Futebol, possível território do brio palestino?

Um jovem goleiro do campo de refugiados de Shatila brilha em torneio internacional de Barcelona e sonha defender a seleção de seu país, libertado

Por Mat Nashed, na Vice | Foto: John Owens

 

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Um jovem goleiro do campo de refugiados de Shatila brilha em torneio internacional de Barcelona e sonha defender a seleção de seu país, libertado

Por Mat Nashed, na Vice | Foto: John Owens

Sobre a linha do gol, Omar Mohammed, 11 anos, treina lançamentos. Chuta uma bola. Depois outra. Por fim, as recolhe no meio do campo e as bota no mesmo local. Repete o processo até cansar. O garoto palestino faz do tapete verde do campo seu santuário no centro de refugiados Shatila, em Beirute, no Líbano, um enclave de 66 anos de idade construído na época da criação de Israel para abrigar palestinos expulsos.

Contornado por uma cerca elétrica e ruas cheias de lixo, o estádio é o mesmo em que o pai de Omar o apresentou ao treinador Majdi anos atrás. “Esquecemos nossos problemas quando jogamos juntos”, me contou Omar nas arquibancadas enquanto assistia a um jogo de seus colegas.

Majdi, um homem de 41 anos de idade, de barba rala e cabelos pretos, criou uma associação futebolística em 2009 para treinar jovens jogadores da Palestina e manter seus filhos longe da violência. Contudo, visto que palestinos estão proibidos de jogar em clubes libaneses, os treinadores profissionais locais nunca viram a turma jogar.

Os palestinos são excluídos da esfera política e cultural do Líbano. São proibidos de tentar adquirir cidadania, de exercer trabalho qualificado e de ter propriedades no país. Marginalizados e confinados, muitos jovens são forçados a praticar trabalho infantil ou são seduzidos pelo glamour das milícias e gangues.

Para garotos como Omar e seus amigos, porém, o futebol oferece um vislumbre de esperança para superar as dificuldades políticas e sociais da vida apátrida.

Embora a associação de Majdi tenha conquistado confiança das famílias do campo rapidamente, lutou para convencer os clubes libaneses a jogar uma partida contra seu time. Ignorado pelos boleiros de Beirute, quase desistiu até ser abordado por David Nakhid.

Ex-jogador da seleção de Trinidad & Tobago e fundador da maior academia de futebol do Líbano, David convidou a equipe de Majdi para uma partida contra seu clube. O jogo terminou com a derrota de Madji, e os dois homens logo criaram laços improváveis.

“Antes de David, os clubes libaneses se recusavam a jogar conosco quando percebiam que éramos palestinos”, Majdi me contou enquanto via o caçula driblar um adversário no campo irregular de Shatila.

“Eu respeito Majdi”, disse David, um homem alto e magrelo de pele escura e óculos de sol. “Muitas pessoas perderiam o otimismo nessa situação.”

Em uma das visitas recorrentes de Majdi à academia, David lhe disse que estava atrás de novo goleiro para o clube. Empolgado com as ligações da academia com a Europa, Majdi contatou a família de Omar imediatamente. Naquela semana, David testemunhou o potencial de Omar em primeira mão. E logo em seguida, patrocinou o garoto para jogar em seu time.

O pai de Omar, Walid, ficou eufórico ao escutar a novidade. Todo domingo, ele levava o filho ao clube de carro e acompanhava as suas lições sobre como antecipar o adversário e mergulhar na bola. Sob a tutela de David, ele também viu a autoconfiança do filho crescer.

“David me ajudou a entender o meu talento”, Omar me contou, sentado ao lado do pai, em casa.

“Espero que o futebol deixe meu filho pertencer a um país um dia”, acrescentou Walid, passando o braço ao redor do pescoço de Omar.

Depois de treinar na academia durante quase um ano, Omar começou a se preparar para o maior torneio da equipe, em Barcelona, na Espanha. Muito embora jogar numa competição internacional fosse fascinante, ele sabia que, por ser palestino, com um condição de vida apátrida e desfavorecida, seria difícil conseguir um visto. Deixando as expectativas de lado, ele entregou a David seus documentos de viagem e esperou pela resposta, ansioso.

Em março deste ano, Omar recebeu a notícia: ele estava prestes a ser o primeiro garoto palestino de Shatila a jogar na Copa Maresme. Quando ele voltou para casa para contar à família, os pais o abraçaram e os irmãos celebraram.

Poucas semanas depois, viajou com o time para Barcelona. Com olheiros de todo o mundo assistindo, Omar se fez conhecido. Ao defender pênaltis em seis partidas, ele demonstrou uma liderança extraordinária na hora de ajudar a conduzir o time à final. E apesar de perder nos pênaltis para um clube alemão, foi nomeado o melhor goleiro do torneio.

“Foi incrível”, disse ele, ao passo que me mostrava suas luvas de goleiro, em casa. “Todas as partidas foram tão rápidas.”

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O seu desempenho em campo foi um sonho realizado, mas os momentos mais memoráveis mesmo foram como espectador. Em 8 de abril, Omar e seus colegas de equipe foram ver um jogo do torneio La Liga entre o Barcelona e o UD Almería, no Camp Nou; tanto Lionel Messi quanto Luis Suárez marcaram gols numa vitória de 4 a 0.

Quando retornou a Shatila, três dias depois, Omar revisitou seu ponto de partida. Nas arquibancadas, ao lado do pai, assistiu ao treino de Majdi no campo onde jogou pela primeira vez.

Omar ainda treina na academia de David e espera participar de mais torneios internacionais. Ainda que uma carreira profissional não seja uma garantia, sua maior ambição é jogar mundo afora pela Palestina quando for mais velho.

“Espero jogar pelo meu povo”, disse Omar, sorrindo para o pai, do outro lado da sala. “Quero ser o goleiro da Palestina um dia.”

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