Pedro Castillo: a esquerda que assombra a elite peruana

Professor e sindicalista do planalto andino de Cajamarca chega ao segundo turno. De retórica áspera, emergiu contra a violência no campo e nas grandes mobilizações pela educação em 2017 – e promete reverter duas décadas de neoliberalismo

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Por Inés Santaeulalia e Jacqueline Fowks, no El País Brasil

A mil quilômetros de Lima, montado em um cavalo e sob um chapéu de palha de aba larga, um professor de escola rural desafia o status quo peruano. Pedro Castillo segue de Chota (Cajamarca) ao Palácio do Governo como vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais do Peru, realizadas no domingo. As elites da sociedade de Lima, berço do poder do país sul-americano e origem dos cinco últimos presidentes, acordaram na segunda-feira de ressaca eleitoral nocauteadas pela presença do mais incômodo de todos os candidatos ao seu ecossistema. O professor sindicalista de viés radical, que não liderou as pesquisas até a última semana, chega às portas da presidência com o lema “já basta de pobres em um país rico”.

Pedro Castillo Terrones, de 51 anos, nasceu em Cajamarca, uma região andina das mais pobres do Peru. O professor, terceiro de uma família de nove irmãos, conseguiu em 1995 sua vaga como professor de ensino primário em uma escola de sua região, mas sempre teve pretensões políticas. Como líder regional do partido Peru Possível desde 2005, era um completo desconhecido no restante do país até 2017. Nesse ano, um enorme protesto de professores, que exigiam aumentos salariais pela instalação da avaliação periódica dos docentes, paralisou as aulas durante 75 dias em quase todo o Peru. Castillo se colocou à frente das mobilizações e desde então mais ninguém voltaria a esquecer seu nome.

O professor navega sobre águas ideológicas complexas. “Tem uma retórica reivindicativa, um discurso basicamente radical, que pode se encaixar à esquerda e à direita”, diz o analista José Carlos Requena. Em seu ideário utiliza muitas vezes os exemplos do Equador e da Bolívia, mas também destaca a nacionalização do petróleo na Venezuela: “Frequentemente nos dizem que a nacionalização é ruim. Mas temos exemplos que desmentem essa teoria absurda”. Castillo promete nacionalizar o gás da Camisea, o projeto energético mais importante do país. Também quer aumentar o orçamento público em saúde e afirma que aumentará o da educação em até 10% ―atualmente está em 4% do PIB―. Os analistas e adversários consideram seus planos inviáveis.

Se conseguir levar a chave do Palácio do Governo promete revogar a Constituição de 1993 (promulgada durante o Governo de Alberto Fujimori) e ameaça fechar o Congresso se não o permitirem. A lista de propostas causa autêntico pânico nas elites peruanas, que sempre recusaram qualquer manifestação de esquerda. Em Lima, o voto conservador (grande parte dele ultraconservador) superou 50% no domingo, apoiado em um discurso que sempre relacionou a esquerda ao terrorismo do Sendero Luminoso, que causou milhares de mortes nos anos 80, e com o chavismo. Em Castillo veem refletido os dois lados.

O professor, desde a greve de 2017, é relacionado a grupos políticos formados por membros do Sendero Luminoso, em liberdade após cumprir condenação. Ele sempre se desvinculou, mas sua sombra o perseguiu até as urnas. O jornal Perú 21 alertou um dia antes da votação em uma manchete de página inteira em primeiro plano: “Cuidado, o Sendero Luminoso estará presente nestas eleições”. Uma capa que, de qualquer modo, não chegou aos seus eleitores, em sua maioria divididos entre o sul e as regiões mais pobres. No Peru 20% da população vive na pobreza, de acordo com os últimos indicadores oficiais, ainda que se estime que a porcentagem tenha crescido durante a pandemia. Castillo foi ao segundo turno com 18% dos votos.

Apesar da enorme distância ideológica, o líder do Peru Livre compartilha uma parte de seu ideário com os políticos conservadores mais votados na capital, como Keiko Fujimori, Hernando de Soto e o candidato de extrema-direita Rafael López Aliaga. A agenda social, uma questão rara na política peruana, resume em uma emenda todos os avanços sociais que preocupam tão pouco da maioria dos arranha-céus de Lima ao grosso das montanhas andinas. Rejeição ao aborto, rejeição ao casamento homossexual, rejeição a incluir a igualdade de gênero no currículo escolar, rejeição à eutanásia.

Castillo promete lutar contra o poder estabelecido de seu passado como rondero, uma organização social criada em Chota na década de 70 por agricultores e camponeses para se defender do roubo de gado e da violência. O regime próprio dos ronderos, à margem da lei, inclui chicotadas e o escárnio público contra ladrões e malfeitores. Nas duas décadas em que o Peru sofreu a violência do Sendero Luminoso (1980-2000) a vigilância e força das rondas de Cajamarca deteve a entrada na região do terrorismo que semeava atentados e morte na maior parte dos Andes.

Restam dois meses ao segundo turno das presidenciais. Na espera da finalização da votação, tudo leva a crer que será a líder do fujimorismo a encarregada de representar um setor do Peru que não quer Castillo nem pintado de ouro. Ela também não cai no gosto da maioria. Keiko Fujimori é a candidata de maior rejeição entre os eleitores, mas em eleições tão fragmentadas, a porcentagem de fujimoristas acérrimos que ainda mantêm a levaram à segunda posição com apenas 14% dos votos.

As elites de Lima continuam procurando nesta segunda-feira no Twitter respostas a resultados que não entendem. Na escola 10465, no centro do povoado de Puña, na província de Chota, o professor de ensino primário às vezes leva seus alunos ao campo, levanta seu celular e caminham em silêncio procurando um ponto de internet para acessar o Google pela primeira vez.

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