Na contramão da crise da Imprensa

Novo fenômeno no jornalismo francês é feito de papel e aposta nos leitores pós-internet. Na “6Mois”, fotografia é instrumento narrativo, fotógrafos participam da edição e leitores são informados sobre os bastidores de cada história

Por Kênya Zanatta, no Opera Mundi

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Novo fenômeno no jornalismo francês é feito de papel e aposta nos leitores pós-internet. Na “6Mois”, fotografia é instrumento narrativo, fotógrafos participam da edição e leitores são informados sobre os bastidores de cada história

Por Kênya Zanatta, no Opera Mundi

Um tijolo de 1,3 kg, 350 páginas e centenas de fotos vendido por 25,50 euros (68 reais). A aposta da revista francesa 6Mois (seis meses, em português) parece mais do que temerária atualmente, quando publicações tradicionais fecham as portas em todo o mundo ou abrem mão do papel para sobreviver na versão digital.

No entanto, a resposta positiva dos leitores mostra que ainda há público para reportagens aprofundadas, com temas que passam longe das manchetes da grande mídia. Lançada em março de 2011, a revista semestral, dedicada ao fotojornalismo, lançou recentemente o quarto número. Com tiragens que variam entre 35 e 40 mil exemplares, a 6Mois já reuniu 1.500 assinantes.

Os fundadores, o editor Laurent Beccaria e o jornalista Patrick de Saint-Exupéry, decidiram se lançar nessa aventura após a experiência bem-sucedida com a revista XXI. A publicação trimestral estreou em janeiro de 2008 para ocupar uma lacuna no mercado editorial francês, oferecendo aos leitores textos longos de jornalistas e escritores, reportagens fotográficas e relatos jornalísticos em quadrinhos.

A revista, que assim como a 6Mois é vendida somente em livrarias e não tem publicidade, conquistou rapidamente seu público e o apoio dos livreiros franceses, provando a validade de um modelo econômico alternativo sem equivalente no país.

Na pesquisa por reportagens fotográficas de fôlego para a XXI, a equipe descobriu que havia uma rica produção que não encontrava espaço na mídia.  “Daí surgiu a ideia de  fazer a mesma coisa, mas invertendo a relação entre texto e imagem”, explica ao Opera Mundi Marie-Pierre Subtil, que saiu do jornal Le Monde, onde trabalhou por mais de 20 anos, para assumir a chefia da redação da 6Mois.

Um projeto gráfico elegante aliado à uma impressão cuidadosa em papel de alta qualidade valorizam a fotografia como instrumento narrativo. Na 6Mois, a foto não é mera ilustração. E as imagens chegam de todos os cantos do mundo. No último número, o leitor acompanha um ano na vida de três jovens chinesas em Pequim. Além disso, a revista retrata uma visita à primeira prisão “ecológica e humanista” do mundo, na Noruega e a perigosa operação de desmantelamento de navios nos portos de Bangladesh.

Cada reportagem tem no mínimo 24 páginas, um verdadeiro latifúndio em comparação com os espaços acanhados dedicados ao fotojornalismo na mídia tradicional. “O que fazemos em papel não existe em nenhum outro lugar do mundo”, garante Marie-Pierre Subtil. Outros diferenciais são a preocupação em informar o leitor sobre o contexto de cada história e as condições em que o fotógrafo realizou o trabalho.

Abertura da reportagem “Três garotas em Pequim”, da fotógrafa franco-coreana Elisa Haberer, publicada na edição número 4 da 6Mois

Em princípio, parece que a revista se restringe às fotos, diz Subtil, mas “na verdade há um grande trabalho de redação”, explica. “Tentamos colocar nas legendas o máximo possível de informações. Todos os fotógrafos são associados à edição. Geralmente são reportagens que o fotógrafo fez sem pensar em vender, porque queria contar a história. Se encomendássemos a reportagem, talvez o resultado não fosse o mesmo porque o que nos interessa é o olhar do fotógrafo, o quanto de si ele colocou no projeto. No primeiro número, por exemplo, tínhamos um trabalho feito durante 18 anos.”

6Mois foi criada com a ambição de ser uma revista internacional, com edições em múltiplas línguas, e está atualmente em negociação com editores de vários países. “A fotografia é uma linguagem universal. Tomamos o cuidado de editar a revista de uma forma que ela possa lida por a partir de qualquer lugar do mundo. Não há nenhuma referência à cultura francesa”, afirma Subtil.

Debate atual

A quem diz que o projeto é um retorno à pré-Internet, a chefe de redação responde que a 6Mois só existe graças à rede. “Apostamos nos leitores pós-internet. Há milhares de imagens produzidas a cada ano, mas onde estão aquelas que contam uma história, que fazem sentido?”, pergunta. Para ela, a 6Mois dá espaço ao que vale a pena ser mostrado. “Não poderíamos fazer a revista sem a internet porque é por meio dela que descobrimos histórias em sites de fotografia, conversamos com os profissionais… É uma ferramenta formidável!”

A equipe que produz a 6Mois tem apenas duas pessoas dedicadas integralmente à revista, mas conta com o suporte de outras 23 que trabalham para as editoras L’Iconoclaste e Les Arènes e na redação da revista XXI, todas reunidas na mesma sede no elegante bairro de Saint-Germain-des-Prés, tradicional reduto de editoras no centro da capital francesa.

Um dos retratos da reportagem “A cidade dos campeões”, sobre a decadência de Brockton, na costa leste dos EUA

Cada número começa com 30 páginas de seções, nas quais se fala brevemente de temas ligados à atualidade internacional. O prato principal é um dossiê de 100 páginas com três reportagens fotográficas ligadas a um mesmo tema. No último número, esse trítico é dedicado aos Estados Unidos. Nele, a 6Mois conta como um casal de milionários da Flórida foi obrigado pela crise a mudar seu estilo extravagante de vida, sobre a difícil readaptação à vida civil de um veterano da guerra no Iraque – um trabalho recompensado pelo prêmio Pulitzer – e sobre a decadência de uma pequena cidade da costa leste.

6Mois traz ainda uma longa entrevista com um repórter fotográfico, cerca de quatro reportagens com temas variados, uma fotobiografia – a do último número conta a história da presidente Dilma Rousseff –, um dossiê de arquivos fotográficos e o álbum de família de um fotógrafo.

Ao final, Subtil aproveita para puxar a orelha dos fotojornalistas brasileiros, dizendo que a maioria se atém a somente um tema.  “É como se os fotógrafos antecipassem o que os jornais esperam: favelas, violência, Carnaval, índios da Amazônia. Porém, não vejo o Brasil nas fotos, não vejo essa classe média da qual tanto se fala. Evidentemente, isso é mais difícil de fotografar, é preciso encontrar um ponto de vista original”, afirma.

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3 comentários para "Na contramão da crise da Imprensa"

  1. Logo eu que adoro o Francês! Splendid!

  2. Cara, incrível esta abordagem jornalistica.

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