática totalmente arbitrária, entrecruzando variáveis com relações frágeis ou inexistentes”.

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