Como São Paulo está enfrentado o conservadorismo

Exame dos mapas eleitorais revela: áreas da cidade que eram redutos anti-mudanças podem estar se arejando, graças a novos movimentos, como cicloativismo, e crítica à especulação imobiliária

Por Raquel Rolnik, em seu blog

Manifestação “Amor sim, Russomano não”, na véspera do 1º turno, terá prosseguimento com “Existe amor em São Paulo”, neste domingo

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Exame dos mapas eleitorais revela: áreas da cidade que eram redutos anti-mudanças podem estar se arejando, graças a novos movimentos, como cicloativismo, e crítica à especulação imobiliária

Por Raquel Rolnik, em seu blog

O voto paulistano tem uma geografia que parece se repetir eleição após eleição. Os mapas da geografia do voto mostram um desenho que se repete há décadas: direita e centro (azul) no miolo mais rico da cidade, e a esquerda (vermelho) nas periferias, como vemos no mapa abaixo do 1o turno das eleições municipais deste ano.

O azul mais intenso corresponde ao lugar que historicamente concentra renda, poder e qualidades urbanísticas em São Paulo, como já demonstrou o prof. Flavio Villaça, da FAU USP, em inúmeros artigos e livros. Mais de 40% dos habitantes desta região pertencem ao grupo que possui renda familiar de mais de 20 salários mínimos (veja mapa abaixo).

O vetor sudoeste é, historicamente, hegemonizado pelo PSDB, marcado por um profundo sentimento anti-PT e por uma atitude conservadora em relação à cidade. Para os moradores desta região, a ideia de redistribuição de oportunidades ou de inversão de prioridades que marcou o discurso do PT em seus primórdios não tem nenhum apelo.

A leitura do mapa do 1º turno destas eleições, em tese, diria que nos bairros mais ricos predominou o voto no Serra e, nos mais pobres, no Haddad. Não haveria, portanto, nenhuma novidade no cenário. Será? Uma observação mais atenta aponta sutilezas que matizam esta leitura binária. Em primeiro lugar, no chamado centro expandido, embora predomine o voto no PSDB, Haddad foi o 2º colocado, com votação mais expressiva, em alguns distritos, do que Marta Suplicy alcançou no pleito de 2008, quando o PT perdeu para a coligação DEM/PSDB (veja mapa abaixo).

Em segundo lugar, historicamente, na cidade de São Paulo, três — e não duas — forças político-partidárias marcam a geografia eleitoral: o PT, o PSDB e o malufismo, herdeiro do janismo. O voto no Russomano, entretanto, não é herdeiro do malufismo como afirmam alguns. Além disso, redutos históricos do malufismo como o Tatuapé ou a Vila Maria se dividiram quase igualmente entre os três primeiros candidatos (clique aqui para ver o mapa detalhado) e Russomano não ganhou em nenhum distrito da capital. Na chamada extrema periferia, Haddad dividiu a hegemonia dos votos com Russomano, e não com Serra. E, obviamente, não podemos configurar o candidato do PRB como “de esquerda”… Então como podemos interpretar este cenário?

Se permanece verdadeira a polarização azul x vermelho, o sutil crescimento de Haddad no centro expandido poderia apontar para uma espécie de descontentamento com o modelo de cidade, inclusive na área historicamente mais privilegiada por este modelo? Não seriam os inúmeros movimentos — de cicloativistas, de preservação de bairros, de ocupação de espaços públicos, além de outros tantos que surgem no interior desta região, sinais deste desejo de mudança? Por outro lado, no que já foi uma “periferia consolidada” de outros tempos, onde a renda cresceu e as demandas de urbanidade se sofisticaram, os apelos do malufismo parecem perder eco. Finalmente, se realmente existem mudanças no cenário, estas estariam ocorrendo no campo da política ou indicariam possíveis reconfigurações da cidade?

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2 comentários para "Como São Paulo está enfrentado o conservadorismo"

  1. Carlos Fuser disse:

    Essas pesquisas têm uma falha: não mostram quem votou em quem! Se podemos aceitar como verdadeira a preferência majoritária por um partido em tal bairro, e também a renda média dessa bairro, não ficamos sabendo quantas pessoas de renda mais alta votaram em qual partido! Ok, podemos deduzir! Deduzir não é saber! Quantas pessoas pobres votaram em outro partido, e não no PT? E quantas pessoas de renda mais alta votaram no PT? Essa informação é muito mais interessante e importante do que a "distribuição geográfica" dos votos (e pode, inclusive, jogar por terra algumas das conclusões). Mas, do mais importante de tudo, não se chega nem perto: quais os sentidos dos votos, ou seja, o que esperam e acreditam as pessoas de tal renda, quando votam em tal partido? Essa é a pergunta fundamental! A pesquisa que foi mostrada no artigo, embora de certo interesse, pode alimentar preconceitos de classe, falsas conclusões, dicotomias estreitas e um estilo emocional e raivoso de fazer discursos políticos que podem conduzir a confrontos equivocados!

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