RJ: a PM tenta tirar pretos das praias

A operação ilegal e arbitrária da polícia, que recolheu 160 jovens da periferia no fim-de-semana para impedi-los de chegar à Zona Sul

Por Marie Declercq, na Vice

2015-783534058-2015011763322.jpg_20150117

.

A operação ilegal e arbitrária da polícia, que recolheu 160 jovens da periferia no fim-de-semana para impedi-los de chegar à Zona Sul

Por Marie Declercq, na Vice

Neste final de semana, cerca de 160 jovens cariocas foram recolhidos pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro sem nenhum motivo aparente. Todos estavam a caminho das praias da zona sul da cidade e eram de diferentes regiões periféricas do Rio. Nenhum portava drogas, armas ou estava praticando nenhum tipo de ato infracional.

A Polícia Militar montou uma blitz especialmente para essa operação. Antes de os ônibus atravessarem o Túnel Rebouças (que liga as regiões norte e sul da cidade), a polícia fez os adolescentes descerem do transporte público e entrarem no coletivo especial da PM que os levou até o Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente.

Após a detenção dos menores, a polícia tentou levá-los até a Central Carioca, onde a entrada foi vetada pela própria diretora do centro por não haver nenhum motivo aparente para o recolhimento.

Eufrásia Souza das Virgens, defensora pública da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), acompanhou o caso e relatou que os jovens ficaram até o final da tarde no local aguardando os responsáveis legais irem buscá-los para serem liberados.

A defensora já pediu informações ao Comando da Polícia Militar sobre a operação. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, as únicas hipóteses que permitem a detenção de um menor são duas: quando ele é pego em flagrante ou quando há uma ordem judicial expedida pela autoridade competente, o que não era o caso dos jovens.

“Eles só estavam indo à praia, pretendendo se divertir. Todo adolescente tem o direito de viajar e de ir para outra comarca acima dos 12 anos sem a necessidade de acompanhante ou de autorização. Isso parte realmente de um preconceito quanto à procedência desses adolescentes que não tem justificação legal alguma. É uma violação de direitos, de ir e vir e de estar em locais públicos”, explica.

Um habeas corpus já havia sido impetrado neste ano pela defensoriaa fim de evitar que mais abordagens sem justificativa como essa última voltassem a acontecer futuramente. “Isso não é nada mais do que exigir que haja o cumprimento dos direitos assegurados pelo estatuto. O que a gente está fazendo é evitar que essas práticas continuem”, frisa a defensora.

Segundo o jornal Extra, uma conselheira tutelar que acompanhou o recolhimento de 15 menores reclamou da operação e disse que o único critério utilizado pela polícia é oda classe social e nada mais.

Só no fim de semana dos dias 22 e 23 de agosto, 160 jovens foram impedidos de ir até a Zona Sul. E parece que essa prática da polícia já estava acontecendo com certa frequência.

“A gente já tinha notícias antes desse tipo de abordagem, mas ainda não tinha conseguido constatar a chegada dos ônibus com os adolescentes. No domingo, nós vimos com muita clareza o que está acontecendo; por isso, [é] que vamos reiterar o pedido da defensoria perante a Vara da Infância e da Adolescência para cessar esse tipo de abordagem policial indevida”, afirma Eufrásia.

Procurada sobre o caso, a PMERJ declarou por meio de sua assessoria que “as ações preventivas realizadas pela Corporação têm por objetivo encaminhar para os abrigos da prefeitura crianças e adolescentes em situação de risco. Muitos desses jovens, além de estarem nas ruas sem dinheiro para alimentação e transporte, apresentam condição de extrema vulnerabilidade pela ausência de familiares ou responsáveis”.

Eufrásia discordou da justificativa da PM de que os jovens estavam em situação de vulnerabilidade. “A gente não pode querer que os adolescentes não cheguem a determinados locais na praia, isso não é serviço da polícia. O serviço da polícia é para todos, inclusive para a população de todas as regiões da cidade”, completa.

O governador Luiz Fernando Pezão não criticou a ação da polícia e ainda afirmou que ela foi realizada para evitar arrastões e outros crimes que são cometidos nas praias por adolescentes. Segundo a EBC, Pezãoafirmou que a polícia “tem visto e mapeado com inteligência, toda essa movimentação de menores, desde o embarque nos ônibus”.

Além de não poder frequentar as praias da zona sul quando bem entender, o jovem carioca pobre também precisa se esquivar do tratamento policial oferecido nas periferias. Segundo o relatório apresentado no começo do mês pela Anistia Internacional, mais de oito mil pessoas morreram entre 2005 e 2014 por causa de intervenções policiais no Estado do Rio. As vítimas são majoritariamente homens (90%), negros (70%) e jovens entre 15 e 29 anos (75%).

Leia Também:

2 comentários para "RJ: a PM tenta tirar pretos das praias"

  1. CARLOS disse:

    Isto é antigo,mas como professora da periferia,posso assegurar que muitos entram nos bus sem pagar e sequer respeitam os amigos da mesma periferia como os alunos falam em sala.Sou professor e tem galera só vai pra fazer zona nos locais e não é só zona sul…aqui em Ramos,é igual …e muitos fazem arrastão até em ônibus…enfim, se estudam,deveriam ter um passe com foto pra não usarem dos alunos,pois muitos alunos tem seus passes roubados….está na hora de parar de mimimi e ter uma cidade organizada e isto não tem a ver com pobreza..meus alunos são pobres e não são barrados em local nenhum,pois tem educação e não fazem vandalismos….educação não tem nada a ver com pobreza……tb já tive alunos brancos vândalos em classe mais altas e tb já foram revistados e tb causou indignação aos que viram,porém,os policiais tem que ver a população em geral , e a ação de revista não é abusiva.

  2. É lamentável perceber o quão pouco está sendo feito a respeito desse vandalismo da PM. A população que tem condições, ao invés de se prender em sua ilusão de felicidade – shoppings, condomínios fechados, bares, restaurantes, hipocrisia e empregos alienantes…mas bem pagos – deveria colocar em pauta essa realidade e todas questões relacionadas a isso. Mas me parece que enquanto não houver um colapso geral – no Brasil e no mundo – da sociedade, na qual todos sentirão na pele o que muitos jovens, negros e inocentes sentem, ninguém movimentará os pauzinhos para superar essa forma mental atrasada que só atua na superfície e vive nas (e das) aparências. Ignorando o problema da exclusão, fazendo piada disso…não reconhecendo o inferno que está sendo feito – sem motivo – a certas classes, e raças, estamos armando uma bomba-relógio. OS QUE MAIS POSSUEM ( CONDIÇÕES MATERIAIS, ENERGIA, SAÚDE, ESTUDO, TEMPO,…) SÃO AQUELES QUE MAIS DEVEM SERVIR O MUNDO. Mas infelizmente o mundo não se tocou…em sua maioria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *