Eu estou protegendo você, seu fdp!

Ao desabafar para grupo que o vaiava, diante de sua casa, Ciro Gomes tinha razão: no Brasil, autoritarismo volta-se com frequência contra aqueles que o defendem

160318-Grilo

.

Ao desabafar com grupo que o vaiava, diante de sua casa, Ciro Gomes tinha razão: no Brasil, autoritarismo volta-se com frequência contra aqueles que o defendem

Por Ayrton Centeno, no Rsurgente | Imagem: Rubem Grilo

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Dita no calor da hora, a frase dura de um possesso Ciro Gomes carrega um desaforo dos mais evidentes, tradicionais e utilizados para aquele momento em que a temperatura sobe e a cusparada retórica se projeta com sua missão de destratar. Era madrugada do dia 17 e um grupelho de jovens ululantes e disfuncionais fazia barulho diante da casa do ex-governador e ex-ministro de Itamar e Lula.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Mas, no caso, o mais importante não é o insulto saído da boca de um político notório pelo temperamento explosivo. Junto, traz um ensinamento sábio. Com sua validade confirmada pela história recente.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

A última vez que tal conselho deixou de ser ouvido custou 21 anos de ditadura ao Brasil.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Em 1964, no momento em que articulava o golpe contra Jango, o arquiconspirador Carlos Lacerda desconsiderou a possibilidade de reversão do que urdia. Embora sagaz, não imaginou que a usurpação de um presidente eleito, que parecia abrir-lhe o caminho para a presidência, viesse a ser, como foi, o começo do fim de suas próprias ambições presidenciais. Aos 50 anos, vivia o auge de sua carreira. Foi preso e cassado pelos novos inquilinos do poder que ajudou a implantar. Morreria em 1977 sem recuperar seus direitos políticos. Provavelmente lamentaria não ter sido admoestado – antes da vitória que se transformaria em derrocada – por um adversário mais atrevido que lhe dissesse nas fuças:

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Outro conspirador, Adhemar de Barros, também não ouviu a voz da razão. Ele e a mulher, Leonor, puxaram a edição paulista da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Também sonhava com o Planalto ao qual já fora duas vezes candidato. Seu problema era semelhante aos dos demais conjurados: falta de voto. Quando veio o golpe que pediu, Adhemar avisou: “Agora, caçaremos os comunistas por todos os lados do país”. Dono de cadeia de rádios e jornais que hoje compõem a Rede Bandeirantes, Adhemar levou uma rasteira do destino: foi caçado e cassado. A exemplo de Lacerda, morreu sem recuperar os direitos políticos.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

O mesmo aconteceu com parcela dos jornais embarcados na conspirata, caso do Correio da Manhã, o mais destemperado dos inimigos de Jango, que feneceu destroçado pela censura e a perseguição dos militares. Claro que isso não se aplica às Organizações Globo, que somente se viabilizaram como um dos maiores impérios de comunicação do mundo através de suas relações carnais com um governo de assassinos. Sem vacilar diante da mentira, quando o poder constitucional foi derrubado, O Globo proclamou na sua manchete de capa em 2 de abril de 1964: “Ressurge a democracia”. Para o Globo, a democracia golpeada era a ditadura, enquanto a ditadura que chegava era a democracia.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Quando o golpe deu seus primeiros vagidos, a Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu conselho federal, correu a embalar aquele sinistro berço de renda negra. Enalteceu “os homens responsáveis desta terra” que baniram “o mal das conjuras comuno-sindicalistas”. E, paradoxalmente, o estupro se dera “sob a égide intocável do Estado do Direito”. Sob a mesma égide e de tal estado, em 27 de agosto de 1980, uma carta-bomba na sede da Ordem matou a secretária Lyda Monteiro da Silva, de 59 anos. A carta era dirigida ao presidente do conselho federal da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes. Ocorre que, após apoiar a implosão da Constituição, a OAB percebera seu erro. E mudara.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

O Supremo, para vergonha dos pósteros, agiu igual. Sob o pitoresco olhar do STF, tudo estava em seu lugar: o golpe era legítimo, a democracia estava preservada e a constituição idem. Seu presidente, Álvaro Moutinho da Costa, saudou o general Castello Branco em visita à corte. Porém, após o AI-5, três ministros, os mais independentes, foram aposentados compulsoriamente.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Filha de coronel do Exército, a adolescente Sônia Moraes foi levada pelo pai e a mãe à versão carioca da marcha da família com deus pela liberdade. Era 1964 e os Moraes festejavam a queda do governo constitucional. O tempo passou, o regime mostrou seus dentes e Sônia desapareceu. Engajara-se na luta armada contra a ditadura. Presa, teve os seios arrancados e foi chacinada até a morte. Desesperado, o pai procuraria durante anos pela filha. Um dia recebeu um presente sem sentido, enviado pelo seu desafeto, o general Adyr Fiúza de Castro, comandante do DOI-Codi, no Rio. Era um cassetete da Polícia do Exército. Descobriria depois que aquilo representava uma advertência e um escárnio. Com aquele cassetete sua filha, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, fora estuprada antes de morrer em suplicio.

– Eu estou protegendo você, seu filho da puta!

Talvez da explosão de Ciro fique mais o destempero do que o aviso. Mas é este que conta e tudo resume. Não é o mandato de Dilma que está em jogo. Quando a comandante suprema das forças armadas é grampeada, o recado é sucinto: ninguém está livre, hoje foi ela, amanhã serão vocês. Por isso, a violência ilegal, absurda e flagrante que se abate sobre a atual e o ex-presidente é apenas uma fachada. Atrás dela vem o estado de exceção. Quando diz ao aprendiz de fascista “Eu estou protegendo você, seu filho da puta!”, Ciro expressa o que acontece após a ruptura do Estado Democrático de Direito quando até o guarda da esquina sente-se investido de superpoderes.

Como imensos contingentes da militância golpista limitam seu vocabulário a meia dúzia de chavões e não sabem bem o que estão fazendo ali e a História mostra que o que está acontecendo é somente um revival dos tempos de 1954 e de 1964, e tem muito a lhes ensinar, talvez a melhor resposta ao rancor não seja a de Ciro mas a do ministro Jaques Wagner. Aborrecido num restaurante com o glossário golpista de um cidadão que o importunava, reagiu de maneira sintética: “Vá estudar!” Estudo é uma arma de exterminar fascistas. E ainda poderemos dizer a quem seguir a sugestão: “Estamos protegendo você”.

Leia Também:

5 comentários para "Eu estou protegendo você, seu fdp!"

  1. Flávio disse:

    Fatos semelhantes ocorreram no Chile, durante a ditadura Pinochet, em que os que apoiaram o golpe foram depois proscritos pelo próprio regime facista instalado. O filme “A Casa dos Espíritos” mostra como isso se deu.

  2. Iliane Olga Kravicz disse:

    Parabéns Outras Palavras! Leio textos, assim como este, e sinto-me reconfortada por aprender mais sobre política através da visão diferenciada de pessoas que compreendem, o que é diferente de entender, profundamente a alma da política brasileira. Obrigada.

  3. Eva Blay disse:

    As denuncias de FUrnas que ouvi neste numero do Jornal ocorreram no Governo Lula. Por que nao se fez na época um Lava Jato? Quem ficava com o dinheiro além dos neves ali denunciado? Se fala que o $ era dividido em tres partes:quem eram os tres receptores?

  4. A grande questão do conselho “Vá estudar” é que o nazismo (a face mais hedionda da ideologia fascista) se deu no país de maior escolaridade da época, a culta Alemanha… É preciso aliar conhecimento com solidariedade social, sentimento de pertença a uma sociedade e não a defesa do individualismo que, infelizmente, está ainda presente particularmente na formação universitária brasileira. Gente formada na área paramédica graças ao PROUNI ou ao REUNI, hoje está nas ruas pedindo “o fim da concorrência” que a manutenção destes programas de acesso à formação universitária pode representar para eles… Quer dizer, a formação os tornou reacionários estudados, com formação universitária.
    Quanto ao comentário anterior: provavelmente o tal João tem curso superior… é “estudado”.

  5. Joao disse:

    1.
    Bill Gates: mente fantástica.
    2.
    Steve Jobs: mente brilhante.
    3.
    LULA: mente bastante.
    É preciso saber realmente quem tem a mente, o espírito e a cabeça arejada. E se Ciro Gomes a tem. Os 3 acima tem mentes…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *