Multiplicação do perigo

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Com o registro de três vazamentos no mar todos os meses, o Brasil se prepara para explorar o pré-sal

Por Luiz Maklouf Carvalho, Piauí

Para fazer funcionar uma plataforma de retirada de petróleo no mar, a Petrobras é obrigada por lei a obter uma licença de operação que é concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. A licença, por sua vez, só é outorgada se a empresa apresentar um Plano de Emergência Individual, um documento técnico que descreve com minúcias o que farão os funcionários da plataforma, e equipes de segurança em terra e embarcações, no caso de vazamento de óleo no mar.

Na indústria do petróleo, que lida diariamente com quantidades enormes de uma matéria-prima suja, os vazamentos são frequentes no mundo inteiro. Na maioria dos casos, são pequenos e médios – o que não quer dizer que não sejam graves – e, de vez em quando, ocorrem catástrofes. A mais recente foi o acidente na plataforma de perfuração Deepwater Horizon, operada pela British Petroleum, a BP, no Golfo do México, no sul dos Estados Unidos. Em 20 de abril, uma explosão matou onze pessoas e provocou, por 87 dias contínuos, o derramamento de 800 milhões de litros de óleo no mar, formando uma mancha de 2 500 quilômetros quadrados que atingiu o litoral de quatro estados.

O poço que explodiu estava em águas profundas, a 1 500 metros abaixo do nível do mar. Ainda não há conclusão oficial sobre as causas, mas as investigações indicam que houve falha numa engrenagem de dutos e válvulas, conhecida pela sigla BOP (Blowout Preventer), que é posta na “boca” do poço, lá no fundo. Sua função é controlar a pressão do óleo e do gás na abertura, e vedá-lo no caso de descontrole e vazamento. Foi isso que não aconteceu no Golfo do México. Um BOP para esta profundidade custa cerca de 30 milhões de dólares. Já o custo total da limpeza, que se estenderá ao longo de anos, pode chegar a 8 bilhões de dólares, sem contar as indenizações. A avaliação mais recente é que a BP perdeu 100 bilhões de dólares em valor de mercado.

No Brasil, o Plano de Emergência Individual se tornou exigência legal no início da década. Em janeiro de 2000, 1,3 milhão de litros de óleo vazaram na Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, na Baía da Guanabara. Seis meses depois outros 4 milhões de litros vazaram da Refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, no Paraná, e atingiram os rios Barigui e Iguaçu.

O Plano de Emergência Individual, PEI, foi disciplinado e detalhado em várias resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama. O plano de cada plataforma marítima deve prever os procedimentos para a interrupção da descarga de óleo, a contenção de derramamento e a proteção de áreas vulneráveis. Também precisa estabelecer como a mancha de óleo será monitorada e recolhida, por meios mecânicos e químicos, e como se dará a dispersão dos restos. É obrigatório mostrar como será feita a proteção das populações vizinhas, bem como da flora e da fauna. Por fim, o PEI estabelece de que forma deve ser realizada a limpeza das áreas atingidas.

Uma resolução do Conama implementou um critério para a graduação dos volumes de vazamento – se pequenos, médios ou grandes. Grosso modo, um vazamento com descarga de 8 mil litros é considerado pequeno e um de 50 mil litros, médio. Uma piscina olímpica armazena 2,5 milhões de litros.

O órgão do Ibama responsável pela aprovação dos Planos de Emergência Individual é a Coordenação-Geral de Petróleo e Gás. Sua sede fica no 9º andar de um prédio antigo na Praça XV, no centro do Rio. Seu chefe, desde 2004, é o geólogo Edmilson Comparini Maturana. A sério e com convicção, ele logo me anunciou: “Aqui nós nos consideramos funcionários de Estado, não funcionários do governo, seja ele qual for.”

Maturana comanda sessenta analistas ambientais, com salário médio de 6 mil reais, todos concursados. A maioria, 48, está lotada no Rio, e doze ficam em Sergipe, onde a Coordenação tem uma base. O quadro de funcionários triplicou a partir dos concursos públicos implementados na década de 90, também por pressão das empresas, que tinham pressa na emissão das licenças ambientais. “A equipe é suficiente para que eu tenha 100% da atividade enquadrada legalmente, operando com licenças regulares e com acompanhamento das condicionantes dessas licenças”, disse Maturana, numa mesa de reuniões em sua espartana sala de comando.

Há hoje 140 plataformas marítimas de produção em atividade nas bacias de Campos, Santos e Espírito Santo. A maioria é da Petrobras. Todas têm o seu Plano de Emergência Individual. Até 2004, os PEI não passavam por nenhuma fiscalização depois de aprovados. Se saíam do papel, para serem testados periodicamente, por exemplo, isso era responsabilidade das empresas, sem supervisão do Ibama. De lá para cá, os analistas ambientais de Maturana passaram a acompanhar a performance das plataformas nas simulações de acidentes. E a emitir pareceres relacionando os erros e os acertos.

“O objetivo é verificar a eficácia da estrutura de resposta a esses vazamentos, e detectar possíveis falhas e necessidade de revisão dos Planos de Emergência Individuais”, explicou o geólogo. “Temos que buscar a melhoria contínua – até porque o pré-sal vem aí, e com ele a multiplicação do número de plataformas, e dos riscos.”

Eram 8h20 do dia 10 de março passado, uma quarta-feira, quando um analista ambiental do Ibama da Praça XV telefonou para um fiscal da plataforma SS-53, ao sul do Campo de Tambuatá, na Bacia de Santos. Avisou que 80 mil litros de óleo haviam vazado no mar. Uma hora depois, outro aviso informou que bolotas de óleo flutuavam na praia de Vila Caiçara, no município de Praia Grande, no litoral sul paulista. Os dois alarmes, simulados, marcavam o começo do teste do Plano de Emergência Individual da plataforma. A Petrobras fora avisada que o Ibama supervisionaria a simulação naquele dia. Só não sabia o cenário exato que seria proposto – o vazamento e as bolotas na praia, com pipocas fazendo o papel do óleo. Sete inte-grantes da equipe de Maturana acompanharam o exercício na terra, no ar e no mar.

Nas operações de mar vazaram, hipoteticamente, 80 mil litros. O analista foi João Carlos Nóbrega de Almeida. Em seu parecer técnico, assinado por todos, ele registrou: “Houve problemas no lançamento da barreira de contenção, que não foi inflada completamente, e houve a quebra do skimmer após a sua colocação na água.”

A barreira de contenção é um obstáculo que impede o fluxo do óleo, evitando que ele se espalhe. Skimmer é o aparelho que suga e recolhe o óleo para a embarcação dedicada a retirá-lo. Sem o skimmer, o óleo não é recolhido.

Com a memória de outros exercícios que acompanhou, Nóbrega continuou: “Os problemas em equipamentos das embarcações voltaram a se repetir, algo que tem acontecido nos simulados das diversas bacias que mantêm atividades. Entende-se que esses problemas frequentes podem afetar a confiabilidade dos Planos de Emergência da empresa.”

O analista observou que o coordenador de operações no mar, Manuel Osório, da Petrobras, sediado no Rio, demorou seis horas para chegar à plataforma, a partir da comunicação do incidente, “perdendo um tempo precioso em um combate à emergência”. E registrou que o helicóptero usado na simulação tinha combustível apenas para

o trajeto aeroporto–plataforma–aeroporto. “Em emergências, vários sobrevoos devem ser realizados, a fim de que o coordenador de operações no mar oriente o posicionamento das embarcações de resposta, o que demanda mais combustível.”

Com o pré-sal, que fica mais distante da costa, o problema da autonomia de voo se agrava. O parecer sugere pontos de reabastecimento em plataformas estratégicas, medida mais eficiente e segura do que instalar tanques de combustível extras para os helicópteros.

Na conclusão do parecer, no qual Maturana assinou o seu “De acordo”, está dito que “os equipamentos de contenção e recolhimento apresentaram problemas (barreira afundada em vários trechos e recolhedor quebrado), não sendo possível a simulação dos procedimentos. Ressalta-se que os mesmos problemas se repetiram em praticamente todos os simulados realizados pela empresa no ano de 2009, o que demonstra a necessidade de uma alteração dos seus procedimentos de avaliação e manutenção destes equipamentos”.

Conclusão do parecer: “O exercício simulado realizado demonstrou que a estrutura de resposta de Unidade de Negócios da Bacia de Santos/Petrobras apresenta problemas. Entende-se que a empresa deverá revisar seu Plano de Emergência na Bacia de Santos.”

A Petrobras tomou medidas, como acréscimo de equipamentos, mas a coordenação de Maturana considerou-os insuficientes. Num segundo parecer, de 19 de maio, assinado por dez analistas ambientais, sete deles presentes no simulado da plataforma SS-53, depois de uma referência ao acidente da BP no Golfo do México, se afirma que grandes vazamentos de óleo exigiriam uma quantidade de recursos e uma organização logística bem mais ampla do que a Petrobras dispõe hoje: “Percebe-se que, mesmo em vazamentos de 80 metros cúbicos – 80 mil litros –, considerados ‘médios’ na legislação brasileira, a empresa tem apresentado dificuldades na execução dos exercícios de resposta até mesmo em situações previamente definidas, muito diferentes de um acidente real.”

E a equipe recomenda, com gravidade: “Levando em conta as pretensões da empresa em ampliar suas operações de exploração e produção de óleo na Bacia de Santos, entende-se que, para futuros empreendimentos, a empresa deverá reformular toda a sua estrutura de emergência.”

A Petrobras teve uma nova chance três meses depois, em 9 de junho: um segundo simulado, na mesma plataforma SS-53, e praticamente nas mesmas condições, incluindo o aviso prévio. “A Petrobras foi novamente reprovada, porque cometeu os mesmos erros”, contou Maturana fazendo riscos numa folha de papel. “É muito grave que tenha cometido tantos erros e não tenha atendido o tempo de resposta, que é chegar à área do derrame no tempo estabelecido. Como vai procurar manchas de óleo na região, ou instruir as embarcações, se o helicóptero não tem autonomia? Nós então determinamos que ela só obteria novas licenças de operação, para furar novos poços, se mudasse o Plano de Emergência.”

“Vocês estão com toda essa moral em cima da Petrobras, que tem fama de mandar e desmandar?”, perguntei. “É a lei”, respondeu o geólogo do Ibama. “E eu digo, com muito orgulho, que nós temos sido independentes da Petrobras, o que é bom também para ela.”

Os problemas só foram solucionados num terceiro simulado, idêntico aos anteriores, realizado em 8 de julho. “A Petrobras fez uma série de mudanças, como aumentar a quantidade de embarcações disponíveis de quatro para sete, e colocar tanque de emergência no helicóptero, conseguindo realizar o tempo de resposta”, contou Maturana, riscando outro papel – “geólogo só fala desenhando”, explicou.

Paulistano criado no Tucuruvi, filho de um gráfico que nos velhos tempos simpatizou com o Partido Comunista, Maturana tem 45 anos. Começou a trabalhar aos 15, como aprendiz do Senai – “Igual ao presidente Lula”, disse, exibindo as mãos, mas com os dez dedos. Fez curso de técnico em eletrônica em escola pública, trabalhou em multinacional como montador, e fez economias para poder cursar uma faculdade – no caso, a de geologia da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1989. Cursou uns anos de filosofia, sem concluir, tentou aprender a tocar violino e fez cursos de especialização na sua área. Trabalhou como professor de geografia e nas secretarias de Meio Ambiente da prefeitura e do governo de São Paulo. Lidou com loteamentos clandestinos em áreas de mananciais e problemas do tipo. Em 2002, passou num concurso para o Ibama e foi lotado na coordenação que hoje chefia.

“Nunca tive um caso de corrupção aqui”, afirmou, olhando com gravidade pelos óculos que não lhe saíram do nariz afilado. Magro, mal chegando a 1,60 metro de altura, tem cabelo rente, e barba e bigode bem desenhados. Ri pouco, sempre presta atenção no que está dizendo e costuma enveredar pelo palavreado técnico. Sua diversão, com a mulher e os dois filhos, é uma casa no interior de Minas. Sua chateaçãozinha é ter como homônimo um ex-prefeito, Edmilson Maturana, acusadíssimo de corrupção. “Ainda bem que eu tenho o Comparini no meio”, disse, bem-humorado.

Nos últimos três anos, a coordenação de Maturana supervisionou 31 exercícios simulados de Planos de Emergência em plataformas marítimas. O penúltimo simulado de 2010 foi realizado no dia 16 de setembro, na Bacia de Campos, onde está a plataforma PA-37. Quatro analistas ambientais participaram do exercício, que começou às sete e meia da manhã, quando um fiscal da Petrobras foi avisado de um vazamento de 7 mil litros de óleo na plataforma. Esse era o cenário de mar. O de terra começou com o aviso de que uma mancha de óleo atingia a praia do Farol de São Thomé, em Campos dos Goytacazes.

Os analistas Francisco Cosentino e Clarisse Meyer, que ficaram na sala de emergência na sede da Petrobras, no Rio, observaram uma demora de 3h41 para o início efetivo da contenção e recolhimento do óleo, quando o tempo máximo registrado no PEI é de duas horas.

Vanessa da Silva e Lívia Rodrigues ficaram na sala de controle de contingência, em Macaé. Em relação às ações de mar, registraram que o coordenador

de operações no mar da Petrobras foi acionado às 7h55, mas só decolou do aeroporto às 9h40, “tempo excessivamente longo”. Anotaram, também, grande atraso no acionamento dos barcos envolvidos nas ações de resposta, e a ausência de substituto para o coordenador de mar enquanto ele não chegava ao local.

Em relação às ações na terra, os analistas registraram que “em nenhum momento se pensou na possibilidade de proteção da área (praia com desova de tartarugas), a fim de evitar o possível toque da mancha”.

A Petrobras foi reprovada. A conclusão do parecer diz: “A empresa demonstrou um desconhecimento do PEI a tal nível que comprometeu a resposta até a descarga pequena”. Maturana disse, estupefato: “No primeiro simulado, em águas rasas, a equipe da Petrobras estava com o desenho de um simulado em águas profundas”. Um novo teste foi feito no dia 13 de outubro – e só então foi aprovada.

Por que uma empresa do porte da Petrobras comete erros primários? “Porque o setor de engenharia da empresa não conversa com o de meio ambiente, que por sua vez não conversa com a consultoria que está fazendo o Estudo de Impacto Ambiental”, respondeu Maturana. “Na produção de gás, na Bahia, por exemplo, a Petrobras tomou uma multa de 15 milhões de reais porque estava fazendo um negócio que o Estudo de Impacto Ambiental não autorizava. A Petrobras tem uma estrutura na qual quem atende emergência é um setor, quem faz o licenciamento é outro e quem opera é um terceiro setor.”

Maturana não autorizou que analistas de sua equipe dessem entrevistas. Mas um deles, Cristiano Vilardo, expôs suas preocupações num artigo, em maio, para o blog Ambiente Brasil. Ele se pergunta o que ocorreria se o acidente do Golfo do México tivesse sido no Brasil. E responde: “A situação seria de fato preocupante. Os Estados Unidos têm mais recursos físicos, tecnológicos, humanos e financeiros para o combate a derramamentos. E lá as agências reguladoras são muito mais estruturadas, experientes e coordenadas – até em função de acidentes anteriores. E nós por aqui ainda estamos patinando para aprovar um Plano Nacional de Contingência.”

O analista considera uma boa notícia que os simulados tenham levado as petrolíferas e o próprio Ibama a se aprimorarem. “A má notícia é que tem ficado cada vez mais clara a escassez de equipamentos de atendimento a emergências no país”, escreveu Vilardo. “Os recursos existentes estão sendo compartilhados nos limites das possibilidades. […] Muito em breve, ou se colocam novas embarcações e equipamentos à disposição nas áreas geográficas, ou não será possível aprovar tecnicamente os planos de emergência propostos pelas empresas.”

Um pôster da Baía da Guanabara decora o gabinete da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. De manhã, ela chegara de uma viagem de uma semana à Noruega, o sétimo maior exportador de petróleo do mundo, aonde fora acertar convênios de cooperação tecnológica. No final daquela tarde de setembro, ainda sentia o efeito da mudança de fuso horário. Estava encantada com a tecnologia norueguesa que permite a monitoração por satélite, em tempo real, de vazamentos de óleo em plataformas e navios. “Com aquele grau de precisão, eu não conheço”, disse. “Vazou, soltou o óleo, já identifica quem é. Vamos trazer para o Brasil.”

Vazamentos eram justamente o assunto da entrevista. Não os grandes, mas aqueles pequenos e médios, do dia a dia. Como age a Petrobras nesses casos? “Ela notifica o Ibama”, disse a ministra, que acabara de receber o gerente de relações institucionais da Petrobras, Flávio Torres.

Com a autorização da ministra Izabella Teixeira, obtive as tabelas de “Registro de comunicações de incidentes/acidentes ambientais” de 2008, 2009 e 2010 (até agosto). Elas são feitas a partir das informações das próprias empresas, sem averiguação do Ibama, e trazem as informações básicas sobre os acidentes: data e hora, localização, causa, produto e volume derramado, medidas adotadas, latitude, longitude e data e hora da comunicação.

As tabelas mostram que a Petrobras notificou 18 vazamentos em 2008, 32 em 2009 e 36 até agosto passado. Outras empresas informaram dois em 2008 (BG e Chevron), oito no ano passado (Shell, Devon, Statoil e Chevron) e quatro até agosto (Chevron, Statoil e Repsol). No total, foram 100 vazamentos em dois anos e meio – ou pouco mais de três por mês. Nenhum deles teve uma descarga de óleo de mais de 8 mil litros, o limite que separa os vazamentos pequenos dos médios. “Em todos os casos foram adotadas as medidas de controle pertinentes e o Plano de Emergência Individual foi acionado, não tendo ocorrido dano ambiental”, diz a nota que acompanha as tabelas, revisada pela ministra. Como, segundo o Ibama, não houve dano ambiental, também não houve multa.

Em 2008, o primeiro vazamento ocorreu em fevereiro, no Campo Marlim Sul, na Bacia de Campos, com a descarga de 200 litros devido ao rompimento parcial de uma mangueira curta (mangote) de recebimento. Em 5 de maio, no porto de Macaé, um outro mangote desconectou-se da embarcação durante o abastecimento, e vazaram 600 litros de óleo diesel. O maior acidente de 2008 ocorreu em setembro, numa plataforma no Campo de Cachalote, na Bacia do Espírito Santo. Vazaram 950 litros. A causa foi a dificuldade de queima, devido à alta viscosidade do óleo.

Em 2009, o número de notificações dobrou. Os maiores vazamentos ocorreram em agosto – 5 500 litros de fluido sintético de perfuração, na Bacia de Santos, da BG, por erro numa instalação de proteção na Plataforma Celtic Sea. E, em novembro, 7 600 litros de lama de perfuração, da Chevron, por alinhamento incorreto de uma válvula.

O maior vazamento deste ano – 1 580 litros de óleo – aconteceu em 7 de junho, numa plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, por desconexão do mangote na transferência de óleo para o navio Cap Jean. A Petrobras informou, em seu blog, que mobilizou um helicóptero e quatro embarcações especializadas em recolhimento de óleo, e que o vazamento foi “imediatamente controlado, sem danos às pessoas e às instalações”.

As tabelas do Ibama – elaboradas a partir das informações das próprias empresas – mostram causas variadas dos acidentes. Há problemas com mangotes e outros tipos de mangueiras, diversos com válvulas e embarcações, transbordamento de tanques, descontrole operacional, ruptura e embaralhamento de cabos, corrosões, drenagem inadequada.

Diz a nota do Ibama de Brasília: “Todas as notificações foram decorrentes da operação em si da plataforma, não relacionadas às questões de licenciamento ambiental, mas de segurança operacional, fora da atribuição legal dos órgãos ambientais.”

“Não conheço nenhuma empresa que deixe de informar vazamentos ao Ibama, por menores que sejam, como manda a lei”, disse a ministra Izabella Teixeira. “Até porque é mais barato notificar, do que ser pego, depois, num processo de vistoria por amostragem.” Bióloga com grau de doutora em Planejamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, ela anotara o que Flavio Torres, da Petrobras, lhe dissera pouco antes sobre o assunto. “A Petrobras é reconhecida, internacionalmente, como um modelo no tratamento de vazamentos”, disse a ministra do Meio Ambiente. “Controle de vazamento é uma marca da empresa. O Torres me disse que neste ano de 2010, com o aumento da atividade, a previsão deles é o vazamento de 300 mil litros.”

Houve uma pergunta à qual a ministra não respondeu – e nem autorizou o Ibama a responder: Quantas multas por vazamentos e outros danos ambientais a Petrobras sofreu nos últimos três anos, qual o seu valor, quanto foi pago e quanto está sub judice? “No momento, o Ibama não se manifestará em relação a multas, pois há processos na Justiça ou em fase de julgamento pela Administração”, foi a resposta oficial. Pela legislação, as multas podem ir de 7 mil a 50 milhões de reais.

A Petrobras também faz simulados de emergência em outras áreas de atuação, como a Amazônia. Uma das últimas ocorreu no Rio Negro. Neste caso, a responsabilidade maior pelo acompanhamento é das secretarias municipais ou estaduais do meio ambiente.

O economista Adriano Pires, inteiramente grisalho aos 53 anos, é dos que acordam às cinco e meia da manhã de segunda a sexta, e trabalham o dia inteiro com grande disposição. Mestre em Planejamento Energético pela UFRJ, onde foi professor durante 23 anos, é doutor pela Universidade de Paris XVIII. Coautor de Petróleo, Livre Mercado e Demandas Sociais, livro no qual defende posições liberais, é um dos sócios da consultoria Centro Brasileiro de Infraestrutura, que fundou há doze anos.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, Pires foi um dos diretores da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP. “O aumento desses pequenos vazamentos e esses fiascos durante os simulados de emergência mostram que a Petrobras, no afã de aumentar a produção a toque de caixa, está tendo pouco cuidado com a manutenção das plataformas e dos equipamentos”, disse-me ele. “É igual àquele negócio do carro: se você não faz revisão, não troca o óleo, você vai ter problema. A gente pode estar chegando no limite. Uma bobeada e pode acontecer um Golfo do México aqui.”

Pires mostrou alguns gráficos para sustentar seu ponto de vista. Eles cotejam dados dos balanços da Petrobras entre 1998 e 2009. O que mais chama a atenção é o item “custos com paradas não programadas”, as interrupções imprevistas. Os custos com elas foram de 173 milhões de dólares em 2003. Caíram à metade em 2004 e a menos ainda em 2006 (64 milhões de dólares). Dois anos depois, porém, subiram para 108 milhões de dólares, e no ano passado chegaram a 418 milhões. “Quase três vezes mais!”, exaltou-se Adriano Pires.

Isso significa, na opinião dele, que “aumentar a receita está ficando incompatível com investir em segurança e manutenção. A Petrobras está abrindo mão desses investimentos e está jogando dado. Vai ter uma hora em que o dado vai dar seis e seis, como deu lá no Golfo do México”. Para Pires, o problema tem origem política: “A Petrobras fiscaliza a si própria. A Agência Nacional de Petróleo, que deveria fazê-lo, está inteiramente capturada pela Petrobras. O governo a entregou para um deputado do PCdoB, Haroldo Lima. A ANP hoje é um aparelhão do PCdoB e, em menor grau, do esquema do ex-ministro Edison Lobão, do PMDB do Maranhão.”

A ANP não quis dar entrevista sobre o assunto. E a Petrobras informou, por meio de uma comunicação escrita, que o aumento das despesas com paralisações não programadas em 2009 – os 418 milhões de dólares – “se deve à necessidade de paradas para manutenção de um número maior de sistemas de produção”. Explicou que durante as pausas, apesar da interrupção da produção, os custos fixos das unidades produtivas continuam. “Portanto, além dos custos extraordinários maiores em 2009, relativos aos serviços de manutenção, os custos fixos das unidades (pessoal, alimentação, transporte, etc.), não interrompidos, foram naturalmente superiores aos de 2008, em função de reajustes salariais e de outras despesas fixas.”

Dois outros fatores foram relacionados pela Petrobras para explicar o aumento de 287% em gastos com as interrupções. Seriam “o mercado, que apresentou menor consumo de gás natural em 2009 – o que levou à redução da produção e até a paralisação de sistemas de produção de gás; e um movimento grevista que paralisou plataformas de produção”. Também foram citados “os custos necessários para o início de operação de unidades marítimas de produção” e o aumento dos “custos que não representam despesas, mas figuram nos lançamentos contábeis das empresas, como as depreciações dos equipamentos, que normalmente são maiores de um ano para o outro”. Adriano Pires comentou: “Essa explicação é um samba do crioulo doido. Um aumento dessa magnitude, quase 300%, exige transparência maior.”

Entre um gole de água e outro de café, o engenheiro Marcelo Figueiredo, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense, fez duas referências a livros. Recomendou a leitura de O Petróleo: Uma História de Ganância, Dinheiro e Poder, do economista americano Daniel Yergin. E lembrou Petróleo, romance inacabado do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini. Figueiredo e sua colega Denise Alvarez coordenam, desde 2003, uma pesquisa sobre trabalho, saúde e segurança na indústria petrolífera na Bacia de Campos. Duas vezes por mês eles se reúnem com petroleiros da ativa e da reserva. “São frequentes os relatos de condições precárias de trabalho e de acidentes”, disse Figueiredo. “O aumento acentuado da terceirização tem muito a ver com isso, porque diminui a qualidade da operação.” No ano de 2000, a Petrobras tinha 50 mil funcionários terceirizados. Eles passaram a ser 155 mil em 2005. Hoje são mais de 300 mil. Há dez anos, representavam 56% dos funcionários da empresa. Hoje, são 80%.

Em maio passado, depois do desastre no Golfo do México, professores da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia), da UFRJ, de reconhecida excelência em petróleo, alertaram que a indústria petrolífera “ficou nua” com o acidente da BP. “Não devemos ter medo de desafios como o pré-sal, mas a indústria está vulnerável”, disse o professor Sergen Estefen, um dos maiores especialistas da área. Numa nota autoelogiosa, a Petrobras considerou “descabidas e tecnicamente insustentáveis” as advertências, e disse que tem um “robusto sistema de segurança em plataformas”.

Numa manhã de setembro, antes de uma palestra num seminário internacional em um hotel cinco estrelas da avenida Atlântica, o professor Estefen disse que o seu alerta continua pertinente. “Hoje não existe uma técnica comprovadamente eficiente para vazamentos em águas profundas, como as do pré-sal”, disse. “A produção de petróleo no mar implica manchas de óleo e outros materiais. O grande desafio é perceber os pequenos vazamentos desde o início, e saber como dispersá-los. Essa detecção precisa de tecnologias avançadas, como a dos satélites, com os sistemas de vigilância remota nos equipamentos que estão longe da plataforma. Todo o esforço que for feito para evitar os pequenos vazamentos contribui para procedimentos mais efetivos de segurança.”

Adriano Pires ficou impressionado com os pareceres do Ibama sobre os testes de emergência em plataformas. “Vistos numa perspectiva de pré-sal, onde mal se sabe o que se pode fazer, eles são assustadores”, disse. “A solução, para mim, é parar a música. E investir numa regulação que leve em consideração que os riscos exploratórios do pré-sal são muito altos. E fazer exigências para que a Petrobras e as outras empresas exploradoras sejam transparentes quanto ao tipo de equipamentos que estão usando.”

Nos últimos cinco anos, Flávia Limmer, professora de direito do petróleo e direito ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro tem ensinado aos seus alunos que, por ser potencialmente poluente, a indústria petrolífera deve tomar cuidados especiais. “A quantidade de 8 mil litros, que a legislação enquadra como um pequeno vazamento, equivale a cinquenta barris”, disse. “O vazamento médio, de 200 mil litros, equivale a mais de 1 200 barris. Somados, esses vazamentos talvez possam representar valores significativos, com consequências nocivas ao meio ambiente.”

Quanto ao pré-sal, Flávia Limmer acha que “o foco do debate está concentrado no modelo econômico e na redistribuição dos royalties, esquecendo-se a questão da sustentabilidade em médio prazo”. Ela defende que parte dos royalties seja destinada à proteção ambiental. “A exploração do petróleo será sempre capaz de produzir impactos ambientais – e nada mais justo que parte dos recursos por ela gerados seja usada para alcançar a sustentabilidade.”

A sede do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense, em Macaé, tem teatro, gráfica, garagem e quadra de esportes. O sindicato arrecada mensalmente, de uma base de 53 mil trabalhadores (13 mil da Petrobras e 40 mil das contratadas), 500 mil reais por mês. Seu presidente é José Maria Ferreira Rangel, petista de quatro costados. Técnico em eletrônica, ele tem 25 anos de Petrobras.

Há poucos meses, o sindicato de Rangel colocou a Petrobras na parede com denúncias de acidentes e de precariedades na Plataforma 33, na Bacia de Campos. Depois de muitas idas e vindas, a Agência Nacional de Petróleo acabou interditando a P-33.

“Os pequenos vazamentos são frequentes, mas nem sempre são notificados. Há um grande acerto entre eles para que isso não extrapole os muros da Petrobras”, disse Rangel. Como a ministra do Meio Ambiente, ele também já esteve na Noruega, a convite dos sindicatos de lá, e voltou impressionado. “Em termos ambientais e de segurança do trabalho, eles estão mais avançados do que nós”, afirmou.

Rangel lembrou que a gestora da plataforma da British Petroleum no Golfo do México, a Transocean, também opera plataformas na Bacia de Campos, e disse: “A Petrobras não suportaria um acidente do nível daquele da BP. Ela diz que está tudo bem, mas o fato é que, em prol da produção, a empresa abre mão da preservação ambiental e da segurança dos trabalhadores.”

No dia 28 de julho, outra plataforma da Petrobras, na Bacia do Espírito Santo, passou por exercício de emergência. Com a supervisão de oito analistas ambientais do Ibama, o teste começou às 7h59, com o aviso telefônico, para um fiscal da Petrobras, de um vazamento de 100 mil litros de óleo. No cenário de terra, simulou-se a chegada de uma mancha de 200 metros de cumprimento nas proximidades da costa, na foz do estuário do rio Piraquê-Açu, no município de Aracruz.

Outro simulado havia sido realizado, no mesmo local, no ano passado, e os resultados foram considerados insatisfatórios. Mesmo com a repetição, houve falhas na proteção à marina, não tinha água para as equipes que faziam a limpeza da praia, não havia coletor de lixo orgânico e ocorreram falhas no isolamento do cenário, com pessoas entrando sem autorização e equipamento na “área quente”.

No cenário marítimo houve perda de tempo para o recolhimento do óleo, e um mal-entendido entre o piloto do helicóptero e o coordenador de mar quanto à autonomia da aeronave.

O problema ocasionou a ausência do coordenador de mar em um momento importante das ações de resposta. Também houve algumas falhas na comunicação, como a informação errada sobre a distância entre a plataforma e uma das embarcações.

“Estamos fazendo a nossa parte, e acredito que a Petrobras e as outras empresas também estão se esforçando para melhorar”, disse Maturana.

A Petrobras terá uma nova chance agora no começo de dezembro. Será organizado, nas águas do Amazonas, um evento internacional em resposta a vazamentos de óleos e derivados. É a Mobex, sigla para International Mobilization, Preparedness & Response Exercise. Entre as atividades, está previsto um exercício simulado de grandes proporções, o primeiro do gênero na América do Sul. Técnicos da Petrobras estarão lá. Analistas da equipe de Maturana, também.

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