Polêmica: atos pirotécnicos vencerão a direita?

Governo Temer nascerá frágil. Mas ações como bloqueio de estradas podem, paradoxalmente, alimentar narrativa que criminaliza a esquerda e ampara o presidente ilegítimo

Por Rodrigo Vianna, em seu blog

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Governo Temer nascerá frágil. Mas ações como bloqueio de estradas podem, paradoxalmente, alimentar narrativa que criminaliza a esquerda e ampara o presidente ilegítimo

Por Rodrigo Vianna, em seu blog

Está claro que o governo golpista de Michel Temer começa frágil. Primeiro, porque os personagens que o cercam têm imagem péssima e capivaras gigantes na Justiça. E, em segundo lugar, porque o vice golpista colocará em ação um plano ultra-liberal, na linha do adotado por Macri na Argentina; só que fará isso sem ter recebido o aval das urnas.

Esse plano provocará desarranjo social, instabilidade, fragilizará os trabalhadores e os mais pobres. Já sabemos disso. Mas o povo que assiste a tudo, desconfiado, ainda não se deu conta.

Ouço algumas pessoas, ligadas aos movimentos sociais e a partidos de esquerda, dizendo que esse quadro favorece uma reação imediata nas ruas – para deslegitimar Temer. Minha impressão é de que, bem ao contrário, Temer conta com essas ações (fechamento de ruas e estradas, ocupações de prédios públicos e propriedades privadas) para construir a legitimidade de que necessita.

O que quero dizer? Que a narrativa buscada pelo governo Temer será a de que “baderneiros” ligados ao PT buscam obstaculizar a nova “unidade nacional”. As ações de rua da esquerda, quanto mais virulentas forem, mais fornecerão a Temer o álibi de que necessita: “temos um inimigo, uma quadrilha que foi desalojada do poder e que se recusa a aceitar a derrota”. Essa será a narrativa. A Globo e suas sócias minoritárias no oligopólio midiático saberão construir essa narrativa. Já começaram, aliás.

No Judiciário e no aparato de Estado, veremos ações de repressão, intimidação, perseguição. Caminhamos para uma semi-democracia. Ou uma quase-ditadura – no estilo colombiano: as instituições funcionam, mas a esquerda e os movimentos populares organizados são expurgados.

Reparem que o secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Morais, cotado para ser Ministro da Justiça do governo golpista, dá a senha: chamou de “ações guerrilheiras” os protestos desse dia 11 de maio.

Outros exemplos: a Policia Federal deteve um grupo de mulheres pró-Dilma que se dirigia a Brasília porque elas se manifestaram dentro do avião na viagem; e grupos fascistas invadiram escolas ocupadas no Rio para expurgar a esquerda que ousa protestar contra o descalabro da educação fluminense.

Isso é o que nos espera nos próximos meses. Um “choque de ordem”, baseado em abusos de autoridade e fascismo social.

Risco de isolamento

Pensei muito se deveria escrever este texto, porque poderia parecer uma nota de desânimo no momento em que é preciso resistir. Mas sinto-me na obrigação de dizer o que vejo: nos próximos meses, a esquerda e os democratas em geral ficarão minoritários. O maior risco que corremos é o de isolamento social.

A mesma máquina midiática que criou a narrativa (vitoriosa, pelo que vemos) de que uma organização criminosa tomou de assalto o país passará, a partir de agora, a operar em outro diapasão: a “quadrilha” de desordeiros não quer deixar o Brasil seguir seu curso.

Percebam que o 17 de abril (com a infame votação do “em nome da minha família”, “em nome de deus”) foi o dia em que se mostrou – sem véu –  a ideologia hoje vitoriosa no Brasil. A ideologia da ordem. E essa narrativa foi meticulosamente construída…

Em março de 2015, no estouro da boiada da direita, vocês se lembram qual era a frase pronta repetida pelos repórteres da Globo ao cobrir as manifestações: “milhares de famílias, em ordem, protestam contra o governo do PT e contra a corrupção.”

Famílias em ordem x corrupção petista. Esse é o resumo da ópera.

O próprio lulismo, como já ressaltado por André Singer, opera dentro da ordem. Amplos setores que votaram em Lula e Dilma são conservadores. Queriam (e querem) melhorias dentro da ordem, até porque a liderança da classe trabalhadora lhes ofereceu esse programa.

Reparem que são relativamente pequenos os grupos que saíram às ruas nos últimos dias (em atos que considero heróicos e necessários) para denunciar o golpe Temer/Cunha/Globo/PSDB. Não há muita gente disposta a enfrentar o golpe na rua em ações “radicais”. Por enquanto, esse é o quadro.

Há setores na esquerda que apostam nessa estratégia: atos fortes, ainda que pequenos, para logo atrair as massas à resistência. Temo que esse tipo de ação esteja em completo desajuste com tudo que significou o lulismo nos últimos 15 anos. E temo que esse tipo de ação possa aprofundar o isolamento social da esquerda e dos movimentos sociais.

Será que a massa trabalhadora compreende essa sintaxe dos pneus queimados e das estradas fechadas?

Estou longe de ter a resposta definitiva.

O que percebo é que MST, CUT e demais centrais sindicais, ao lado de PT e PCdoB, são tudo que Temer e seus operadores da lei e da ordem querem ver nas ruas nos próximos meses. Será fácil carimbar essas manifestações como “desordens”, lançando esse povo no gueto dos “desesperados” e desalojados do poder.

O que não quer dizer, evidentemente, que devam se ausentar das ruas…

O melhor caminho para enfrentar o governo golpista, imagino eu, é apostar em ações descentralizadas, criativas, comandadas por jovens e mulheres. Ações que obriguem Temer e as PMs nos estados a botar seus dentes de fora. Ações pautadas em temas concretos, e que mostrem o que significará na vida prática de cada um esse golpe à democracia.

Teremos que fazer isso e ao mesmo tempo ter energia e muita solidariedade para enfrentar a onda de perseguições, difamações e violência que se abaterá sobre todo o campo popular e democrático.

Serão dias difíceis, como sabemos.

E talvez a maior de todas dificuldades seja: como defender o legado da (centro)esquerda que tivemos até aqui (o lulismo, com suas conquistas e sua sintaxe baseada nos acordos institucionais), ao mesmo tempo em que construímos uma nova esquerda – menos institucional, mais voltada às ruas, às redes e aos movimentos horizontais que pipocam Brasil afora?

Faremos isso tudo em meio a uma grave crise da democracia, com o discurso religioso e policialesco a dominar o cenário.

Qual papel de Dilma? E o de Lula?

Certamente são importantes, assim como o da Frente Brasil Popular e dos partidos e sindicatos. Mas isso tudo Temer e a Globo já botaram na conta. Vão partir pra cima dessa turma já conhecida.

O curinga na manga será a construção de novos movimentos sociais. Populares e de esquerda, mas não necessariamente “petistas”. É daí que poder vir a novidade mais consistente. Contra ela, toda a força e a virulência de Temer e das PM pode se transformar em fraqueza.

Esse é o cenário que vejo.

O Brasil entra num novo ciclo. Temer parece hoje ter pouca força pra se consolidar. Se errarmos muito, ele pode construir sua legitimidade a partir de nossos erros. Mas se o surpreendermos, toda força midiática e judicial não será capaz de evitar a construção (em 6 meses, 2 anos ou 10 anos) de um novo ciclo de esquerda no Brasil.

Haverá resistência! Agora e sempre. De muitas formas.

P.S.: Os golpistas que nos atacam nas ruas e nas redes dizem que estamos desesperados porque “perdemos a boquinha”. Deixem que pensem assim. Não sabem que a maioria dos que lutam do lado de cá está acostumada a travar longas batalhas, com persistência e confiança num futuro mais justo para o Brasil e o Mundo.  Esse não é o primeiro governo golpista que vamos enfrentar e derrotar.

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6 comentários para "Polêmica: atos pirotécnicos vencerão a direita?"

  1. Maria Luiza disse:

    Não sei não, há muito movimento e muita militância em ação. O que faltou foi ver sindicatos mais ativos. Internacionalmente ninguém apoia o temer. É impressionante a solidão. O dia q ele por os pés fora vai ser mais vaia q a do Maracanã. Mas, em compensação, tem poder no congresso.Através de Cunha tv, aprovam tudo que ele quer. Só que as medidas do governo temer são muito impopulares, muito abertamente a favor dos poderosos. Claro, a classe média , q era contra Dilma, vai perder tb vantagens adquiridas. A corrupção para tirar Dilma cada dia fica mais claro. Só houve uma manifestação da direita e preparada com muito afinco por mais de mês. A direita não cresceu. Os democratas crescem dia a dia. O nosso problema é um congresso dissociado dos representados. O Brasil mudou, pouco, concordo, mas mudou e agora por para trás…vão tentar e concordo numa coisa, vai ter repressão e muita. O Moraes e o milico da ditadura não estão à toa nestes postos é pr´a ferrar.

  2. Roldão Lima Junior disse:

    O articulista faz um exercício de futuro no qual sustenta que manifestações pirotécnicas da esquerda poderão inviabilizar o projeto de governo da direita instalado no Brasil após a efetivação do golpe perpetrado contra o governo conservador de Dilma Roussef. Na minha opinião, a conturbada conjuntura política brasileira atual é decorrente de movimento revolucionário em curso que visa à implantação da ditadura do proletariado, com auxílio das grandes empresas que atuam no ramo da propaganda e do entretenimento. Um dos pressupostos dessa minha opinião é o fato da insistência dos meios de comunicação em desacreditar a classe política, junto à sociedade brasileira, pela exposição massiva de escândalos de corrupção, envolvendo personalidades políticas de todos os matizes ideológicos – do presidente da república ao mais insignificante vereador. A Operação Lava Jato, sob a cortina de buscar os nichos de corrupção instalados no governo, presta contribuição decisiva para a consolidação dessa fase do movimento revolucionário. Os últimos acontecimentos no mundo político brasileiro comprovam essa minha opinião. Enganam-se, redondamente, aqueles que supõem que tudo isso não passa de disputas de poder entre a direita e a esquerda e que a pirotecnia de um vai atormentar o outro. Busca-se implantar o vazio de poder, por falta de liderança política competente eleita regularmente. Estabelece-se o terreno fértil para o surgimento de um ditador populista para consolidar o objetivo final do movimento revolucionário que é a ditadura do proletariado. Será esse o futuro do Brasil? Iremos repetir as experiências de Cuba, Coreia do Norte, Albânia, Vietnã, Cambodja e outros países socialistas periféricos? No Brasil, bem como em todo continente americano, os conceitos de direita e de esquerda devem ser tratados como meros posicionamentos das cadeiras ocupadas pelos congressistas nas respectivas assembleias, tendo como referência o centro da mesa diretora. Os congressistas que ocupam as cadeiras à esquerda do centro da mesa diretora são de ESQUERDA. Os congressistas que ocupam as cadeiras à direita do centro da mesa diretora são de DIREITA. Nada mais do que isso uma vez que tanto a classe política quanto o eleitorado brasileiro não tem cultura politica suficiente para assumir posicionamentos ideológicos com seriedade. O Brasil não é um país sério. É um “país de merda”, conforme definiu o Jihad John de plantão do Estado Islâmico, em 2015. E esse conceito de esquerda e de direita só tem sentido em sociedades politicamente desenvolvidas como é o caso das europeias. Na América, essa dicotomia ideológica não tem sentido. Não passamos de índios aculturados que obedecem cegamente caciques, pajés, caudilhos e líderes populistas, e votam em políticos corruptos.

  3. Genovan de Morais disse:

    Acho pertinente a advertência que seu texto traz, mas tenho uma outra hipótese. A de que o Temer e sua turma, com olhos plugados em 2018, tentará ao máximo fazer um governo “light”, isto é, digamos dissimulado, evitando ao máximo medidas extremas, seja no campo econômico, no qual aliás, veremos que parte da crise foi artificialmente construída, assim como nos demais campos da vida social. Assim criará o falso ambiente de otimismo e retorno a “normalidade” criando as condições para o pulo do gato: vencer as eleições presidenciais de 2018. Aí, sim, conheceremos a verdadeira perversão da direita liberal ou neo, se quiser, em seu sentido pleno. Espero estar redondamente enganado; que ele meta mesmo os pés pelas mãos e que seu governo ilegítimo seja um desastre, politicamente falando.

  4. Dan disse:

    Os golpistas precisam de um inimigo interno por todas as razoes. Para incendiar coracoes e criar unidade em seu campo. Para desviar o foco de suas politicas anti populares e crimes. Se nao encontrarem um inimigo pra dar a cara, irao forcar o aparecimento de um. Se ainda assim nao tiverem sucesso, irao criar um. A resistencia ao golpe precisa considerar esses determinantes.

  5. jhon disse:

    Deixa de ser bundão, em 2014 a mídia tentou criminalizar os movimentos de rua, a revolta aumento molotov começou solto e a policia teve que cruzar os Braços.Não há motivo algum para população apoiar o temer, em caos de caos as pessoas vão preferir a renuncia dele para acalmar o país, ademais por mais retardado ou coxinha que seja, vai ter que admitir a legitimidade da revolta. Agora se todo pseudo-esquerdista começar a bundar como você, ai já era. veja só, a direita não levou nem 10 000 pessoas para comemorar o golpe, nesse sentido vai ser difícil a mídia culpar aqueles que nem mandam mais ou aqueles que protestarão,. NÃO ESTIMULE A BUNDAGEM.

  6. Ricardo Torres disse:

    Essa narrativa já existe…

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