Obras viárias: o drama dos desalojados

Reportagem na Favela do Buraco Quente, removida para linha do Metrô: governo paulista oferece “bolsa-aluguel” de R$ 400. Um grupo de moradores resiste

Por Marie Declercq, na Vice

A favela do Buraco Quente, que antes abrigava mais de 300 famílias, encontra-se quase completamente destruída.

A favela do Buraco Quente, que antes abrigava mais de 300 famílias, encontra-se quase completamente destruída.

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Reportagem na Favela do Buraco Quente, removida para linha do Metrô: governo paulista oferece “bolsa-aluguel” de R$ 400. Um grupo de moradores resiste 

Por Marie Declercq, na Vice | Fotos de Alice Martins

“Tomem cuidado vocês duas,” o taxista nos alerta. “Esse lugar que vocês vão é ponto de tráfico.” Dado o aviso, descemos entre a Avenida Jornalista Roberto Marinho (antiga Água Espraiada) e a Avenida Washington Luís, zona sul da cidade de São Paulo, para encontrar com o técnico de informática Iraildo Lyra. Ao subir a rua, percebemos que o “ponto de tráfico” se resumia em um terreno cheio de entulho, casas destruídas e lixo. Em uma das poucas casas de pé mora Iraildo, temporariamente, junto com sua filha de oito anos, Celine.

Com 33 anos e proveniente de Buraco Quente, Iraildo e sua família foram despejados da favela por conta das obras da Linha 17 Ouro do Metrô. Para alguns moradores da comunidade, duas opções foram deixadas, por parte do metrô e do governo estadual: ou aceitam a indenização pela desapropriação, com teto de R$ 119 mil, ou se viram com o auxílio aluguel de R$ 400 mensais dados pelo governo até a construção de uma CDHU, prometida para 2015. A única opção que Iraildo recebeu, no entanto, era sair de sua casa e procurar outro lugar para morar. Injustiçado, agora ele está lutando por seus direitos por meio da Defensoria Pública.

Iraildo Lira mora há 33 anos na favela do Buraco Quente.

“Eu só quero uma moradia para minha filha, só isso,” diz ele tranquilamente. “Quero continuar na área, tenho muitos amigos, […] o pessoal me conhece por aqui.” Iraildo mora de favor na parte superior de uma casa que também será removida e diz que raramente recebe notícias do Metrô sobre sua situação. No entanto, diz ele que recebeu pressões por parte dos representantes do Metrô que querem livrar o terreno o mais rápido possível. “Quem me informa de tudo é o Geílson, é só assim que consigo saber. O Metrô tem nosso telefone, comprovante de residência, tudo. Esqueceram da gente.”

O homem a quem Iraildo está se referindo é Geílson Sampaio, um dos assistentes sociais do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que auxilia os moradores das comunidades desapropriadas da zona sul desde o início das obras da Linha Ouro em 2012. “O Metrô e o governo estadual estão retirando os moradores por meio de coação e violência psicológica”, alega ele.  O processo foi feito com pouco diálogo e a fixação de indenizações quase sempre é contestada. “É oferecida uma indenização irrisória com a qual ninguém consegue comprar uma casa na região e passam com os tratores por cima.” Disse ele. “É como se eles tivessem fazendo um favor para quem mora na favela.”

Sônia Pereira e um de seus filhos que moram entre os escombros da Buraco Quente.

As favelas Buraco Quente e o Comando ainda contam com moradores que resistiram às reformas urbanísticas do Metrô. A Linha Ouro começou como um dos projetos da Copa do Mundo para ligar o bairro Jabaquara (onde está o Aeroporto de Congonhas) com o bairro do Morumbi, onde está o estádio do São Paulo. São 18 estações e 18 km de extensão. Embora o Estádio do Morumbi ter sido excluído da Copa do Mundo, permaneceu o projeto do Metrô.

Uma das resistentes da Buraco Quente é Sônia Pereira. Cansada de ver as pessoas aparecendo no terreno destruído sem trazer nenhuma solução, Sônia relutou um pouco em conversar com aVICE, mas logo desabafou. “Cada casa é um problema diferente. Tem seis famílias resistindo porque não concordamos com o que está acontecendo.” Sônia quer desmembrar seus filhos para conseguir uma vaga no CDHU, mas não sabe de seu futuro. “Foi tudo mundo embora e a gente ficou aqui no meio dos ratos e com as noias de que eles vêm aqui tentar entrar nas nossas casas e roubar o pouco que temos. Eu tenho minha casa e não vou jogar minhas coisas na casa dos outros, eu tenho meu direito de moradia.”

Sônia contou que não sai de casa porque tem medo de encontra-la demolida ao retornar. “Tive que pedir as contas por causa disso”, explica ela. “Nós ficamos sem luz aqui, porque pegaram a fiação”. Iraildo precisa se deslocar para tomar banho porque não tem água na casa dele. “Todo mundo tem direito a uma vida digna, não é mesmo?”

Juliana Pereira de Queiróz viu sua casa, onde morava há 10 anos, ser demolida pelo Metrô sem nenhuma negociação prévia.

Todos temem que seus lares tenham o mesmo destino que o de Juliana Pereira de Queiróz, que viu sua casa no Morro de Piolho, onde morava há 10 anos, ser demolida em apenas uma manhã. “O Metrô apareceu às seis horas da manhã, não me deixaram dar café para os meus filhos nem trocar a minha pequena. Colocaram minhas coisas em um caminhão e falaram que não tinha mais jeito.” Juliana teve que se livrar de parte de seus pertences e está agora morando com os dois filhos na casa da sogra no bairro do Campo Belo. “Minha outra filha está com a minha mãe porque não tinha espaço aqui”, Juliana completa, com o coração partido. “Eu só quero um lugar para morar”.

Embora Juliana e sua família tenham entrado em contato com o Metrô antes da demolição, ela diz que nenhum acordo ou manifestação do mesmo foi feita. Tudo ficou assim até o dia em que ela se viu desabrigada. “Depois de tudo isso, me ofereceram uma indenização de R$ 17 mil reais para dividir com meu irmão [que também teve sua casa demolida]. O que vou fazer com esse valor?”

Após a demolição de sua casa, Juliana está morando com seus dois filhos na casa da sua sogra.

Geílson, inclusive, estava presente no dia da demolição. “O Metrô alegou que a casa de Juliana era um ponto comercial porque antigamente funcionava um pequeno comércio, mas não era o que estava acontecendo mais.” Depois disso, eles fizeram uma reunião e lá mesmo, na sede da Rua Augusta, viram que o descaso com a dignidade por quem chegou na zona sul muito antes da Copa do Mundo de 2014 era grande. “A documentação da Juliana estava incompleta e o prontuário dela, que deveria ser muito mais volumoso, contava com meia dúzia de páginas com um pequeno parecer do Metrô.” A próxima reunião está marcada para o dia 19 de fevereiro. Enquanto isso, Juliana tenta se virar do melhor jeito que pode.

Enquanto prosseguem as obras, a comunidade do Buraco Quente resiste com seis famílias aguardando pelo futuro. A comunidade do Comando tem cinco famílias na mesma espera. Ninguém parece estar intimidado com os tratores que passam todos os dias em frente às suas casas. Sônia dá o recado: “Pode vir a Rota, Metrô, polícia e o que for… só saio daqui se meus filhos tiverem moradia. Se derrubarem minha casa, eu vou junto com ela”.

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