Estranha “ajuda” alimentar dos EUA

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A CARE rejeita 46 milhões de dólares e abre um debate necessário

Uma atitude aparentemente insólita da CARE — uma das grandes organizações que trabalham com comunidades empobrecidas — pode ajudar a jogar luz sobre os programas de assitência alimentar manejados desde a década de 1950 pelo governo dos Estados Unidos. Depois de propor sem sucesso, durante anos, uma mudança substancial na forma de concessão desses “benefícios”, a CARE (site global, site Brasil) anunciou, em 3 de setembro, que se recusaria a receber 46 milhões de dólares referentes a eles. A porta-voz da entidade, Alina Labrada declarou que, nas condições atuais, tais recursos acabariam golpeando produtores agrículas dos países pobres. A decisão, baseada em documento oficial (inglês, formato pdf) da ONG teve ampla repercussão na imprensa norte-americana (inglês).

A cada ano, Washington destina cerca de 2 bilhões de dólares à distribuição de alimentos entre as populações de países considerados “em crise econômica” ou em estado crônico de fome. No entanto, a caridade é feita em condições muito particulares. A verba é repassada a ONGs como a CARE. Elas são obrigadas por lei a adquirirem nos próprios EUA a totalidade dos alimentos entregues — e a transportar 75% do volume em barcos ou aviões norte-americanos.

A primeira reserva sobre tais condicionalidades é a sua ineficiência. Em muitos casos, os alimentos chegam às populações necessitadas muito depois dos momentos realmente críticos. Um estudo da Controladoria Geral dos EUA estimou, há alguns anos, que a exigência resulta num desperdício de cerca de 50% dos recursos empregados.

O segundo problema são as conseqüências nos locais de destino. Ofertados gratuitamente, ou vendidos a preços simbólicos, os alimentos produzem, em muitos casos, dumping. Inviabilizam a produção local, golpeiam os agricultores familiares, geram dependência prolongada e chegam a provocar crises alimentares mais duradouras que aquelas que deveriam combater.

No ano passado, uma frente de organizações de assistência dos EUA, Reino Unido, França e Canadá — entre as quais a CARE — emitiu comunicado conjunto pedindo a revisão de tal política de assistência. O impacto da decisão desta semana pode provocar uma reflexão mais profunda das sociedades civis sobre o problema.

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Outras Fontes:

Vale ler artigo de Walden Bello (castelhano) sobre distorções nos processos de ajuda a populações atingidas por catástrofes — e sobre alternativas para evitá-las.

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