Belo Monte: Indígenas deixam canteiro de obras depois de tensas negociações

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Depois de 21 dias,  aceitaram proposta da Norte Energia de indenização pelos danos que já sofrem e promessa vaga de atender outras reivindicações

Em Instituto Socioambiental

A semana começou com negociações em Altamira (PA), entre Norte Energia e os indígenas que há 21 dias ocupavam o sítio Pimental. Depois de uma primeira reunião no dia 28 de junho, a Norte Energia deveria, no início desta semana, dar retorno às reivindicações dos indígenas relacionadas ao cumprimento das condicionantes e ações emergenciais para implantação da usina no Rio Xingu (PA) (saiba mais) . Entre os dias 9 e 10 de julho, após tensas negociações e vários momentos de discordância, os índios aceitaram desocupar o canteiro de obras em troca de voadeiras, televisores e um conjunto de promessas de compensações futuras, que vão se somar à longa lista de compromissos assumidos pela empresa – poucos dos quais cumpridos até o momento.

Com o objetivo de responder às reivindicações feitas pelos índios, a empresa fez reuniões separadamente com cada uma das etnias, evitando uma negociação conjunta, sob a alegação de que as demandas eram diferentes e por isso deveriam ser tratadas separadamente. Da reunião participaram membros da direção da Norte Energia, incluindo o presidente, Carlos Nascimento, representantes da Funai de Brasília e da Secretaria Geral da Presidência da República. Foi de Nascimento que os grupos indígenas receberam a resposta às suas reivindicações (veja a proposta aqui).

Quem acompanhou as discussões de dois dias não acreditava que as partes poderiam chegar a um consenso. Enquanto a Norte Energia apresentava dados e documentos com novos prazos e promessas, os indígenas rebatiam com questionamentos sobre o recorrente descumprimento das condicionantes por parte da empresa. Motivo pelo qual mais de 350 indígenas, de 21 aldeias e nove diferentes etnias saíram de seus territórios no intuito de paralisar o andamento das obras em um dos principais canteiros de Belo Monte, o sítio Pimental.

No início da ocupação, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) – responsável pela execução da obra – chegou a divulgar que teria muito prejuízo com a ocupação do canteiro, pois havia contratado mais mil operários, além dos 1,6 mil que já trabalhavam no local. Para os índios, a velocidade com que o empreendimento vem sendo instalado na região, há mais de um ano, contrasta com a lentidão com que a empresa implanta os projetos e ações para evitar, minimizar ou compensar os impactos que lhes serão causados com a implantação do projeto.

Segundo o presidente da Norte Energia, CarlosNascimento, a maioria das demandas solicitadas pelos indígenas estão contempladas no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI) que foi aprovado pela Funai no último dia 2, mediante ofício encaminhado à empresa no dia 4 de julho. (veja ofício aqui). Apesar da aprovação, o documento considera que o PBA indígena ainda não tem um plano operativo, nem detalhamento específico para cada povo e aldeia. Agora que o plano foi aprovado, a Norte Energia tem 30 dias para apresentar o planejamento de execução do PBA-CI.

De acordo com a empresa, o PBA tem um prazo de duração de 35 anos, e durante os próximos cinco, deverá ser feito o detalhamento de sua execução para cada povo e aldeia. Por este motivo, todas as novas demandas apresentadas podem ser incluídas no plano.

Agilidade e cumprimento de condicionantes

Durante a reunião, Nascimento afirmou que os indígenas precisariam ter calma e pediu que as lideranças esperassem mais alguns meses para que a contratação da equipe e o início efetivo das ações de compensação e mitigação do componente indígena do PBA fossem iniciadas. Certamente se esqueceu da promessa feita no dia 28 de junho – data da primeira reunião com as lideranças – em que enfatizou que 30 dias após a aprovação do PBA indígena pela Funai, a empresa iniciaria o cumprimento de suas responsabilidades.

“No dia 2 [de julho], nós devemos receber um documento [ofício com a aprovação do PBA indígena]. Nós temos 30 dias para começar e fazer tudo o que ele tá dizendo. São coisas que vão trazer benefícios à comunidade indígena. Tudo aquilo que foi acordado com a Funai e conosco, nas visitas feitas nas aldeias, nós vamos cumprir. Isso é um compromisso da nossa empresa, da nossa equipe técnica. Nós vamos fazer um grande programa que vai atender os anseios da grande maioria das comunidades indígenas da região”, afirmou Nascimento no primeiro encontro.

A mudança de 30 dias para “alguns meses” gerou frisson no auditório da Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Altamira (Aciapa), local das reuniões. E chegou a arrancar promessas de permanência nos canteiros de obra – para desespero dos negociantes.

Ânimos acalmados, os indígenas passaram então a questionar a razão da obra ter iniciado antes da aprovação do PBA, uma vez que entre os documentos, cartilhas e cartazes distribuídos nas aldeias pela empresa, explicavam que o procedimento adequado deveria seguir a seguinte ordem: deliberação, definição e aprovação do PBA antes do início da construção da usina. Ou seja, segundo material fornecido pelo próprio empreendedor, as medidas compensatórias deveriam ser cumpridas antes da emissão da Licença de Instalação. Na prática, a obra começou um ano antes da aprovação do PBA e os indígenas não têm nenhuma garantia de que o que está no papel será realmente atendido. Nessa altura das negociações uma liderança Xikrin fez uma contundente constatação: “O Brasil está se preparando para receber a Copa do Mundo, mas Altamira não se preparou para receber Belo Monte”.

Segundo a advogada do ISA Biviany Rojas, que acompanhou parte das negociações, a promessa da empresa de que tudo pode ser resolvido no PBA, fez com que os índios ficassem mais confusos sobre o conteúdo e alcance do plano. “Era claro que as lideranças indígenas não conheciam o plano adequadamente e que deveria ter sido aprovado com sua anuência”. A própria Funai afirma, no ofício em que aprova o plano, que não foi possível realizar consultas com todas as comunidades, e que ainda faltam os povos que vivem rio acima da usina.

De acordo com a advogada houve uma assimetria de informações entre as partes envolvidas na negociação. “A empresa, que chegou à reunião com vários assessores, em vez de explicar detalhadamente quando e como tomaria as providências devidas para minimizar os impactos sobre as aldeias, ficou discutindo a compra de mercadorias para os índios”, relata. Nem a presença de representantes da Funai e da Secretaria Geral da Presidência da República impediu que as negociações descambassem para a lista de mercadorias.

O fato é que para além das mitigações, os indígenas atingidos pela obra estão reivindicando o pagamento de indenizações pelos danos que já estão sentindo. . A inexistência de compensações previamente negociadas com os povos indígenas são decorrentes da ausência de um processo de consulta onde eles pudessem apresentar suas reivindicações diante dos impactos decorrentes da construção do empreendimento.

A ausência de indenizações formais tem facilitado o repasse de recursos em um contexto de cooptação de lideranças. Até setembro deste ano, os repasses terão somado R$ 22 milhões, em palavras da própria empresa. Se os povos indígenas tivessem sido adequadamente escutados no momento certo, talvez uma indenização formal pudesse ter sido definida, assim como um formato de negociação mais transparente e com maior controle social, o que que evitaria os constrangimentos das negociações tanto para a empresa como para os povos indígenas. O modelo atual em que estão se dando as discussões sobre indenizações, passa a imagem de que os índios estão extorquindo a empresa quando, na verdade, estão pedindo para serem ressarcidos dos danos que já estão sofrendo.

As negociações também evidenciaram a necessidade de o governo assumir de forma mais clara suas responsabilidades e não transferir muitas de suas obrigações para o empreendedor. O PBA é o melhor exemplo.

Diversas ações voltadas ao saneamento, saúde, educação, por exemplo, deveriam estar contempladas nas políticas públicas que são de responsabilidade do Estado e que deviam estar sendo implementadas com ou sem Belo Monte. A exemplo do que está acontecendo em outras terras indígenas no Brasil. A adequação da infraestrutura da cidade e das comunidades afetadas para receber a obra foi colocada inteiramente na conta da Norte Energia.

Transposição do rio

Além das discussões sobre as listas de compras e cumprimento de condicionantes, um dos objetivos da empresa na reunião era obter a aprovação dos índios ao sistema de transposição de embarcações que será implantado na Volta Grande do Xingu. O mecanismo é imprescindível para garantir o direito de ir e vir de indígenas e ribeirinhos que dependem do rio para chegar à cidade e deveria ter sido proposto e aprovado antes que a licença de instalação fosse concedida. Entretanto, acabou saindo da pauta. Segundo a Norte Energia ficou definido que “haverá um cronograma para reapresentar o sistema de transposição do Rio Xingu” aos indígenas.

Para fechar o último trecho do rio, a Norte Energia precisa da autorização do Ibama, que por sua vez, depende de um parecer favorável da Funai, indicando se a empresa cumpriu ou não com a obrigação da garantir um sistema de transposição de embarcações que permita aos índios e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu continuarem chegando em Altamira (PA) por via fluvial. Uma vez fechado o último trecho, indígenas e ribeirinhos não terão acesso à cidade pelo rio. Esta autorização que depende da Funai, talvez seja a útima oportunidade que o órgão indigenista terá para exigir da empresa o cumprimento do que foi prometido e que até agora não foi cumprido.

Com medo de ficarem ilhados, os índios passaram a reivindicar até a construção de estradas, o que abriria um novo capítulo na discussão, pois esta opção, implica a adoção de medidas de proteção e fiscalização das terras indígenas, complementares às já existentes.

Negociações e o fim da ocupação

Apesar da assimetria no processo de negociação, ao final do segundo dia a Norte Energia conseguiu dissuadir os índios da ideia de permanecer com a paralisação do sítio Pimental. O ponto, aliás, era condição sine qua non para a continuidade das conversas. Na proposta apresentada pela Norte Energia, era o primeiro item: “desocupação imediata dos canteiros”.

Segundo nota divulgada pela empresa na tarde desta quarta-feira (11), foi possível chegar a uma negociação, pois os indígenas se comprometeram a liberar a área e a Norte Energia, por sua vez, aceitou cumprir imediatamente algumas reivindicações apresentadas. De acordo com a nota, “algumas reivindicações que motivaram a ocupação das lideranças serão atendidas imediatamente e outras, pelo acordo, serão discutidas no âmbito de dois comitês: um comitê para monitorar a vazão à jusante do Rio Xingu e outro para acompanhar as condicionantes do PBA-CI”. O início dos trabalhos dos dois comitês, segundo a empresa, vai depender apenas da indicação dos representantes indígenas para cada um deles – o que deverá ser feito em até 15 dias. Apesar de constar entre os feitos na nota da Norte Energia, até o final da reunião, não havia sido definida a criação efetiva dos mencionados comitês de monitoramento.

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