Crack: novos estudos desmentem os mitos

Nos EUA, uma pesquisa intrigante revela: ideia da “dependência para sempre” é absurda; deve-se oferecer oportunidades, ao invés de estigmatizar usuários

No New York Times, tradução do blog Desentorpecendo a Razão

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Nos EUA, uma pesquisa intrigante revela: ideia da “dependência para sempre” é absurda; deve-se oferecer oportunidades, ao invés de estigmatizar usuários

No New York Times, com tradução do blog Desentorpecendo a Razão

Muito antes de ele trazer pessoas para seu laboratório, na Universidade de Columbia, para fumar crack, Carl Hart viu os efeitos da droga em primeira mão. Crescendo na pobreza, ele assistiu os parentes se tornarem viciados em crack, vivendo na miséria e roubando de suas mães. Amigos de infância acabaram em prisões e necrotérios.

Esses viciados pareciam escravizados pelo crack, como ratos de laboratório que não conseguiam parar de pressionar a alavanca para obter mais cocaína, mesmo quando eles estavam morrendo de fome. O crack fornecia a poderosa dopamina ao centro de recompensa do cérebro, de modo que os viciados não poderiam resistir a uma outra dose.

Pelo menos era assim que Dr. Hart pensava quando ele começou a sua carreira de pesquisador na década de 1990. Como outros cientistas, ele esperava encontrar uma cura para o vício neurológico, algum mecanismo de bloqueio da atividade da dopamina no cérebro, de modo que as pessoas não sucumbissem ao desejo de outra forma irresistível para a cocaína, heroína e outras drogas altamente viciantes.

Mas, depois, quando ele começou a estudar os viciados, ele viu que as drogas não eram tão irresistíveis, afinal.

“Oitenta a 90 por cento das pessoas que usam crack e metanfetamina não ficam viciadas”, diz o Dr. Hart, professor associado de psicologia. “E o pequeno número de pessoas que se tornam viciadas não se parecem com as populares caricaturas de zumbis.”

Dr. Hart recrutou viciados oferecendo-lhes a chance de fazer 950 dólares, enquanto fumavam crack feito a partir de cocaína farmacêutica. A maioria dos entrevistados, assim como os viciados que ele conheceu crescendo em Miami, eram homens negros de bairros de baixa renda. Para participar, eles tinham que viver em uma enfermaria de hospital por várias semanas durante o experimento.

No início de cada dia, com pesquisadores assistindo através de um espelho unidirecional, uma enfermeira colocava uma certa dose de crack em um tubo – a dose variava diariamente. Apesar de fumar, o participante ficava de olhos vendados para que não pudesse ver o tamanho da dose desse dia.

Em seguida, depois do uso inicial, eram oferecidas a cada participante mais oportunidades, durante o dia, para fumar a mesma dose. Mas, a cada vez que a oferta era feita, os participantes também podiam optar por uma recompensa diferente, a qual poderiam obter quando finalmente deixassem o hospital. Às vezes, a recompensa era de US $ 5 em dinheiro, e às vezes era um voucher de R $ 5 para mercadoria em uma loja.

Quando a dose de crack era relativamente alta, o participante, normalmente, escolhia continuar a fumar durante o dia. Mas quando a dose era menor, era mais provável a escolha do prêmio alternativo.

“Eles não se encaixavam na caricatura do viciado em drogas que não conseguem resistir à próxima dose”, disse Hart. “Quando eles receberam uma alternativa para parar, eles fizeram decisões econômicas racionais.”

Quando a metanfetamina substituiu o crack como o grande flagelo da droga nos Estados Unidos, Dr. Hart trouxe viciados em metanfetamina em seu laboratório para experimentos semelhantes – e os resultados mostraram decisões igualmente racionais. Ele também verificou que quando aumentou a recompensa alternativa para US $ 20, os viciados em metanfetamina e crack escolheram o dinheiro. Os participantes sabiam que iriam receber o dinheiro somente no fim do experimento, semanas depois, mas eles ainda estavam dispostos a esperar, abrindo mão do prazer imediato da droga.

As descobertas feitas Dr. Hart o fizeram repensar tudo o que ele tinha visto na juventude, como ele relata em seu novo livro, Alto Preço. É uma combinação fascinante de memórias e ciência: cenas dolorosas de privação e violência acompanhadas por análise serena do histórico de dados e resultados de laboratório. Ele conta histórias horripilantes – sua mãe o atacou com um martelo, seu pai encharcado com um pote de calda fervente – mas então ele olha para as tendências que são estatisticamente significativas.

Sim, diz ele, algumas crianças foram abandonadas pelos pais viciados em crack, mas muitas famílias de seu bairro foram dilaceradas antes do crack – incluindo a sua. (Ele foi criado em grande parte por sua avó.) Sim, os primos se tornaram viciados em crack, vivendo em um galpão abandonado, mas tinham abandonado a escola e estavam desempregados, muito antes do crack.

“Parece haver muitos casos em que as drogas ilícitas têm pouco ou nenhum papel para a ocorrência daquelas situações degradantes”, escreve o Dr. Hart, agora com 46 anos. Crack e metanfetamina podem ser especialmente problemáticas em alguns bairros pobres e áreas rurais, mas não porque as próprias drogas são tão potentes.

“Se você está vivendo em um bairro pobre privado de todas as opções, há uma certa racionalidade em continuar a tomar uma droga que vai lhe dar algum prazer temporário”, disse o Dr. Hart em uma entrevista, argumentando que a caricatura de viciados em crack escravizados vem de uma má interpretação das famosas experiências com ratos.

“O principal fator é o ambiente, se você está falando de seres humanos ou ratos”, disse Hart. “Os ratos que continuam pressionando a alavanca para a obtenção de cocaína são os que foram criados em condições solitárias e não têm outras opções. Mas quando você enriquece o seu ambiente, dando-lhes acesso a doces e deixando-os brincar com outros ratos, eles deixam de pressionar a alavanca”.

“Guerreiros contra as drogas” podem ser céticos em relação a seu trabalho, mas alguns outros cientistas estão impressionados. “O argumento geral de Carl é persuasivo e referendado pelos dados”, disse Craig R. Rush , um psicólogo da Universidade de Kentucky que estuda o abuso de estimulantes. “Ele não está dizendo que o abuso de drogas não é prejudicial, mas ele está mostrando que as drogas não transformam as pessoas em lunáticos. Elas podem parar de usar drogas quando são fornecidos reforçadores alternativos”.

Uma avaliação semelhante vem de Dr. David Nutt , especialista britânico sobre abuso de drogas . “Eu tenho uma grande simpatia com a visão de Carl”, disse Nutt, professor de neuropsicofarmacologia do Imperial College London. “O vício sempre tem um elemento social, e este é ampliado em sociedades com poucas opções de trabalho ou de outras formas de encontrar satisfação.”

Então, por que manter o foco tanto em medicamentos específicos? Uma razão é a conveniência: É muito mais simples para os políticos e jornalistas se concentrarem nos males das drogas do que lidar com os grandes problemas sociais. Mas o Dr. Hart também coloca parte da culpa sobre os cientistas.

“Oitenta a 90 por cento das pessoas não são afetadas negativamente pelo uso de drogas, mas, na literatura científica, quase 100 por cento dos relatórios são negativos”, disse Hart. “Há um foco distorcido em patologia. Nós, os cientistas, sabemos que temos mais dinheiro, se continuarmos dizendo ao governo que vamos resolver este terrível problema. Temos um papel desonroso na guerra contra as drogas”.

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18 comentários para "Crack: novos estudos desmentem os mitos"

  1. cris disse:

    Marlene, concordo com vc, depois de lutar cinco anos com meu marido adicto, pude ver que classe social não tem nada a ver, pois ele tinha tudo, esposa que o amava,casa boa,emprego e ajuda em gruo de NA, clinica de reabilitação, estudei AMOR Exigente, frequentei as reuniões, ara ajuda-lo, os familiares todos em prol do tratamento, mas realmente hoje posso dizer que de nada adiantou, isso é defeito de caráter, não posso dizer que todos são iguais, pois nas reuniões conheci vários que deu certo, mas para isso acontecer só depende da pessoa mais ninguém, se não quiser largar ,não tem família, governo nada que resolve.

  2. MARLENE disse:

    O CIENTISTA NÃO ENTENDE NADA DO QUE DIZ. HOMEM NÃO É RATO E ENQUANTO ELE AMENIZA O PROBLEMA COM SUA PESQUISA. UMA PESSOA SIMPLESMENTE NÃO SOLTA A DROGA E VAI BRINCAR COM OS AMIGUINHOS. ISSO É MAIOR QUE TUDO AQUI TEM FILHO DE PROMOTOR QUE É VICIADO E É TBM TRAFICANTE. A QUESTÃO É DE CARÁTER, DE FALTA DE FOCO, VAGABUNDAGEM E FALTA DE INTERESSE DO GOVERNO EM CRIAR PARA AS POPULAÇÕES MAIS POBRES ESTRUTURAS PARA PRÁTICAS DE ESPORTES, ARTE, ETC. FALTA AINDA UMA CULTURA DE ENTENDER QUE A DROGA É COISA DE GENTE ULTRAPASSADA. A MODA HOJE É TER VIDA SAUDÁVEL, CORPO BEM TRATADO E VIVER BEM. ESSE NEGÓCIO DE NOIADO JÁ ERA. O USUÁRIO DEVE SER TRATADO COMO UM CÚMPLICE DO TRAFICANTE , POIS SÓ EXISTE O COMÉRCIO PQ ELE NÃO TEM CARÁTER, É UM FRACO, UM IMBECIL E TAMBÉM UM EGOÍSTA QUE AJUDA O MUNDO A FICAR CADA DIA MAIS INSEGURO E PIOR POR CAUSA DE SUAS ESCOLHAS. EM VEZ DE TRATAMENTO ELES DEVIAM LEVAR UMA SURRA COM VARAS DE BAMBU TODOS OS DIAS. AÍ SIM NÃO TERIAM ESSE BANDO DE VAGABUNDOS ROUBANDO E METANDO PARA COMPRAR DROGAS.

  3. Spilber disse:

    Eu posso afirmar que esse cientista esta certo,corretíssimo ! hehe … meus parabéns

  4. Luciano disse:

    Sou contra tudo que cause fissura, e para os publicitários vagabundos de plantão, isto inclui a Coca-cola e as novelas.

  5. tia iaia disse:

    Tenho um amigo que foi viciado em crack por alguns anos. Sumia de casa, a familia não tinha noticias dele. De repente, ele parou de usar a droga, arranjou um emprego, casou e tem filhos. Não foi preciso tratamento, nem governo dar dinheiro ou algum tipo de auxilio. Foi decisão dele. Um dia ele estava completamente drogado, no outro, limpo, procurando trabalho. Então chego à conclusão de que o Dr.Hart tem razão. Se todos tivessem empregos, familia estruturada, acredito que seria mais dificil entrar nas drogas. Há exceções, claro. Mas que é possível sair dela, isto eu acredito.

  6. Philos Sophia disse:

    Esse experimento foi furado, porque dinheiro é uma droga muito mais viciante que o crack.

  7. a verdade disse:

    que coisa mais meiga….a verdade é uma e única… o viciado usa drogas porque quer..parem de tampar o sol com a peneira..problemas todos tem, a pessoa viciada não é doente.. doente é quem tem um câncer.. nasceu com doenças etc… viciado usa droga porque quer.. e ponto final

  8. Tiago disse:

    O que entendi foi que o ambiente degradante muitas vezes vem antes do uso da droga e estimula a compulsão por maus hábitos. As oportunidades dadas, sejam elas algumas atividades ou mudança de um determinado ambiente, aparecem como opção para afastar o usuário de um meio nocivo.

  9. Rafa disse:

    Não vamos nos enganar totalmente. O ser humano é muito mais complexo que um rato na tomada de suas decisões. Tanto é que vemos ricos se afundando em drogas também. O problema não é só social, nem só genético… é um mix… mas é evidente que o ambiente influencia… enquanto um começa pra tirar onda, outros são apenas curiosos, outros estão em depressão, outros querem apenas fuga da realidade… cada um com seus motivos… e tbm é óbvio que o número de usuários de crack cairia bastante… alguns iriam procurar outras drogas, outros simplesmente nem as buscariam. O problema é que depois do vício, não é mais tão simples assim como dar 5 ou 20 reais pra pessoa… é evidente a dependência química.. Isso é um perigo pois alguns políticos brasileiros são capazes de dar salários pra viciados ao ler uma coisa dessas… e depois que julgarem que o problema está resolvido, abandonam a pessoa e ela se afunda novamente… O ideal seria fazer com que as pessoas recebessem educação de qualidade e vivessem dignamente antes de entrarem no mundo das drogas… assim, seria claro que o distúrbio seria psicológico… mas discordo que seja tão simples depois que se tornam dependentes…

  10. Manoel Ailton disse:

    Isto é uma questão Social, ninguem é viciado em drogas por opção, são vários fatores que levam um ser humano a entrar no mundo das drogas, inclusive a permissividade das drogas ditas licitas.

  11. Se eles esperaram semanas pelo fim dos estudos para receber o dinheiro, o fato de usar dinheiro para comprar drogas como você especula, caracteriza compulsão psíquica e não dependência química – que implica em necessidade imediata de repor a substância no corpo.

  12. Allysson disse:

    No Brasil há um estudo dos irmãos Emanuel Ferraz Vespucci e Ricardo Vespucci que defendeu conclusões próximas às de Hart, está no livro O revólver que sempre dispara, Editora Casa Amarela. Além dos aspectos sociais eles defendem a origem orgânica do problema, entre 12 ou 15% das pessoas teriam predisposição para a dependência, enquanto os outros poderiam usar e não desenvolve-la.

  13. com todo respeito ao estudo, mas se eles escolhiam o dinheiro ao invés da droga, não seria pra poder comprar uma quantidade maior com aquela recompensa?

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