Por que a América Latina está matando jornalistas

México registra três assassinatos em março. Homicídios dispararam a partir de 2010, no continente: oligarquias sentem-se impunes para frear investigações a bala

Por Guilherme Henrique, na Calle2

 

170425-Jornalistas

.

México registra três assassinatos apenas em março. Homicídios dispararam a partir de 2010, em todo o continente: oligarquias locais sentem-se impunes para frear investigações a bala

Por Guilherme Henrique, na Calle2

Miroslava Breach Velducea ainda se ajeitava no banco de seu carro quando, à espera de um dos seus três filhos, percebeu uma movimentação estranha em uma rua ainda pouco movimentada. O ponteiro do relógio indicava sete horas da manhã. Quando se deu conta do que lhe esperava, agradeceu por estar sozinha. Oito tiros à queima roupa, disparados por um homem de estatura média e encapuzado, de acordo com a imprensa mexicana que noticiou abismada o assassinato da jornalista de 54 anos, repórter do jornal “Norte Digital” (no estado de Chihuahua).

“Ela fazia investigações ligadas à corrupção, crime organizado e políticos com conflitos de interesses”, disse à Calle2 Óscar Cantú Murguía, diretor do “Norte Digital”. A morte de Velducea e a vulnerabilidade motivaram Cantú a fechar o jornal no dia 2 abril, explicando em um editorial a decisão de encerrar as atividades do periódico após o ocorrido.

“Em Chihuahua, não existem condições para exercer um jornalismo de investigativo e crítico. É um exercício de alto risco, em que as agressões contra jornalistas e os níveis altíssimos de impunidade são uma constante. Passamos anos denunciando uma série de coisas e nada aconteceu. Não quero expor meus colaboradores. Acho que também é uma forma de protestar contra a falta de garantia”, ressalta Murguía.

Um dia após o assassinato de Velducea, o governador de Chihuahua, Javier Corral Jurado, deu uma entrevista coletiva afirmando que o assassinato ‘não ficaria impune’ e que as investigações iriam apresentar ‘resultados contundentes’.

Ainda de acordo com Jurado, uma equipe multidisciplinar seria criada para investigar o caso. No último dia 27 de março, o delegado responsável, César Augusto Peniche Espejel, revelou que já eram conhecidas as identidades do atirador e do motorista que fugiram após o assassinato de Velducea. Os nomes, porém, não foram revelados para não atrapalhar o andamento das investigações, informou Espejel.

O assassinato de Miroslava Velducea foi o terceiro somente no mês de março sofrido por jornalistas mexicanos.

No dia 2, o repórter Cecilio Pineda Brito, 38 anos, diretor do diário “La Voz de La Tierra Caliente”, foi alvejado por dois homens por volta das sete horas da noite no estado de Guerrero. No dia 19, no estado de Veracruz, Ricardo Monlui Cabrera, 57 anos, diretor do site “El Político” e colunista do jornal “El Diario de Xalapa”, foi morto enquanto tomava café da manhã com a mulher e o filho em uma lanchonete.

“O governo do México não tem sido capaz de garantir a possibilidade de jornalistas realizarem suas investigações. Estão fracassando na responsabilidade nacional de proteger a liberdade de expressão, que é um direito fundamental. Os jornalistas estão impossibilitados de publicar notícias simples de crime e corrupção. Eles fazem, mas estão encontrando dificuldades cada vez maiores”, afirma Carlos Lauría, diretor geral responsável pela América Latina no Committee to Protect Journalists (CPJ), sediado em Nova York.

De acordo com o Comitê, 92 jornalistas mexicanos morreram desde 1992, quando a entidade passou a acompanhar a atividade pelo mundo. Os motivos variam entre crimes de corrupção, políticos e ‘queima de arquivo’.

Ainda segundo o CPJ, 86% dos casos terminam sem que culpados sejam encontrados; 11% apontam para “justiça parcial”, quando o atirador é identificado, mas o mandante do crime segue desconhecido; e 3% apontam para a resolução total do caso.

“Se há uma impunidade desse tamanho, desse nível, é porque o trabalho das autoridades é insuficiente. Em Chihuahua, está generalizada a ideia de que a imprensa é corrupta. Quando fazemos nosso trabalho, imediatamente as autoridades nos desqualificam, dizendo que queremos dinheiro. É uma situação péssima, que coloca os jornalistas à mercê dos leões, totalmente vulneráveis”, conclui Óscar Murguía.

 O retrato observado na região não diferencia os outros países da rotina vivenciada pelo México. Ao contrário: a preocupação com a escalada da violência contra profissionais da imprensa é tema constante dentro do Comitê.

Leia esta matéria na íntegra em Calle2: http://calle2.com/america-latina-onde-a-investigacao-mata-jornalistas/

Leia Também: