Para entender a nova onda de ocupações estudantis

Movimento é impulsionado por desgaste da velha política, percepção de que Ensino está em risco, uso das mídias sociais e emergência dos antes marginalizados

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Plenário ocupado do legislativo paulista. Para Romão, “estudantes percebem um momento político difícil. Sabem que, se não agirem, ensino público será precarizado”

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Cientista político aponta: movimento é impulsionado por desgaste da velha política, percepção de que Ensino Público está em risco, uso das mídias sociais e emergência dos grupos antes marginalizados

Wagner Romão, entrevistado por Ana Freitas, no NexoImagem: Mídia Ninja

Os estudantes secundaristas que estão ocupando escolas e prédios públicos em São Paulo e no Rio (e que já ocuparam unidades em Goiás) têm em comum a forte convicção política somada a um desprezo pelos políticos. A avaliação é do cientista social Wagner Romão, professor do Departamento de Ciência Política do IFCH-Unicamp (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas).

Os estudantes paulistas, que em 2015 conseguiram fazer com que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) recuasse de seu projeto de reorganização escolar, retomaram as ações neste ano. Nesta terça-feira (3), um grupo de alunos ocupou o plenário da Assembleia Legislativa. Eles dizem que só vão deixar o local quando os deputados paulistas concordarem em abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as suspeitas do escândalo de desvio de merenda, um esquema que envolve prefeituras e o próprio governo do Estado.

O episódio é mais um na lista de novas ocupações secundaristas pelo Brasil. Desde o dia 28 de abril, o prédio do Centro Paula Souza (CPS), também na capital paulista, está tomado por estudantes. Trata-se de uma autarquia do governo do Estado responsável por administrar as Etecs (Escolas Técnicas Estaduais) e as Fatecs (Faculdades de Tecnologia) de São Paulo. O movimento se apresentou como uma continuação natural das ocupações paulistas do fim de 2015 .

Em entrevista ao Nexo, Romão falou sobre o movimento secundarista, o perfil destes estudantes e como as ocupações os transformam em atores políticos:

A ocupação da Assembleia tem um significado maior do que as ocupações anteriores. Como você avalia essa movimentação?

Wagner Romão: O movimento percebeu – e certamente suas lideranças mais experientes têm um papel nisso – de que precisam realmente incomodar o governador para que haja alguma resposta às suas demandas. É pressão política de alto nível! A Assembleia Legislativa tem sido quintal dos governadores tucanos há décadas, não passa CPI que incomode o governo.

O estrago político que Alckmin amargou em novembro se repete agora. Das duas, uma: ou ele põe a Polícia Militar para desocupar e corre o risco de haver uma ação violenta – pois essa moçada não vai recuar facilmente; ou ele acusa o golpe e libera a bancada governista para cortar na própria carne. Ele perde nas duas, mas acho que perde menos se negociar e buscar a segunda opção, pois pode muito bem controlar a CPI.

Como você diria que o movimento secundarista evoluiu desde o início com as ocupações no ano passado?

As ocupações ocorreram em um momento crítico, sob a ameaça de fechamento de dezenas de escolas. Há denúncias que a reorganização está sendo realizada às escuras, com fechamento de mais de 1.000 salas de aula. O que ocorre hoje em vários Estados brasileiros, atualmente com mais força no Rio, mas também em São Paulo, me parece ser em parte um efeito demonstração da vitória (ao menos parcial) que o movimento alcançou em São Paulo em novembro do ano passado. Isso certamente encoraja o movimento no Rio, embora a pauta não seja tão específica como ocorreu em São Paulo (contra a reorganização).

Qual o perfil dos estudantes que estão ocupando as escolas no Brasil?

Certamente é geral a relação com as novas mídias. Isso, inclusive, amplia as possibilidades de troca de ideias e de tratamento de divergências que antes apenas eram tratadas no mesmo tempo e espaço. Hoje, com as redes sociais, a discussão continua e se torna como que permanente. Isso ocorre especialmente no Facebook.

Acho que há alguma diversidade político-ideológica. No entanto, há algo que os unifica que é o apreço pelo espaço público (em que estudam), por relações horizontais entre eles, sem hierarquias rígidas no movimento e um certo desprezo mais ou menos acentuado pelos políticos, com algumas exceções.

As ocupações estão se espalhando pelo país. As reivindicações são diferentes, mas têm características em comum. Como você avalia as aspirações, a forma de se organizar e as consequências desse movimento?

Penso que as aspirações são mais do que justas. Os estudantes percebem um momento político bastante difícil, sabem que a situação econômica gerará mais dificuldades orçamentárias e que a tendência, se eles não agirem, é que cada vez mais o ensino público seja precarizado e que as formas de assistência estudantil sejam cortadas. Além disso, não há absolutamente nenhuma confiança nos políticos e nos governos. A situação em São Paulo se complica ainda mais pelas denúncias da máfia da merenda e pela percepção de que nada vai acontecer com os políticos envolvidos.

As ocupações, com o passar dos dias e de vitórias – com a derrota da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo cuja polícia militar teve que desocupar o Centro Paula Souza [no dia 2 de maio, uma operação da Força Tática da Polícia Militar tentou desocupar o prédio ocupado pelos estudantes]  -, tende a gerar mais unidade entre os estudantes. O uso da mídia a favor deles, especialmente as relacionadas às formas mais autônomas da imprensa digital, podem gerar – como tem gerado no Rio – uma retomada da sequência de ocupações ocorrida no ano passado.

Sobre as consequências (e esse é um ponto importante): é muito provável que diversas categorias de servidores públicos, incluindo os professores e funcionários das Etecs, Fatecs e das universidades estaduais paulistas encaminhem um movimento grevista. A situação é crítica. É bem possível que haja uma combinação das demandas por estrutura e assistência estudantil com as demandas salariais e por melhores condições de trabalho dos professores e funcionários. A dúvida é saber como o governo vai lidar com isso.

Especialmente em Goiás e em São Paulo, a estratégia dos governos para lidar com as ocupações envolve a polícia. Qual sua avaliação dessa escolha?

Acho que isso tem um limite, tanto legal como político. O limite legal foi expresso ontem novamente e também foi expresso com as decisões judiciais que legitimaram as ocupações no ano passado. O limite político é evidente. Se lembrarmos de junho de 2013, as manifestações se avolumaram quando houve a violenta repressão da polícia no dia 13 de junho e ficou muito clara a percepção geral de que o governador estava extrapolando. As pessoas não aguentam mais ver a polícia batendo em estudantes que têm reivindicações legítimas.

Na sua observação, como está sendo nos alunos o aprendizado e a descoberta que despertam essa vontade de fazer política? É com os amigos, na internet, com movimentos sociais?

Aí seria preciso pesquisa mais específica, mas penso que é uma junção de muitos elementos. O movimento secundarista sempre existiu, inclusive com a presença de partidos políticos. Mas o que eu vejo hoje é que há mais diversidade na organização dos estudantes. Há muitos coletivos que não necessariamente tem ligação com partidos, embora tenham firmes convicções políticas. A internet ajuda muito na organização e para se angariar apoios de outros movimentos, parlamentares e da própria imprensa. A velocidade da comunicação entre eles também se acelera com as novas mídias e isso tem a ver também com a formação de uma identidade mais ampla, pois passam por situações semelhantes de precariedade e de repressão. E penso também que a conjuntura de crise política influencia bastante também. Vai se gerando uma compreensão de que é preciso ir à luta por seus direitos, uma vez que para esses jovens o que parece é que a maioria dos políticos apenas tem interesses egoístas.

O movimento, ao menos no fim de 2015, tinha como característica uma liderança forte das mulheres e dos LGBT. Isso continua?

Isso é um fenômeno fantástico e inédito no Brasil. É sintoma da evolução da visibilidade da luta das mulheres, dos grupos LGBT, da própria visibilidade dos negros e negras. Penso que aí, por um lado, a internet jogou um papel relevante ao furar o estigma dos temas tabu. As pessoas passam a se agrupar por suas afinidades e por identidades que antes eram bloqueadas. A internet e as redes sociais, blogs, vídeos, ajudaram a acelerar esse processo nos últimos anos. Além disso, a questão da diversidade passou a ser legitimada pelo próprio Estado, com a realização de conferências nacionais sobre o tema que agruparam e reuniram esses coletivos. E também com a promoção de políticas públicas para esses segmentos.

Como você acha que o governo de SP está lidando com as ocupações e as consequências em escolas técnicas, como as ETECs e as FATECs?

As escolas técnicas são as mais procuradas e pode ser que, em comparação com as outras, estejam em uma situação melhor. Mas, as informações que eu tenho é que cada vez mais têm faltado insumos básicos para os laboratórios que passam boa parte do tempo fechados. Os professores reclamam de assumirem cargas horárias bastante pesadas e receberem menos salário. A carreira nas ETECs foi achatada com o passar dos anos. Há também reclamações no que diz respeito à democracia e à convivência democrática nas escolas.

Você arriscaria um palpite sobre o que essas ocupações vão mudar nessa geração de jovens?

Sim. É incrível como temos visto cada vez mais participação, seja em manifestações de rua (pró e contra o impeachment), seja em ambientes mais específicos, como as ocupações. As ocupações se tornam possíveis porque os estudantes passam a organizar o espaço da escola e as atividades a partir de suas próprias tentativas e erros. Isso certamente gera um aprendizado sobre como conviver em uma coletividade, em uma comunidade. E isso é o elemento mais genuíno do que é a política, a capacidade de viver juntos segundo regras produzidas por todos e respeitadas por todos. Tomara que eles aprendam e que nós aprendamos com eles.

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