Despoluição do Tejo: lições a aprender

Como se limpa o maior rio da Penínsual Ibérica– em meio a ações da sociedade civil e pressão sobre os governos. O que esta luta ensina ao Brasil

Manifestação contra a poluição no Tejo, em Ródão, na fronteira com a Espanha, em março de 2017

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Por Sucena Shkrada Resk no blog Cidadãos do Mundo

Quem um dia viu o rio Tejo quase sem vida e seco em vários trechos, há alguns anos observa um esforço para o processo de revitalização, de forma gradual e lenta, à custa de diferentes “pressões” -o curso d’água é o mais extenso da Península Ibérica (da Espanha a Portugal), com 1.007 km e cuja bacia hidrográfica ocupa 80,6 mil km 2, poluído. O que podemos tirar de lições dessas iniciativas europeias aqui no Brasil, tendo em vista que é uma bacia que se encontra em dois países e tem uma importância estratégica para um continente? Um interessante estudo de caso.

Vontade política e gestão técnica eficientes são as medidas consideradas mais eficazes, quando há um esforço conjunto que envolve poder público, empresariado, sociedade e terceiro setor, incluindo o componente da pressão internacional – neste caso – no contexto do bloco da União Europeia. Entretanto, o que torna as ações mais efetivas é a execução de medidas cadenciadas de forma permanente como política de Estado versus a cultura da descontinuidade, que quebra a efetividade de políticas públicas, algo que acontece no Brasil. Essa é a conclusão a que se chega ao observar os processos que têm ocorrido nas últimas décadas.

Diretiva Quadro da Água

Uma das estratégias para a revitalização do rio Tejo está baseada na aprovação da Diretiva Quadro da Água, em 2000, pelo Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, que obriga os Estados-membros do bloco apresentarem um bom estado ecológico de todas as águas de superfície, além das subterrâneas, que cobrem 60% do território. Na região, há o registro de 110 bacias hidrográficas, com 80% de predominância de rios, e mais de 30 já sofrem com o problema de escassez. A água não é tratada como mercadoria.

Neste contexto, foi criado o Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo (2016/2021), que passou por consulta pública e está sendo acompanhado pela sociedade civil. Um documento extenso, que trata desde aspectos de climatologia e hidrologia a econômicos. Algumas ações pontuais também têm sido realizadas. Entre elas, a implementação em 2000 do Parque Natural do Alto Tejo, na Espanha. Em Portugal, no ano de 1976 havia sido criada a Reserva Natural do Estuário do Tejo, que ocupa 14,4 mil hectares. O estuário integra a lista de Sítio Ramsar (zonas úmidas) e recebe milhares de aves migratórias e peixes.

Um dos mais recentes anúncios da Agência Portuguesa de Ambiente, em 2017, foi a instalação de duas sondas automáticas para o monitoramento contínuo das águas em trechos do rio em seu território.  Tudo isso é positivo, mas ainda muito pouco diante da dimensão dos desafios.

Poluição e seca agridem as águas do Tejo, situação que não causa estranheza a nós brasileiros, em muitas bacias hidrográficas. A retrospectiva histórica mostra que o processo por sua recuperação teve diferentes capítulos, como as ações em pontos isolados do rio em 1998, que teve várias interrupções. Em 2004, houve uma mudança de postura da gestão pública, com a proposta de uma ação integrada de saneamento, por meio de implementação de estações de tratamento de águas residuais (ETAs) em diferentes municípios em seu curso, que ainda tramita de forma gradual. Dentre os pequenos avanços, desde 2010, foi noticiada a reaparição de golfinhos roaz-corvineiro (Tursiops truncatu) em alguns trechos de suas águas; mas ao mesmo tempo, em 2017, na região de sua montante, pescadores reclamavam da escassez de peixes, ainda devido à poluição, com a eutrofização e proliferação de algas.

As maiores fontes de poluição do Tejo (muitas similares a vários rios brasileiros) são provenientes da agricultura (uso de agrotóxicos), operações de hidrelétricas (mais de 30), efluentes industriais (celulose),  efluentes domésticos (esgotos) e refrigeração da Termoelétrica de Pego. Outra questão que preocupa os europeus são as mudanças climáticas. A seca vem atingindo as cabeceiras com frequência. De acordo com estudos espanhóis, a diminuição caudal foi de 47% no século XX. Um dos motivos para essa alteração é creditado à ação do homem por meio da concepção do projeto hidráulico de barragens.

Pressão da sociedade

proTejo – Movimento pelo Tejo, que reúne de associações a cidadãos desde 2009, tem se mobilizado pela qualidade da bacia hidrográfica, como também pela preservação da identidade social e cultural das populações ribeirinhas. A sociedade utiliza diferentes instrumentos, desde ações de rua à manutenção de redes sociais, abaixo-assinados, levantamentos e atividades de educação ambiental. O grupo nasceu na Vila Nova Barquina, no Médio Tejo, em Santarém.

Em 2015, o grupo registrou a grande mortandade de peixes nas proximidades da Barragem Belver/Ortiga. Em 26 de setembro do mesmo ano, participou da Manifestação Ibérica por um Tejo Vivo. Em 2016, realizou um ato com mais de 500 participantes contra poluidores industriais, que ficam ao longo do rio, cobrando ações da Justiça e do poder público. A Agência Portuguesa de Ambiente constatou em relatórios os problemas e medidas necessárias para saneá-las.

Os resíduos orgânicos e industriais (metais pesados) acumularam-se por décadas. A zona do estuário do Tejo é considerada um local gravemente ameaçado. A reserva ecológica é um importante patrimônio ambiental. Um dos desafios ao longo dos últimos anos está sendo a implementação da chamada Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais (ENEAPAI), criada em 2007, que ainda enfrenta resistência em vários pontos do rio  e afeta a região.

A situação desta bacia hidrográfica europeia em muito se assemelha às nossas. As pressões são características do modelo de desenvolvimento capitalista. Preocupar-se com zonas ecológicas e econômicas, saneamento, destinação de resíduos e políticas de energia mais limpa sem tantas agressões ao meio ambiente faz parte de um consenso tanto aqui como lá. A troca de experiências pode ser útil para não se repetir erros.

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