Pelo controle dos fluxos de capital

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Passada a fase aguda da crise, investidores fluem para países “emergentes” — que oferecem altas taxas de juros e estabilidade. Para evitar a previsível ressaca, Brasil precisa ampliar as medidas de prevenção

Por Daniela Magalhães Prates e Marcos Antônio Macedo Cintra*, em Carta Capital

A abrupta retração dos fluxos de capitais para as economias emergentes desencadeada pela crise sistêmica foi efêmera. A partir de março de 2009, esses fluxos retornaram num contexto de juros historicamente baixos e de expansão da liquidez nos países avançados. Assim, a resposta de política monetária à crise deu origem, num curto período de tempo, ao quarto ciclo de boom e bust de capitais para a periferia desde o colapso de Bretton Woods. Os três ciclos anteriores deram-se em 1970-1989; 1990-2002; e 2003-2009.1

Como nos episódios precedentes, o boom atual foi determinado por fatores externos (push factors): as condições monetárias frouxas no centro e, em especial, no emissor da divisa-chave. Ademais, a dimensão inédita das ações anticíclicas conseguiu evitar a depressão, contribuindo para a rápida queda da aversão ao risco. Porém, fatores internos (pull factors) também fomentaram os fluxos. A queda do risco relativo dos ativos emitidos pelas economias emergentes (reflexo da saída bem-sucedida da crise) contribuiu para a ampliação do diferencial de juros. Nesse contexto, as operações de carry trade ressurgiram, ancoradas, por excelência, em empréstimos em dólar. A rápida retomada do crescimento reforçou ainda as expectativas de valorização cambial e dos ativos, estimulando os investimentos de portfólio e direto externo.

De início, o retorno dos fluxos beneficiou as economias emergentes que superaram rapidamente o efeito contágio. Gradualmente, como nos ciclos anteriores, a seletividade foi substituída pela não-diferenciação dos riscos, por causa de impulsos adicionais vindos do centro (crise soberana na área do euro, que beneficiou o risco relativo dos ativos emergentes e, principalmente, a segunda rodada de afrouxamento quantitativo do Fed) e, em menor medida, da nova conjuntura macroeconômica nas economias emergentes. No início de 2010, alguns bancos centrais começaram a elevar suas taxas de juro (fomentando as operações de arbitragem) em resposta às pressões inflacionárias decorrentes do sobreaquecimento e da alta dos preços das commodities (associada à busca de ganhos especulativos nos mercados futuros, bem como à retomada da economia mundial sob liderança da China e a choques de oferta).

De acordo com o Institute for International Finance (IIF), predominam no boom recente os fluxos financeiros (que responderam por 72% do total em 2010) e, no âmbito desses, aqueles atraídos pelo diferencial de juros (tabela). Ademais, segundo o Fundo Monetário Internacional, os fluxos brutos atingiram 6% do PIB das economias receptoras em apenas três trimestres, porcentual que demorou três anos para ser alcançado no ciclo anterior.

Se, num primeiro momento, o retorno dos fluxos possibilitou a reversão da depreciação cambial e/ou a retomada da acumulação de reservas, num segundo momento gerou desequilíbrios macroeconômicos e financeiros, dentre os quais apreciação cambial, pressão sobre as contas públicas e/ou bolhas nos mercados financeiros e imobiliários. Para atenuar esses desequilíbrios e/ou enfrentar os dilemas de políticas macroeconômicas (nos países que abandonaram as políticas laxistas), as economias emergentes recorreram a controles de capitais e instrumentos de regulação prudencial.

O IIF projeta a continuidade do boom em 2011 e 2012, em razão de fatores estruturais aos países receptores (maior potencial de crescimento e bons fundamentos) e aos países centrais que sustentariam o movimento de realocação dos portfólios em direção aos ativos emergentes. Isso torna a compreensão e a gestão do atual fluxo de capitais mais complexas.

Por um lado, a experiência histórica mostra que, em algum momento, o boom é sucedido por uma parada súbita (sudden stop) e pela reversão. Os momentos do bust e seus determinantes são sempre incertos. Duas características do boom atual (predominância dos capitais voláteis e sua dimensão) sugerem cautela. Embora várias economias emergentes possuam condições macroeconômicas favoráveis e ofereçam maiores oportunidades de investimento, elas continuam sendo emissoras de divisas inconversíveis, primeiros alvos dos movimentos de fuga para qualidade numa ordem assimétrica (como evidenciou a falência do Lehman Brothers). Os países exportadores de commodities poderiam ser especialmente atingidos, pois esse bust pode ser acompanhado pela queda nos preços das matérias-primas, alimentos e energia, já que os dois booms foram gerados pela mesma conjuntura global.

Por outro lado, a estratégia de diversificação de ativos dos países emergentes (China e Rússia, em particular), a perspectiva de investimento nas economias em desenvolvimento (investimento em infraestrutura, exportação de manufatura e commodities), a reorganização produtiva dos países industrializados – com abundante liquidez – introduzem novos elementos na dinâmica dos fluxos de capitais.

Diante dessas novas tendências, acirra-se o debate em torno da gestão dos fluxos de capitais internacionais. Trata-se de aproveitar a liquidez abundante para expandir os investimentos produtivos e em infraestrutura nos diversos países em desenvolvimento e, simultaneamente, conter os efeitos indesejáveis dos capitais de curto prazo. No início de abril, o próprio FMI recomendou o uso de controles de capitais – com nova denominação, capital flow management measures – como último recurso, após o esgotamento das opções de políticas macroeconômicas.

O governo brasileiro tem caminhado nessa direção. Todavia, diante das especificidades da economia brasileira (maior taxa de juros do mundo e mercados de derivativos cambiais líquidos e profundos), que a tornam destino privilegiado do money chasing yield, além da adoção de uma estratégia abrangente de gestão dos fluxos de capitais, é necessário avançar no controle da especulação (por enquanto, a favor do real) nesses mercados. Há diversas regras prudenciais que poderiam ser implementadas, tais como limites e/ou proibição de investidores estrangeiros operarem com derivativos cambiais; aumento nas chamadas de margens nas operações com esses instrumentos financeiros, reduzindo seu grau de alavancagem; exigência de mais capitalização dos bancos nas operações com moeda estrangeira (à vista e nos mercados de derivativos); tributação dos ganhos de capital obtidos por meio de especulação e/ou arbitragem com moeda estrangeira nos mercados locais etc. Há uma ampla literatura disponível sobre esses temas. Ademais, tornam-se cruciais medidas orientadas à constituição de fontes domésticas de financiamento de longo prazo, para fomentar os investimentos produtivos em infraestrutura e em inovação tecnológica.

*Daniela Magalhães é professora do IE-Unicamp e pesquisadora do CNPq. Marcos Cintra é tecnico de Planejamento e Pesquisa e coordenador-geral de pesquisas da Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea.

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