O garimpo flutuante invade o rio Madeira

Autazes (AM) vive uma “febre do ouro”. Boato de “riquezas submersas” coalhou o rio com 300 balsas do garimpo ilegal. Dejetos de mercúrio e barreira artificial ameaçam a biodiversidade e o sustento da população ribeirinha

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Por Catarina Barbosa, no Brasil de Fato

Há no mínimo duas semanas, garimpeiros invadiram o rio Madeira, nas proximidades da comunidade de Rosarinho, em Autazes (AM), após boatos de que a região é rica em ouro. Com isso, uma espécie de cidade flutuante com aproximadamente 300 balsas, empurradores e dragas foi instalada no local para prática de extração ilegal do minério. Para Rafael Modesto, da assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a ação contém um conjunto de ilegalidades. 

“A exploração de ouro é extremamente perniciosa e causa danos ao meio ambiente, inclusive, com o risco de contaminação por mercúrio e não tem nenhuma fiscalização até então, pelo que a gente sabe, na região. Então além da exploração deve haver também crimes como contrabando, trabalho escravo, tráfico de drogas, mas o principal é o crime contra a legislação ambiental, o crime contra o patrimônio público brasileiro, contra o rio Madeira, contra as comunidades ribeirinhas e a população local”, afirma.

O garimpo ilegal é prática comum na região, no entanto, a instalação da cidade flutuante nas duas últimas semanas, se deu porque circula entre os garimpeiros a informação de que haveria ouro naquele trecho específico.

O município de Autazes tem uma população de pouco mais de 41 mil pessoas, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fica a cerca de 110 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas.

Nesse tipo de atividade, o material coletado é filtrado e a água é devolvida ao rio. Além de ilegal, o trabalho realizado pelas dragas polui e impacta diretamente o meio ambiente e as comunidades ribeirinhas e indígenas.

Rafael Modesto afirma que o CIMI junto com o Greenpeace e outras entidades que defendem nos direitos humanos e o meio ambiente estão articulados para que os garimpeiros sejam retirados do local.

“Estamos cobrando providências do Ministério Público Federal (MPF), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e da Polícia Federal para que possam fiscalizar e fazer uma operação de debandada para que aquelas balsas e dragas sejam retiradas e quando não puderem ser retiradas sejam destruídas”.

O risco à biodiversidade e às populações locais

Danicley Aguiar, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace aponta que além dos crimes citados por Rafael Modesto há também o fato de risco à saúde das populações que habitam ali a calha do Rio Madeira.

“Esse é um dos rios mais importantes da Amazônia, fonte de biodiversidade especialmente de pescado que alimenta grande parte das populações seja na cidade de Porto Velho (RO) ou mesmo da cidade de Manaus como também as cidades menores que ficam ao longo da calha do rio madeira. Nesse rio há pelo menos 1.000 espécies de peixes já identificadas, e sua bacia contribui com 50% do total da carga de sedimentos suspensos transportados pelo rio Amazonas”, resume.

Na avaliação dele, o garimpo se tornou uma praga que precisa ser combatida. “O garimpo ilegal acontece de forma recorrente na região do Baixo Madeira até o estado de Rondônia. Em janeiro de 2021, Rondônia autorizou e regulamentou a prática em seu território, além de revogar um decreto que proibia a extração de minério no Rio Madeira, no trecho da divisa com o Amazonas, no qual a prática continua sendo ilegal”, explica.

Em agosto deste ano, a Justiça Federal condenou o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) a anular diversas licenças concedidas de maneira irregular para a extração de ouro no Rio Madeira. A Justiça alegou falta de estudos que apresentem o impacto ambiental antes da concessão de autorizações, principalmente sobre os danos ambientais causados pelo uso de mercúrio nestas atividades.

“Infelizmente esse tipo de atividade se tornou uma praga na região, o garimpo virou uma epidemia, tem toda uma narrativa, uma licença política que tem sido construída pelos governos do Estado do Amazonas e de Rondônia e que se associa a narrativa da presidência da república, que dá estímulo ao avanço dessa economia de destruição na Amazônia. É lamentável que a lei tenha se tornado exceção e não regra e o que se pede é que as autoridades federais e estaduais ajam para impedir que esse tipo de atividade se alastre por todo o Rio Madeira”, conclui.

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