Greve pode revelar um Portugal menos europeu

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No Velho Continente, ataque aos direitos continua: agora a vítima é a Irlanda

Pode ser a maior “greve geral de sempre”, segundo os próprios jornais conservadores. Nesta quarta-feira, 24/11, milhões de trabalhadores portugueses deverão cruzar os braços, atendendo a convocação da Central Geral de Trabalhadores do país, a CGTP. Eles protestam contra um “plano de austeridade” — a resposta do governo (dirigido pelo primeiro-ministro José Socrates, do Partido Socialista) à segunda onda da crise financeira mundial aberta em 2008.

O peso econômico de Portugal é reduzido, mas a importância política da greve, não. Da União Europeia (UE) têm surgido as piores reações contra a crise. Liderados pela primeira-ministra alemã, Angela Merkel, todos os governos do bloco que enfrentam dificuldades financeiras têm procurado reduzir despesas atacando direitos sociais (veja nossa reportagem a respeito). A atitude destoa tanto das políticas adotadas nos países do Sul (China, Índia e Brasil principalmente) quanto da postura híbrida pela qual optaram os Estados Unidos.

Na UE, eleva-se a idade mínima para aposentadorias, congela-se — ou mesmo rebaixa-se salários, elimina-se benefícios sociais. Exceto no caso da própria Alemanha, que se beneficia de uma poderosa máquina exportadora, as medidas não têm produzido resultados sequer em termos macroeconômicos. Mas estão em sintonia com uma regressão social e política mais profunda e preocupante, que inclui o crescimento dos partidos de extrema-direita e a desorientação generalizada da esquerda.

Há resistência — como indicaram as jornadas de mobilização de setembro. Em países como a França, a ampla maioria da opinião pública rejeita as contra-reformas, segundo múltiplas sondagens (e haverá nova jornada de protestos amanhã, 23/11). Porém, como falta um programa alternativo, a luta patina. E vão se multiplicando os planos de “ajuste estrutural” com redução de direitos, como o que a Irlanda comprometeu-se a adotar neste domingo (21/11)

Em Portugal, há sinais de algo novo. Estima-se que greve geral deverá paralisar cerca de metade dos trabalhadores. Além disso, estão surgindo, entre a esquerda institucional (Partido Comunista, Verdes e Bloco de Esquerda ocupam juntos cerca de 20% das cadeiras, no Parlamento), novidades animadoras. Ao invés de simplesmente combater os cortes de direitos, o Bloco de Esquerda, por exemplo, acaba de apresentar uma proposta detalhada de alternativa contra a crise.

Ela reconhece as dificuldades financeiras, mas sugere, para dissipá-las, um conjunto de 15 medidas de sentido oposto ao (mal)-chamado Plano de Estabilização e Crescimento (PEC), que o governo e a UE procuram implementar. Ao invés de privatizar empresas e reduzir direitos como a Renda da Cidadania, a proposta fala, por exemplo, em adotar um Imposto Único sobre o Patrimônio, que incidiria sobre a riqueza superior a 2 milhões de euros. Explora brechas importantes na legislação fiscal: sugere que os bancos deixem de gozar de privilégios e passem a contribuir com a Receita como as demais empresas: com 25% sobre os lucros, ao invés dos atuais 5%. Inclui instrumentos bastante avançados: tributar a “mais-valia urbana”, a valorização obtida pelos proprietários de imóveis graças aos invetimentos de infra-estrutura feitos pelo Estado. Questiona inconsistências fiscais enraizadas (inclusive no Brasil…). Sugere que o Estado deixe de conceder descontos de impostos aos usuários de planos de saúde privados — e destine as rendas suplementares ao financiamento do sistema público.

Disponível na última edição de Esquerda, o jornal produzido pelo Bloco (que também mantém um site rico e sempre atualizado), o programa alternativo abre uma trilha que tem sido pouco explorada pela esquerda europeia. Não se trata nem de formular um projeto revolucionário (algo totalmente fora de lugar, no ambiente europeu atual), nem de buscar o “mal menor” (aceitando, com pequenas modificações, o corte de direitos proposto pela União Europeia). Há espaço para reconhecer a crise (estabelecendo sintonia com os receios da opinião pública) e propor uma saída radicalmente distinta da usual. Provavalmente, a mesma criatividade que permitiu ao Bloco de Esquerda enxergar tal brecha, tornou-lhe possível imaginar formas criativas de mobilização em favor da greve geral, como a que ilustra este post.

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Um comentario para "Greve pode revelar um Portugal menos europeu"

  1. silvio ferreira disse:

    Esta coisa de tributar bancos e grandes fortunas é visto como coisa de comunistas, mas não há nada mais sensato em termos de medidas mitigadores de crise. Acontece que estas são as pessoas que estão no poder e o exercem em nome do povo e portanto duvido que passem…

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