Duas noções de sustentabilidade

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No Fórum Social Temático, Leonardo Boff separa marketing verde das mudanças verdadeiras na produção e consumo. E Instituto Ethos lança proposta para candidatos às prefeituras   

Por Vivian Virissimo, Sul21 | | Foto: André Carvalho

“Colocar em prática a sustentabilidade é uma questão de vida ou morte diante de um cenário que coloca em risco toda a civilização. Penso que o grande legado desta crise será a discussão de ideias de que planeta nós queremos”, falou o teólogo Leonardo Boff na conferência Rumo à Rio+20 dos povos que debateu os desafios das grandes questões urbanas na Mesa Cidades Sustentáveis na tarde de quarta-feira (25) no FST 2012.

Boff defendeu que a noção de sustentabilidade deve ser compreendida como um substantivo e não como um adjetivo. “A sustentabilidade é comumente entendida apenas como um adjetivo, colocada como etiqueta em um produto. Isso não é sustentabilidade. A verdadeira sustentabilidade é um substantivo. Ela implica em um novo olhar, um novo paradigma. A falsa sustentabilidade não vê a devastação da natureza e a contradição com a injustiça social, além de legitimar o modelo que está aí para não alterar nada”, definiu Boff.

A Mesa foi coordenada por Oded Grajew e também contou com a participação de Frei Beto, Marina Silva, Ladislaw Dowbor e Jorge Abrahão. O Programa Cidades Sustentáveis oferece aos candidatos às eleições municipais uma agenda completa de sustentabilidade urbana associada a indicadores e casos exemplares, como referências a serem seguidas pelos gestores públicos.

O programa foi apresentado pelo presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão. Segundo ele, são 19 páginas que resumem os pontos principais para se repensar a estruturas das cidades do futuro. Ele apontou como uma das principais dificuldades a inclusão da discussão da pobreza mundial quando se aborda questões ambientais. “Se não diminuir a desigualdade nas suas várias matizes não tem como enfrentar o problema ambiental que a gente vive. Mas também não temos como resolver a pobreza antes e depois pensarmos no meio ambiente. Vivemos um momento em que temos que ser tudo junto e ao mesmo tempo”, argumentou Abrahão.

O escritor Frei Betto comparou as implicações da Conferência Eco 92, que estabeleceu diversas diretrizes ambientais, ao evento Rio+20 que será realizado no Rio de janeiro de 20 a 22 de junho. “Ainda que não seja uma conferência de Estado como foi a Eco 92 que congregou um número vasto de chefes de estado ao lado das figuras mais importantes do movimento ambiental, eu espero que na Rio+20 haja uma grande participação da sociedade civil, movimentos ambientais e que a gente consiga transformar o Rio de Janeiro numa grande caixa de ressonância”, comentou Betto.

O economista e professor Ladislaw Dowbor destacou que movimentos sustentáveis não podem ser consolidados sem organizar outras formas de sociedade e criticou a irracionalidade da mobilidade urbana em São Paulo para demonstrar que este modelo deve ser repensado. “São Paulo tem tantos carros que a estimativa de velocidade é de 14km/h. Isto não faz sentido, paralisar com o excesso de meios de transportes. Temos que pensar a cidade como um todo, organizar o processo decisório do uso de recursos. Lutar por uma cidade que a gente viva de uma forma mais decente”, avaliou o pesquisador.

Oded Grajew, que mediou o debate e faz parte do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, pontuou que este é momento chave de mudança no modelo de desenvolvimento e que a crise se desenvolve em diferentes dimensões: ética, ambiental e financeira. “Podemos encarar isso como uma grande oportunidade. A Rio+20 quer apontar diretrizes, não quer dizer que soluções vão surgir de uma maneira mágica. Não se pode esquecer que as causas desse momento são inúmeras”, acrescentou Grajew.

Ele também falou como vai funcionar a sistemática dos políticos que aderirem ao Documento Cidades Sustentáveis. “Cada item da agenda é associado a um indicador para estabelecer metas, por exemplo, economia de água. Para monitorar a ação de políticos, faremos um esquema de prestação de contas para o caso de candidatos que possam assinar o documento e não cumprir”, explicou. Segundo ele, diferentes partidos e candidatos nas eleições municipais já se comprometeram com a agenda de sustentabilidade urbana.

A ex-senadora Marina Silva começou sua intervenção citando estatísticas. Segundo os números apresentados por Marina, 85% da população vive em cidades só no Brasil (50% no mundo), 2/3 da demanda de energia são das pessoas que vivem nas cidades e esses moradores são responsáveis pela produção de 75% dos resíduos do país. “Geralmente a gente vê as cidades como um amontoado de pessoas e de problemas. Mas também as cidades podem ser vistas como um espaço possibilitador de inúmeras soluções e de resolução desses mesmos problemas. Se temos uma grande quantidade de pessoas que estão num único espaço, talvez seja mais fácil levar qualidade de vida para elas”, afirmou Marina.

Para Marina, a Rio+20 vai ocorrer no contexto de um crise que não é somente econômica, mas que se caracteriza por muitas crises, principalmente uma “crise de valores”. “Essa crise de valores tem estressado todas as demais crises. É o que acontece com o sistema financeiro, que não vê diferença em mentir que um país é triple A para continuar lucrando. Os lucros foram apropriados por poucos e os prejuízos divididos por muitos”.

“O mundo inteiro grita que algo tem que ser feito. Se não fizermos nada, estaremos comprometendo o futuro da vida no planeta. Quando as pessoas se juntam elas sinalizam que outro mundo é possível. Outras cidades possíveis também estão sendo sinalizadas. Cidades sustentáveis não vão cair do céu, não vai ser pelo número de queixas, vai ser pela qualidade do nosso compromisso”, finalizou Marina Silva.

 

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