Os Mulheres Negras enxerga sintonias entre São Paulo e Recife

Depois de vinte anos, dupla de músicos paulistas marcada pela irreverência e experimentalismo volta a provocar — agora no carnaval pernambucano

Por Mariana Suassuna, na Revista Continente

mulheres negras

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Depois de vinte anos, dupla de músicos paulistas marcada pela irreverência e experimentalismo volta a provocar — agora no carnaval pernambucano

Por Mariana Suassuna, na Revista Continente

De chapéu coco e sobretudo, André Abujamra –  filho do ator e diretor de teatro Antônio Abujamra – e Maurício Pereira ficaram na memória daqueles que prestigiaram a vanguarda paulista nos idos anos 1980 como a dupla Os Mulheres Negras. Tendo o humor como marca registrada, os parceiros se autointitularam, na época, de “a terceira menor big band do mundo” e abusaram das parafernálias eletrônicas para construir um som de veia pop. Performáticos e irreverentes, os compositores chegaram a lançar dois álbuns em dupla, Música e Ciência (1988) e Música Serve Pra Isso (1990). Assim como o espírito que permeia os discos, os shows da dupla são lembrados pelo experimentalismo sonoro no palco, que se transformava num verdadeiro laboratório musical.

Depois de 21 anos sem fazer shows, Os Mulheres Negras resolveram quebrar o jejum e voltaram aos palcos em 2012. A nova turnê, que marca o reencontro dos músicos-cientistas, chega ao Recife na terça-feira de Carnaval, no palco do Rec Beat, instalado no Cais da Alfândega. “A responsabilidade e a alegria de se apresentar em Recife são enormes. Não porque a gente demorou para tocar aí, mas porque Recife é um lugar importante pra a música pop. Isso é o que deixa, agora e em qualquer momento, a gente meio elétrico”, disse Maurício Pereira em conversa com a Continente.  Há anos a dupla paulista estava na mira do produtor Antônio Gutierrez para ser uma das atrações do Rec Beat. Só agora, na 18ª edição do festival, Gutie realiza o sonho de apresentar Os Mulheres Negras ao público pernambucano, o que tem tudo para entrar na lista dos shows históricos do festival.

Segundo Maurício, o que motivou a volta de Os Mulheres Negras foi a necessidade “quase sexual, quase espiritual e quase comercial” de tocarem juntos novamente. Ao contrário de Los Hermanos e Planet Hemp, que se reuniram para uma turnê comemorativa após a separação das duas bandas, o show que Os Mulheres trazem ao Recife pode ser encarado como a volta definitiva da dupla. “Como a vida tá muito maluca em São Paulo e a gente tem mil coisas pra fazer separados, toda vez que a gente ensaia e toca junto acaba matando as saudades. Nosso processo tem sido bagunçado, mas o fato é que estamos juntos na estrada de novo” afirmou Maurício.

Por e-mail, Maurício Pereira também falou a Continente sobre a “nova cara” que Os Mulheres Negras absorveram após as experiências agregadas em suas carreiras solos, antecipou detalhes sobre o show no Rec Beat e ainda apontou afinidades entre Recife e São Paulo: “Acho que são cidades de cabeça pop”.

Mesmo não tendo se apresentado no Recife, o show d’Os Mulheres Negras não deixa de ter um caráter nostálgico para os fãs que acompanharam a dupla nos anos 1980. Ao mesmo tempo, tocar no Rec Beat é uma oportunidade de se aproximar da nova geração antenada com a música contemporânea e não muito familiarizada com a obra de vocês. O que ambas as gerações podem esperar de Os Mulheres Negras no Rec Beat?

Maurício Pereira: Os fãs da antiga vão ouvir os velhos sucessos e não-sucessos. Pode ser que para eles pareça que a gente toque de um jeito mais agressivo, mais consciente, mais maluco, mais de acordo com a época em que a gente vive, e que agregamos as experiências que tivemos nas nossas carreiras solo. As novas gerações vão ver que a gente é um par de tiozinhos que ainda está buscando, experimentando, independentemente de estar tocando coisas antigas ou novas. Nesse último ano e meio, fizemos uma dúzia de shows, e um não foi igual ao outro. Mesmo tecnologicamente. Estamos fuçando, como nos é possível, entendendo e desentendendo o mundo.

O que você acha que mudou n’Os Mulheres Negras das décadas de 1980 e 1990 para os dias de hoje?

Maurício: Talvez a gente esteja um pouco mais livre, talvez tocando de um jeito mais sujo, talvez mais agressivo, não sei. Me parece que agora, mais que antes, sintonizamos um com o outro como se a gente fosse um par de trapezistas sem rede, nos sentimos absolutamente no mesmo barco. E seguimos, aos poucos, tentando achar um caminho pra fazer nossa música esculhambada e rigorosa com tecnologia atual. Ou seja: estamos em obras.

Além d’Os Mulheres Negras, você e André têm se ocupado com outros projetos individuais, não é?

Maurício: Tanto eu como o André mantemos vários de nossos projetos em funcionamento, como se cada um de nós fosse uma companhia de teatro que mantém vivas várias peças em seu repertório. Por exemplo, o André continua com o Karnak, o Fat Marley, o Mafaro. Tem também o Loveborgs. E produções, direções, trilhas. Eu continuo a fazer os shows dos meus diferentes discos: o Mergulhar na Surpresa, que quero muito levar para Recife este ano, o Pra Marte, os bailes de carnaval com o Turbilhão de Ritmos, o Pereirinha & Pereirão com meu filho Tim, guitarrista d’ O Terno. Fora isso, estou trabalhando num disco autoral, quem sabe para este ano ainda. Enfim, vamos usando o que temos, desde que ainda faça sentido. Vamos fazendo o que podemos.

Qual a canção que não pode faltar no repertório de vocês desde o retorno da dupla?

Maurício: Seguramente duas: Mãoscolorida e Martim.

E qual música você diria que sintetiza o espírito da dupla para a nova geração que vai ver o trabalho de Os Mulheres, no Rec Beat, pela primeira vez?

Maurício: Além dessas duas, acho que Eu Vi, que a gente tá fazendo na voz e na guitarra, visceralmente, como se a gente fosse um par de cantadores de rock’n’roll.

Em entrevista ao site paulista Uia Diário, você disse, entre outros sons, que qualquer músico do Recife seria a trilha sonora ideal para São Paulo. Você acha que essa conexão reflete no trabalho d’Os Mulheres Negras?

Maurício: Eu sempre vi Recife como um lugar que tem afinidades com São Paulo. Talvez a mistura cultural intensa e heterogênea, uma certa aspereza que tem no ar, no jeito de falar, de pensar, sei lá. Ouço maracatu e me parece rock’n’roll, é veloz, tem pegada, o manguebit também sempre pareceu algo muito natural na minha orelha paulistana. Coisas que têm muito a ver com São Paulo, mesmo São Paulo sendo uma cidade mais jovem. Basicamente somos uma cidade que se fez adulta no século 20, três séculos depois de vocês, já pensaram nisso? A eletricidade dentro da cabeça, o hábito de lidar com forasteiros e suas culturas, nossas misturas. Não está só na música, é uma coisa do espírito, tá no pensamento, no modo de se expressar: acho que são cidades de cabeça pop. Faz sentido pra vocês?

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