Dilma e a natureza merecem descanso

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A viagem da presidente ao Sul da Bahia convida a questionar: é possível cultivar a esperança de um Brasil mais doce, sábio, cuidadoso com a natureza e as vocações culturais e criativas do seu povo?

Por Rui Barbosa da Rocha*

A história é conhecida por todos: os ciclos do pau brasil e da cana de açúcar começaram na capitania de Ilhéus, litoral Sul da Bahia. Depois vieram os desmatamentos para as pastagens, roçados de mandioca, a exploração do garimpo nos sertões, a extração de madeiras, a caça indiscriminada, tudo junto com a escravidão e depois o trabalho mal remunerado, que explicam muito do atual quadro social e ambiental no Brasil.

Passaram-se alguns séculos e o país continuou atrasado em relação ao mundo ocidental, que marchou movido pela revolução científica e industrial. Fechamos o século 19 como um imenso produtor de matérias primas – café, cacau, borracha e cana de açúcar, com muita miséria e latifúndios pelo país. Assim, adotamos no século 20 uma ordem imperativa de industrialização e urbanização acelerada. Crescemos durante décadas a taxas de 8 a 10 % ao ano, até 1980, feito somente conquistado pela China dos últimos anos.

Este fenômeno só ampliou em doses cavalares os nossos problemas sociais e ambientais, com o crescimento desordenado de cidades e a ocupação irregular de matas ciliares e encostas de morros. Riachos e rios converteram-se em esgotos a céu aberto, como o Tietê, em São Paulo, ou o Rio Vermelho, em Salvador. Favelas passaram a ser uma marca de todas as nossas cidades médias e grandes. Em algumas cidades maiores, a poluição atmosférica mata centenas de pessoas todos os anos. Os brasileiros, mesmo trabalhando mais do que muitos povos da terra, herdaram ambientes insalubres para viver, sem vida cultural e com escolas marcadas pela violência e pouco aprendizado. A Mata Atlântica, uma das maiores e mais ricas florestas tropicais do mundo, quase acabou.

Mesmo com este legado, o início do século 21 repete a pegada anterior. O projeto mais importante do governo brasileiro chama-se PAC, ou Programa de Aceleração do Crescimento. No governo FHC, o nome era parecido e a agenda idem – Avança Brasil. A impressão que fica é que este tipo de mensagem publicitária já existia desde o ciclo do pau-brasil – afinal, os índios eram muito lentos no trabalho de cortar as árvores e empilhá-las no litoral, e precisavam de mensagens encorajadoras para produzir e exportar nossas riquezas.

Até hoje os índios levam a fama de preguiçosos, assim como costumamos chamar os indolentes nordestinos e especialmente os baianos. A substituição da natureza original brasileira por pastos, concreto e asfalto são signos muito fortes que norteiam os investimentos públicos, inclusive antes das eleições – não é a toa que os assuntos do dia envolvem a revisão do Código Florestal e as grandes obras para a Copa e Olimpiadas, além de portos e ferrovias para as velhas e novas commodities.

Uma natureza exausta, consumida por séculos de exploração e degradação, se soma ao desgaste do brasileiro comum – a recente comida na mesa e a televisão na sala são bons motivos para comemorar, mas o luxo de termos uma natureza preservada, com rios limpos, florestas e peixes abundantes, fica cada vez mais comprometido pela imperiosa necessidade do crescimento econômico.

O final deste ano é marcado pela eleição de Dilma, a primeira mulher a ocupar a presidência da república no Brasil. Ela, exausta por meses de campanha eleitoral e acusações de todos os tipos, venceu a eleição com a marca de ser a mãe do PAC. Nada mais emblemático. E, para completar o surrealismo brasileiro, ela escolheu a praia do Patizeiro, em Itacaré, exatamente no Sul da Bahia, para descansar. Este local fica ao lado da praia do Norte, em Ilhéus, vizinho da Lagoa Encantada e do Parque Estadual da Serra do Conduru. Dotada de extraordinária biodiversidade e com um dos mirantes mais bonitos do planeta, a região compõe o Corredor Ecológico mais significativo da Mata Atlântica, além de ser um pólo emergente de ecoturismo no Nordeste, recebendo centenas de milhares de turistas nacionais e estrangeiros, todos os anos — como Dilma este ano; Sarkozy e Carla Bruni em dezembro de 2008.

Sim, um dos últimos locais do litoral brasileiro que possui florestas preservadas e rios limpos, como o Rio Tijuípe, que ali deságua puro no Oceano Atlântico. Dilma finalmente descansou, ao menos por quatro dias. Do alto do morro em que estava hospedada viu o mar azul da Bahia, florestas, rios e cachoeiras, e muitos pássaros que cantam dia e noite, entre as árvores e palmeiras. Um descanso merecido.

A contradição é que o local escolhido para o descanso de Dilma é exatamente onde o governo federal pretende construir um complexo logístico para escoar minério de ferro, assunto precioso para a Bamin, empresa da Eurasian Natural Resources, do Cazaquistão – a ENRC. Uma mina em Caetité, com vida útil de 15 anos, viabilizaria este projeto de porto e de ferrovia até Ilhéus.

Jaques Wagner, antigo sindicalista do Pólo Petroquímico de Camaçari e ex-deputado federal que aprovou a lei que hoje protege a Mata Atlântica, foi o maior cabo eleitoral de Dilma. O atual governador baiano adotou este projeto do PAC como a mais importante obra de seu governo– em nome da geração de empregos e renda para o seu estado miserável, graças a uma parceria público e privada que ‘alavancará’ a economia baiana, integrando-a a outras regiões mais ‘dinâmicas’ da Bahia e do Brasil, como o Centro-Oeste, o eldorado da soja, o novo pau-brasil da economia nacional.

Por um capricho do destino, a mãe do PAC precisou repousar exatamente aqui , recuperando as forças para exercer a presidência a partir de 2011 – avançando com a agenda de grandes projetos de infra-estrutura, como o Porto Sul , na Lagoa Encantada, ou … refletir, como o mundo inteiro está a fazer, sobre um outro caminho para o bem estar do país e do planeta.

É possível sonhar em Dilma como a esperança de um Brasil mais doce, mais sábio, mais cuidadoso com a natureza e as vocações culturais e criativas do seu povo? Tom Jobim, nosso mais famoso músico, em uma viagem aos Estados Unidos, contou que aprendeu a arte da música com os pássaros de sua terra. Esperemos que a nova presidente tenha descoberto com eles outro jeito de governar o Brasil, oferecendo para si e para a natureza um ritmo em que a paz e o bem estar sejam o tom da vida.

*Rui Barbosa da Rocha Professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, é diretor do Instituto Floresta Viva e membro da Rede Sul da Bahia Justo e Sustentável. Empreendedor Social Ashoka desde 2008.

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